Emilia Pardo Bazán (La Coruña, 1851- Madri, 1921)
Autoria: Bruna Cardoso de Oliveira
bcoliveira83@gmail.com
Emilia Pardo Bazán foi uma escritora galega que nasceu na cidade de Corunha, Espanha, em 16 de setembro de 1851. Filha de uma família aristocrática, possuía uma condição financeira abastada o que, somado ao apoio de seus pais, possibilitou que a autora estudasse de forma autodidata, realizando leituras e pesquisas sobre os mais variados temas, além de poder participar de um ensino formal, algo que não era direito das mulheres de sua época. Tais fatores também permitiram viagens frequentes pela Europa, fazendo com que entrasse em contato com diferentes tipos de literatura, autores renomados e correntes literárias, o que contribuiu para a construção de sua estética literária e para a diversidade de obras que produziu.
Ainda em vida foi traduzida para mais de dez línguas diferentes, porém, ao longo dos anos, foi sendo cada vez mais apagada da história literária de seu país e do mundo ( destaca-se que na língua portuguesa suas obras não tiveram traduções tão expressivas). Sua vasta obra literária incluiu romances, novelas cortas, ensaios, crítica literária, textos jornalísticos, livros de viagem, livros de culinária, peças de teatro, traduções e contos, sobre os últimos ela foi responsável pela escrita de mais de 600.
A autora foi a responsável pela introdução do movimento literário naturalista na Espanha, com o qual se familiarizou ao viajar para a França, conhecendo, inclusive, seu maior expoente, Émile Zola. Desenvolveu vinte artigos sobre o movimento, compilados posteriormente na obra La Cuestión Palpitante (1883) e, ao contrário de outros críticos da época, ela acreditava que deveria “analizar las obras y tendencias sin escandalizarse ni establecer juicios normativos e inmutables, atendiendo a los contextos históricos, sociales y nacionales de las ficciones.” (BURDIEL, 2019, p. 150). No entanto, a concepção geral do povo espanhol sobre essa corrente literária à época era a de que propagava ideias pornográficas e ateias, o que fez com que Pardo Bazán acabasse se tornando alvo de críticas ferrenhas, inclusive de autores com quem, até aquele momento, mantinha boas relações ou amizade. Mesmo com as críticas recebidas, o próprio Zola, após leitura de uma tradução francesa da obra, diz ter ficado “muy sorprendido de la amplitud del estudio y de la penetración crítica de la autora. Este libro figurará, sin duda alguna, entre los mejores trozos que se han escrito acerca del movimiento literario contemporáneo.” (ZOLA, 2023, p. 122).
Publicou naquele ano, também, La Tribuna (1883), considerado o primeiro romance de cunho social e naturalista espanhol que traz a voz do proletariado. O romance traz como protagonista uma mulher, discutindo as particularidades da vida das mulheres da classe trabalhadora, que enfrentavam uma jornada dupla de trabalho ao serem trabalhadoras e mães. O contato com o naturalismo também deu origem ao seu trabalho mais famoso e notável: Los pazos de Ulloa (1886), romance no qual Pardo Bazán “reivindicó un ‘naturalismo’ autóctono, de carácter castizo y propio de la literatura española” (AYUNTAMIENTO DE ARGANDA DEL REY, 2021, p. 11). Nele, a escritora apresenta a “saga de una clase social en decadencia: la aristocracia rural gallega.” (AYUNTAMIENTO DE ARGANDA DEL REY, 2021, p. 11).
Emilia Pardo Bazán foi precursora do feminismo na Espanha, tendo se autodeclarado publicamente como feminista e defendido os direitos da mulher abertamente, principalmente no que se refere ao direito universal à educação. Além disso, utilizou suas obras para denunciar os abusos e destacar as dificuldades vividas por mulheres de diferentes classes sociais. Empregou sua influência e seus meios para participar de espaços tradicionalmente ocupados por homens, sendo a primeira mulher sócia do Ateneu de Madri (apesar de ter seu primeiro pedido negado), onde vivenciou restrições por causa de seu gênero, e a primeira a ser nomeada como Presidenta de la Sección de Literatura do Ateneu de Madri, sendo, por isso, vítima de diversas críticas por parte da imprensa e de outros colegas escritores.
Decidiu viver do próprio trabalho como escritora, defendendo que as mulheres deveriam poder escolher suas profissões livremente. Utilizou sua herança para financiar o desenvolvimento da editora Biblioteca de la Mujer (1892), que tinha como objetivo instruir outras mulheres sobre diversos aspectos culturais por meio da seleção de textos que considerava relevantes, destacando-se aqueles de cunho feminista. Posteriormente, criou sua própria revista, Nuevo Teatro Crítico (1891-1893), na qual seria a única escritora e editora, abordando questões sociais e políticas daquele momento.
Apesar de ser a única herdeira do Conde Pardo Bazán, a escritora havia decido não utilizar esse título por não ter lhe sido concedido diretamente. Porém, em 1908, por meio de um decreto real, recebeu, por suas contribuições literárias, o título de Condessa de Pardo Bazán do rei Afonso XIII e começou a utilizá-lo e a assinar suas obras dessa maneira.
Seu papel na literatura espanhola foi sendo esquecido e deliberadamente apagado após sua morte, em 1921, causada por uma complicação derivada da diabetes. Mas, atualmente, começaram a ser desenvolvidos trabalhos de recuperação da autora e de sua obra que, apesar de ainda não serem tão significativos, mostram como são atemporais.
Por fim, é importante mencionar que muitos dos escritos de Pardo Bazán publicados na imprensa não chegaram a ser compilados em livros, o que tem permitido que ainda hoje sejam encontradas produções da autora há muito esquecidas. Ademais, existe a possibilidade de serem encontrados escritos inéditos seus no Pazo de Meirás, um solar construído a mando de Pardo Bazán em sua cidade natal, que contava com a biblioteca particular da autora. O local foi tomado pelo ditador Francisco Franco, que o utilizou como residência de verão até sua morte, passando a fazer parte — de forma irregular —, do patrimônio de seus descendentes. Somente em 2020 foi provada a irregularidade da apropriação do imóvel e este passou a ser propriedade do Estado, sendo considerado um bem de interesse cultural pela figura de Emilia Pardo Bazán e pelas mudanças sociopolíticas da Espanha do século XX, o que pode significar um crescimento no interesse pela autora e um resgate de obras até então esquecidas.
Retrato de Emilia Pardo Bazán con chapeau. Fonte: Real Academia Galega (1863-1910).
Ana María Matute Ausejo (Barcelona, 1925 – 2014)
Autoria: Sarah Ayer Pereira
sarah.ayer777@gmail.com
Ana María Matute foi uma escritora espanhola nascida no ano de 1925 na cidade de Barcelona. Foi nessa cidade, segundo a Real Academia de la Historia da Espanha, em cenário pós-guerra, que começou a sonhar como criança e mais tarde transformou seu imaginário em literatura, criando obras que permitiam às crianças e aos adultos sonharem. Mariano Rajoy, primeiro-ministro espanhol, disse em depoimento que Matute foi “[…] uma das grandes contadoras de história da nossa literatura e uma mulher com uma voz e um mundo narrativo próprios no panorama literário espanhol, com uma escrita original, que reunia a imaginação, a magia e a fantasia.”
Carlos Geli (2014), jornalista barcelonês, afirma que a autora destaca-se na história da literatura espanhola e justifica seu ponto de vista expondo os diversos prêmios e destaques literários recebidos por Matute, que escreveu obras que se deslocavam entre o realismo, o fantástico e o infantil. Para o primeiro caso, destaca-se o prêmio Café Gijón ganho por Matute em 1952, por conta de sua obra Fiesta al noroeste (1953); já quanto aos outros dois, há diversos prêmios dedicados a ela, como o Prêmio Planeta (1954), que recebeu pela obra Pequeño Teatro (1954); o Prêmio Nacional de Literatura Infantil Lazarillo (1965), que premiou El polizón de Ulises (1965); o Prêmio Nacional de Literatura Infantil (1980), que premiou Sólo un pie descalzo (1983), entre outros. Deve-se destacar, em especial, a obra Olvidado Rey Gudú (1996), que além de dar notoriedade à autora, é responsável por sua indicação à Real Academia Espanhola (RAE), sendo ela a terceira mulher a ocupar um assento nesta instituição.
A adoção de uma narrativa realista por Matute é perceptível, por exemplo, em seu primeiro romance, Los Abel (1948), em que cria cenários precários de uma sociedade que sofre tanto quanto viu seu país sofrer após o período da primeira guerra. Mas ao falar de Matute é importante lembrar que, como se disse, para além do realismo, grande parte de sua obra foi dedicada ao mundo maravilhoso e/ou infantil, onde sentia que tinha liberdade para falar com os adultos através dos olhos inocentes de uma criança que ainda acreditava em esperança (Palacio, 2018). Entre suas obras, a autora escreveu diversos contos de fadas, que são motivos de destaque não somente pela sua grande construção narrativa, mas também por seu caráter maravilhoso que é capaz de expressar diversas problemáticas sociais através de um mundo mágico.
Mais do que escritora, Ana María Matute também ocupa um lugar de grande importância para a história da mulher na literatura, pois é tida como a terceira mulher a ser convidada e a fazer parte da Real Academia Espanhola, desde o ano de 1998. Apesar da autora não ter confirmado sua posição política até tardiamente — quando, em 2013 para o jornal El País, confirma ser de esquerda —, ela sempre se demonstrou uma figura muito ligada às questões sociais de importante discussão. Em sua vasta obra, Matute realiza uma literatura de denúncia social, onde, explicitamente ou não, exprime sua opinião a respeito dos mais variados temas, desde as implicações das grandes guerras ao entendimento de questões de gêneros na sociedade.
A autora utiliza de recursos literários para caracterizar diversos aspectos do comportamento humano. Faz uso do tema da guerra civil espanhola e da primeira guerra para abordar o impacto desta violência na sociedade e no ser individual, através de personagens como Mateo (Los hijos muertos, 1966) e Nana (La torre vigía, 1960). Para além disso, aborda de forma sutil e simples conteúdos mais abstratos como a representação da mulher na literatura, através de títulos como El verdadero final de la Bella Durmiente (1995) e Los hijos de la noche (1967). Caracterizada por sua sensibilidade, Matute diz, “La palabra es lo más bello que se ha creado, es lo más importante de todo lo que tenemos los seres humanos. La palabra es lo que nos salva”. (Matute apud Romero, 2014).
Por fim, exerce o papel de educadora em diferentes instituições espanholas, além de possuir obras estabelecidas dentro do currículo de escolas e universidades, destacando sua importância para a formação intelectual do público leitor estudantil. Concluimos que Matute apresenta-se como um dos grandes nomes da literatura de autoria feminina por ter sido capaz de construir uma grande carreira literária que ia do realismo pós-guerra à crítica feminista. A autora expressou tudo que pôde em belas e estruturadas obras até o ano de 2014, quando faleceu com 88 anos de história, luta e literatura.

Fonte: Real Academia de La Historia, 2002.
Montserrat Roig (Barcelona, 1946-1991)
Autoria: Kátia Aparecida da Silva Oliveira
katia.oliveira@unifal-mg.edu.br
Com extensa obra literária e jornalística, Montserrat Roig foi uma importante escritora catalã. Como diz Christina Dupláa (2005, p. 305) “Roig dedicó veinticinco años de su corta vida a la creación de un complejo universo literario compuesto de ensayos feministas, ficciones, centradas en la mujer, la presencia constante de su ciudad natal, Barcelona, y su lengua minoritaria, el catalán”. Mas embora seja evidente e amplamente conhecido o seu comprometimento com a cultura, história e identidade catalã, sua produção, se por um lado tem um aspecto regional, por outro, tem elementos de alcance universal, que ultrapassam as fronteiras da Catalunha e que se comunicam com todos.
Montserrat Roig teve uma importante participação na produção literária catalã e espanhola da segunda metade do século XX, essencialmente entre os anos 70 e 90. Ela contribuiu para a reflexão acerca do processo de transição espanhola instaurado após o fim do regime franquista em 1975, para a recuperação das memórias acerca do passado do Estado espanhol ao longo do século XX e para a discussão acerca dos direitos da mulher, além de promover reflexões sobre outros temas.
Roig é dessas escritoras que vivenciam as suas crenças. Nascida em junho de 1946 em uma família de classe média em Barcelona, na juventude se envolve com o teatro e se licencia em Filosofia e Letras na Universitat de Barcelona. Nessa época se envolve com grupos políticos de esquerda – Universitat Popular (UP) – e participa de diversas manifestações contra a ditadura franquista.
Filia-se, em 1968, ao Partit Socialista Unificat de Catalunya (PSUC) e tem nele participação ativa defendendo e discutindo questões relacionadas à organização política do país, à anistia e nova constituição – após a morte de Franco –, além de pautas feministas, defendendo os direitos das mulheres e uma outra visão do seu lugar na sociedade catalã e espanhola. Abandona o PSUC um ano e meio depois e volta a afiliar-se ao partido em 1972, mantendo-se nele até 1978. O fato de não estar filiada ao PSUC, porém, não significa que não mais atuasse politicamente: segue militando pela causa das mulheres e pela conscientização histórica e política da população durante toda a sua vida.
Além da escrita literária, a autora trabalha e colabora como jornalista em diversos periódicos da Espanha, dirige e apresenta programas de televisão, leciona em universidades na Inglaterra (Bristol), na Escócia (Glasgow) e nos Estados Unidos (Arizona). Vale ressaltar que, ainda em vida, Roig, tanto por suas obras quanto por sua participação nos meios de comunicação, é uma escritora reconhecida e muito popular. Escreve essencialmente em catalão, sua língua materna, e afirma que escrever em castelhano é para ela como escrever em uma língua alheia, na qual não se sente confortável. Comenta:
Amigos de boa-fé querem me convencer de que sou bilíngue. Diria, mais acertadamente, que sou esquizofrênica, uma doente das línguas. Escrevo em castelhano e sou uma, escrevo em catalão e sou outra. Mas talvez seja mais eu quando falo a língua dos meus, quando escolho a minha fala. Em castelhano, sinto-me como se estivesse do outro lado da peneira, o oficio me limita e me salva. As palavras chegam a mim peneiradas pelos dicionários – como agradeço à santa María Moliner! –, amparam-me, mas não me conquistam… se não, me convence disso um grande escritor em língua castelhana. Porém a minha avó não queria me convencer, envolvia-me falando comigo em catalão. Não a perdi totalmente quando morreu, ficava comigo a sua língua. (ROIG, 2001, p. 47 – tradução minha)
E escrevendo em catalão recebeu prêmios literários importantes como o Premi Victor Català, em 1970, por Molta roba i poc sabó… i tan neta que la volen (traduzida ao castelhano como Aprendizaje sentimental), seu primeiro livro de ficção; o Premi Sant Jordi de novel·la, em 1976, por El temps de les cireres (publicada em castelhano como Tiempo de cerezas); o Premi Crítica Serra d’Or, em 1978, por Els catalans als camps nazis (traduzida ao castelhano como Noche y niebla. Los catalanes en los campos nazis) e o Premi Nacional de Literatura Catalana, em 1985, por L’agulla daurada (traduzida ao castelhano como La aguja dorada); entre outros.
Deitando o olhar sobre a obra de Roig, pode-se dizer que ela adota uma mirada muito específica para o cotidiano, dando um lugar central a personagens comumente marginalizados. Dessa forma, as mulheres são o foco a partir do qual se ilumina um retrato da sociedade catalã, especialmente de classe média.
A ideia de representar as mulheres – muitas vezes esquecidas e ignoradas nos discursos da história – que, por um lado se encontram em um lugar vulnerável pelo simples fato de terem o sexo feminino e, por outro, contraditoriamente, podem desenvolver um papel importante no meio em que se encontram, pode ser entendida como algo importante na construção do presente e da história. É como comenta Dupláa:
Como en el caso de otras mujeres, la participación de Roig en el movimiento feminista de los años setenta modeló su respuesta al discurso androcéntrico. Ella fue siempre plenamente consciente de su condición marginal como mujer y catalana en la sociedad patriarcal y castellanocentrista de la España del siglo XX. Roig sabía que las mujeres están minusvaloradas en la cultura dominante y que el catalán, al igual que otras lenguas minoritarias de la nación (como el gallego y el vasco), está desplazado a los márgenes de la cultura española dominante. La solidaridad de Roig con los marginados la llevó a enfrentarse con la necesidad de recuperar la memoria de las mujeres que vivieron su propia realidad en función de unos mitos y modelos sociales creados precisamente para usurpar a las mujeres la libertad en su cotidianidad. Tales modelos sociales y tradiciones culturales relegaron a la mujer a la esfera doméstica y al silencio absoluto. (DUPLÁA, 2005, p. 305)
Assim, a obra de Roig, que abrange romances, contos, ensaios, artigos jornalísticos, entrevistas e programas de televisão, pode ser compreendida como organizada em três grandes eixos: o eixo feminista, o memorialístico/histórico e o de reflexão sobre a literatura. Esses eixos, definidos mais como um meio de organizar as leituras das obras, misturam-se e dialogam de forma intermitente: a discussão do passado, da memória e mesmo da memória coletiva não anula a reflexão sobre o lugar da mulher na família e na sociedade. Além disso, a identidade catalã está intimamente relacionada à memória, à língua e aos papéis sociais desempenhados pelos que se consideram parte dessa herança. E, finalmente, a literatura acaba ocupando um lugar de prestígio ao propor revisitar essas temáticas, o que geraria questionamentos sobre sua capacidade e meios de representação.
Montserrat Roig faleceu, prematuramente, em novembro de 1991, vítima de um câncer de mama, contra o qual lutou por alguns anos. Vale destacar que como mulher intensa que era, escreveu sempre, tendo publicado o seu último texto, um artigo para o jornal catalão Avui, na véspera de sua morte.
A obra de Roig foi traduzida para diversos idiomas, mas ainda não conta com tradução para o português.
Adaptado de:
OLIVEIRA, Katia Aparecida da Silva. Introdução. In: OLIVEIRA, Katia Aparecida da Silva. Palimpsestos: a memória, a mulher e a construção ficcional em Montserrat Roig. Tese (Doutorado em Letras- Literatura e vida social). Faculdade de Ciências e Letras de Assis, Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho – UNESP, 311p., 2016. Disponível em: << http://hdl.handle.net/11449/144390>> Acesso em 09 nov. 2023.