Júlia Lopes de Almeida, escritora da transição dos séculos XIX e XX, nasceu no Rio de Janeiro, no dia 24 de setembro de 1862. Autora de romances, contos, crônicas, peças teatrais, conferências, livros didáticos e manuais de comportamento, Júlia Lopes de Almeida foi uma das grandes escritoras de sua época, obtendo sucesso em vida e fazendo parte da intelectualidade carioca. A autora defendia em suas obras a importância da profissionalização e da educação para a emancipação das mulheres.
Desde cedo, Júlia Lopes de Almeida recebeu grande influência dos pais, Antônia Adelina do Amaral Pereira, musicista, e Valentim José da Silveira Lopes, médico e pedagogo. Antônia e Valentim, casal de portugueses que migrou para o Brasil em 1856, compuseram uma família intelectualmente engajada, tendo sido, inclusive, proprietários de um “Colégio de Humanidades”, como aponta Deivid Costruba (2018). Tendo isso em vista, é devido ao pedido do pai que a jovem Júlia Lopes de Almeida escreve seu primeiro artigo aos 19 anos, publicado na Gazeta de Campinas. Neste momento, a escritora inicia sua carreira, a qual manteve até o fim de sua vida.
A sociedade burguesa da transição dos séculos XIX e XX, período em que Júlia Lopes viveu, reforçava o papel da mulher como esposa, dona de casa e mãe, limitando-a ao que Marina Maluf e Maria Lúcia Mott (1998) chamaram de “recôndito do lar”. Entretanto, diferente dos modelos femininos impostos à sua classe, Júlia Lopes de Almeida não se limitou a exercer o tripé mãe- esposa-dona de casa, uma vez que viveu de sua escrita e foi, inclusive, uma das idealizadoras da Academia Brasileira de Letras (ABL).
Fundada em 1897, a ABL foi idealizada por escritores como Machado de Assis e Filinto de Almeida, marido de Júlia. No entanto, apesar de fazer parte da idealização da instituição, a autora não foi consagrada com uma Cadeira, o que evidencia o impacto do patriarcado na sociedade literária. Conforme discute Marina Romanelli (2014), a justificativa utilizada para negar a entrada da autora na ABL se baseou no fato de que a instituição seguia os moldes da Academia Francesa, a qual também não aceitava mulheres.
Contudo, embora tenha sofrido as mazelas de um mundo literário excludente para as escritoras, Júlia Lopes de Almeida foi “[…] uma das mais importantes ficcionistas brasileiras do período pré-modernista e uma das mais talentosas prosadoras da transição do Oitocentos para o Novecentos” (LUCA, 1997, p. 215). Ao longo de sua carreira, escreveu para jornais de grande circulação, como O País e Jornal do Comércio. Ao tratar de sua contribuição no jornal O País, um dos mais influentes do Brasil, Anna Faedrich e Angela di Stasio afirmam que
Suas crônicas semanais eram publicadas na primeira página do jornal, à esquerda, espaço privilegiado e de grande visibilidade, o que atesta a posição de prestígio e de respeito da autora em ambiente intelectual e literário eminentemente masculino (FAEDRICH; STASIO, 2016, p. 9).
Ainda de acordo com as pesquisadoras, em suas crônicas, Júlia Lopes discutia assuntos políticos e sociais, atentando-se para questões como a urbanização e a arborização do Rio de Janeiro – cidade em que viveu grande parte de sua vida. Além das crônicas, a escritora também publicou romances como Memórias de Martha (1899), A Família Medeiros (1892), A Falência
(1901) e A Intrusa (1908).
Em seus romances, Júlia Lopes de Almeida centralizou personagens femininas e discutiu questões como independência feminina por meio da educação e do trabalho. Em A Intrusa (1908), por exemplo, a personagem central, mulher instruída, sustenta a si mesma por meio do trabalho, contrapondo o destino da mulher burguesa oitocentista, que se baseava no casamento como forma de sobrevivência. Já o romance A Família Medeiros (1892), um dos primeiros da autora, além de possuir uma protagonista altamente instruída, é considerado uma obra abolicionista.
Além disso, conforme aponta a pesquisa de Gabriela Simonetti Trevisan e Luzia Margareth Rago, Júlia Lopes, em nome da emancipação feminina, “Organizou-se ao lado de militantes como Bertha Lutz e representou a Federação Brasileira pelo Progresso Feminino em eventos nacionais e internacionais” (2019, p. 348). Assim, por meio de suas obras e de sua atuação social, Júlia Lopes de Almeida defendeu novos destinos para a mulher burguesa de sua época.
Na conferência intitulada A Mulher e a Arte, proferida provavelmente entre 1906 e 1918, Júlia reflete sobre a diferença de oportunidades entre homens e mulheres e afirma que o talento “[…] não tem sexo, embora o mundo teime em vesti-lo de calças quando o quer adular!” (ALMEIDA apud RAGO e TREVISAN, 2019, p. 354). Assim, apesar das limitações de uma época que tolhia a mulher artista, Júlia Lopes de Almeida constrói uma sólida carreira como escritora, produzindo uma vasta obra e forte impacto na intelectualidade
carioca.
Em 1934, a escritora, após voltar de uma viagem à África, falece, vítima de malária. Júlia Lopes de Almeida deixa um grande legado para a Literatura Brasileira, no entanto, sua obra deixou de ser citada nos livros de História de Literatura e foi esquecida ao longo do tempo. Atualmente, seus romances A Falência (1901) e Memórias de Martha (1899) foram inseridos em listas de vestibulares. Ações como essa contribuem significativamente para o resgate da obra de Júlia Lopes de Almeida, cujo papel na formação da literatura nacional merece destaque e reconhecimento.
Autoria: Bruna dos Santos Caetano
Mestranda em Estudos de Literatura pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar-SP). Graduada em Letras – Língua Portuguesa pela Universidade Federal de Alfenas (UNIFAL-MG).