Estudo aponta mudanças no perfil dos estudantes nas universidades, após cotas

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Confira dados da pesquisa realizada pela Associação Nacional dos Dirigentes das IFES

A Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes) divulgou nesta quinta-feira, 18/08, em Brasília, o resultado da 4ª edição da pesquisa que aponta o Perfil Socioeconômico e Cultural dos Estudantes das Universidades Federais Brasileiras.

O estudo apresenta informações sobre moradia, acesso a atividades culturais e esportivas, idade, raça, cor, etnia e renda de estudantes que cursam graduação nas 63 universidades federais. O estudo reuniu uma grande base de dados, que ao serem analisados demonstraram expressivas mudanças no perfil dos alunos das universidades federais. Essas mudanças podem ser atribuídas à crescente utilização do Enem, a partir de 2009, à adesão das instituições federais ao Sisu, à vigência da Lei das Cotas, a partir de 2013, e também aos novos campi implantados na política de interiorização das universidades federais. 

A pesquisa foi idealizada pelo Fórum Nacional de Pró-Reitores de Assuntos Comunitários e Estudantis (Fonaprace), da Andifes, e vem sendo realizada desde 1996, configurando-se como uma ferramenta importante para subsidiar a elaboração de programas e políticas educacionais para ações relacionadas a assuntos estudantis e comunitários, em nível regional e nacional. Dados da última edição, mostram um aumento no número de estudantes negros (pretos e pardos), de famílias de baixa renda e um leve aumento na idade média dos graduandos, após a Lei de Cotas ter entrado em vigor para ingresso às universidades e institutos federais.

A última pesquisa realizada pela entidade foi em 2010 e teve a participação de estudantes de 56 instituições federais de ensino superior. Naquele ano, a pesquisa constatou que 43,74% dos alunos das universidades federais pertenciam às classes C, D e E; e que o percentual de estudantes de raça/cor/etnia preta aumentou de 5,9% em 2004 (período da pesquisa anterior) para 8,7%, em 2010.

Segundo o coordenador nacional do Fonaprace, Prof. Leonardo Barbosa, entre as duas edições anteriores da pesquisa e a atual, alguns dados mostram indícios que a universidade federal "caminha na direção de espelhar a composição social do país".

Defendendo a manutenção da gratuidade no ensino público e a ampliação do orçamento, a presidente da Andifes, Profa. Ângela Maria Paiva Cruz, reitora da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), pontuou que os resultados são frágeis e facilmente reversíveis. "A defesa é de uma universidade pública, gratuita e de qualidade. Acreditamos e trabalhamos para que isso não mude, tendo em vista que o Plano Nacional de Educação (PNE) é uma escolha da sociedade brasileira. Temos temores em relação às mudanças de governo, mas não ficamos resguardados nessa temeridade", disse.

Diversidade racial

Um dos exemplos dessa mudança está na diversidade racial dos estudantes de graduação das federais, em comparação com a população brasileira. Em 2003, primeiro ano da pesquisa onde há dados suficientes para fazer a comparação, 51,96% da população do Brasil se autodeclarava branca. Mas, nas instituições, a porcentagem de estudantes autodeclarados brancos era de 59,4%.

Por outro lado, os brasileiros pardos representavam 41,47% da população do país, mas só 28,3% dos estudantes das instituições federais. Em 2014, ano dos dados mais recentes divulgados pela pesquisa, 45,05% do total de brasileiros eram pardos, e, dentro das universidades, a população parda representava 37,75% do total.

No mesmo período, o número de estudantes de graduação praticamente dobrou, de 469.848 para 939.604. Já considerando a população negra (preta e parda), esse crescimento foi ainda maior, de 160.527 para 446.928, o que representa um aumento de 178%.

O estudo explica, porém, que não é só a reserva de vagas para estudantes pretos, pardos e indígenas que deve responder pela mudança no perfil. Um dos fatores que deve ser levado em conta, de acordo com a Andifes, é o "amplo movimento de reinterpretação do processo de autodeclaração, com os estudantes mudando sua visão sobre sua cor ou raça de branca para preta ou parda". De acordo com a associação, no entanto, "seja uma revisão de autodeclaração nas mesmas magnitudes do visto no restante da sociedade ou uma em menor proporção por conta da elevada formação educacional, a adoção generalizada de política de cotas se destaca como evento mais marcante em capacidade de produzir essa nova dinâmica".

Renda familiar e assistência estudantil

A concentração de estudantes das classes mais ricas do Brasil também caiu nas instituições federais de ensino superior, segundo mostra o estudo. Em 2010, 34,71% deles tinham renda familiar bruta maior que seis salários mínimos, 24,61% tinham renda de mais de três e menos de seis salários mínimos, e 40,66% tinham renda de até três salários mínimos.

Em 2014, a porcentagem de cada uma dessas faixas salariais no total de estudantes de graduação foi de 23,86% para os mais ricos, 24,72% para os da faixa intermediária, e 51,43% para os estudantes mais pobres.

De acordo com estimativas feitas pela Andifes, em 2014, mais de dois terços dos graduandos tinham renda per capita de até um salário mínimo e meio, ou seja, são alvo das políticas de assistência estudantil das universidades e institutos.

"Com a forte expansão do total de alunos e as significativas mudanças em seu perfil (...), esse número é a expressão do desafio que as Políticas de Assistência Estudantil das IFES têm a sua frente", afirmou a associação, no estudo. Para garantir recursos que promovam a permanência dos estudantes que ingressaram nas instituições, o Fonaprace defende a transformação em lei federal de um decreto de 2010, que institui o Programa Nacional de Assistência Estudantil (Pnaes). "Entendemos que para que a educação seja um direito de todos e todas, a assistência estudantil também deve sê-lo", afirmou Prof. Leonardo Barbosa, coordenador do fórum.

Hoje, o Programa Nacional de Assistência Estudantil (Pnaes) é regulado por um decreto editado em 2010. A associação luta para transformar o tema em uma lei federal. "Aquilo que é feito por decreto, por portaria gera certa insegurança porque em momentos desfavoráveis é a primeira coisa a ser cortada", diz Ângela.

Segundo a gestora, a democratização do acesso à universidade ampliou o número de alunos pobres que precisam dos auxílios. Além das bolsas-permanência, as instituições podem usar as verbas do Pnaes para custear o investimento dos estudantes em instrumentos caros, de cursos como medicina, odontologia e música.

"Cada vez mais, a gente quer chegar perto desse percentual de 80% dos alunos de ensino médio, que estão em escola pública, dentro do universo de alunos do ensino superior. Para isso, precisamos ampliar o orçamento da assistência estudantil", diz. O levantamento da Andifes mostra que 66,19% dos alunos matriculados têm renda familiar de até 1,5 salários e, por isso, poderiam se beneficiar da assistência.

Defesa do ensino público

Questionada sobre o cenário positivo mostrado pela pesquisa, a presidente da Andifes diz que "o trabalho apenas começou" e que o Brasil ainda está longe de atender a metas definidas pelo PNE e pelas próprias instituições de ensino. "Cerca de 80% dos alunos de ensino médio estão nas escolas públicas, e isso não se reflete de maneira igual no ensino superior", declarou. A pesquisa divulgada nesta quinta mostra que, em média, 60% dos alunos das universidades federais fizeram os três anos de ensino médio em escolas públicas.

"Há necessidade de ampliação e de manutenção da educação básica, para que cresçam os percentuais de participação. O caminho da privatização é um contrassenso, contrário a tudo que essa pesquisa acaba de mostrar. O aluno da escola pública não está lá porque escolheu, mas por uma condição social. Ele deve ter o direito a um ensino superior que também seja público", disse.

Ensino 'elitista'

Ao comentar os avanços na diversidade e na inclusão social, o segundo vice-presidente da Andifes e reitor da Universidade Federal de Goiás, Prof. Orlando Afonso Valle do Amaral, afirmou que o ensino superior público no Brasil está "só um pouquinho acima" dos critérios internacionais que caracterizam uma educação elitista.

"Hoje, temos 17% dos jovens [de 18 a 24 anos] na educação superior. É muito baixo na comparação com qualquer país da América Latina, a meta do PNE é de 33%. É preciso dobrar o número de estudantes nas universidades brasileiras e qualquer medida restritiva, seja por cobrança de mensalidade ou outra coisa, não ajuda o país a sair dessa posição vexatória".

No fim de julho, a Andifes divulgou um manifesto contrário aos cortes de verbas e às propostas de privatização do ensino público. No texto, repercutido pela Assessoria de Comunicação Social em Reitores defendem uma educação de qualidade, gratuita e com inclusão, a associação cita medidas como a PEC 241/16, que fixa um teto para as despesas públicas pelos próximos 20 anos e flexibiliza o cumprimento dos "investimentos mínimos constitucionais". Segundo a carta, a proposta "representa séria ameaça ao Plano Nacional de Educação".

"A partir do momento em que não há mais os pisos [constitucionais], não há mais responsabilização. Se tivermos a descontinuidade desse financiamento público, todas as metas do PNE podem ser colocadas em questionamento", disse o primeiro vice-presidente da Andifes e reitor da Universidade Federal de Alfenas, Prof. Paulo Márcio de Faria e Silva.
 
Com informações: Andifes e G1 Educação