Conceito:
De acordo com o conceito da Organização Mundial de Saúde – OMS, a Farmacovigilância compreende as atividades relativas à detecção, avaliação, compreensão e prevenção de efeitos adversos ou outros problemas relacionados a medicamentos . Antes de serem registrados na Anvisa, os medicamentos são submetidos a uma avaliação rigorosa de eficácia, qualidade e segurança. Entretanto, algumas reações adversas – muitas vezes raras e graves – só são observadas após o uso do medicamento por uma grande quantidade de indivíduos ou por um longo período de tempo. Daí a importância de uma efetiva vigilância pós-comercialização dos medicamentos.
Histórico:
O marco histórico da farmacovigilância foi o desastre da talidomida. No final dos anos cinquenta, esse medicamento começou a ser prescrito para mulheres gestantes com a indicação de combate às náuseas e vômitos matutinos no início da gravidez. O uso causou deformações nos membros superiores e inferiores dos bebês – um evento conhecido como focomelia. Estima-se que mais de 10 mil crianças tenham sido afetadas pela síndrome. O acontecimento chamou a atenção das autoridades sanitárias de todo o mundo para a necessidade de monitorar os efeitos dos medicamentos comercializados. Em 1968 a OMS criou o Programa de Vigilância Internacional de Medicamentos. O objetivo é acumular e organizar os dados existentes em todo o mundo sobre as reações adversas a medicamentos. O principal método, a notificação espontânea, já é uma realidade em vários países, inclusive no Brasil, e hoje é fonte de novas e valiosas informações sobre os medicamentos.
Farmacovigilância no Brasil:
O Centro Nacional de Monitorização de Medicamentos, sediado na Gerência de Farmacovigilância (GFARM), foi criado em 2001, mesmo ano em que o Brasil passou a integrar o Programa Internacional de Monitorização de Medicamentos da OMS como país membro.
Muitas ações regulatórias foram adotadas pela GFARM ao longo dos anos a partir de notificações enviadas por profissionais de saúde e usuários de medicamentos. A GFARM também recebe notificações dos hospitais da Rede Sentinela (rede de hospitais de ensino e/ou alta complexidade que atuam como observatório ativo do desempenho e segurança de tecnologias de saúde), dos entes do Sistema Nacional de Vigilância Sanitária (SNVS) e dos detentores de registro de medicamentos. Além disso, é importante destacar que a GFARM trabalha em parceria com os demais entes do SNVS na avaliação e investigação de problemas relacionados ao uso dos medicamentos
Exemplos de medicamentos retirados do mercado pela Anvisa com a participação da GFARM ao longo dos anos.
- fenilpropanolamina – Risco de graves efeitos colaterais, principalmente derrame cerebral
- fenolftaleína – Risco de câncer
- tiratricol – Risco de infarto do miocárdio e derrame cerebral
- rofecoxibe – Risco de eventos cardiovasculares graves
- lumiracoxibe – Risco de problemas hepáticos
- efalizumab – Risco de leucoencefalopatia multifocal progressiva
- rosiglitazona – Risco de eventos cardiovasculares graves
- anfepramona, femproporex e mazindol – Riscos à saúde e ausência de comprovação científica da eficácia
Evento adverso a medicamento:
O evento adverso é conceituado como qualquer ocorrência médica desfavorável que pode ocorrer durante o tratamento com um medicamento, mas que não possui, necessariamente, relação causal com esse tratamento . Tal conceito abrange uma série de problemas relacionados ao uso dos medicamentos, incluindo a reação adversa ao medicamento e a inefetividade terapêutica.
Reação adversa ao medicamento (RAM):
A reação adversa ao medicamento é definida como “qualquer resposta prejudicial ou indesejável, não intencional, a um medicamento, que ocorre nas doses usualmente empregadas para profilaxia, diagnóstico ou terapia de doenças ou para a modificação de funções fisiológicas humanas”.
Os eventos adversos graves são definidos como as eventos que causam:
- Óbito;
- Ameaça à vida: há risco de morte no momento do evento;
- Hospitalização ou prolongamento de uma hospitalização já existente;
- Incapacidade persistente ou significativa: interrupção substancial da habilidade de uma pessoa conduzir as funções de sua vida normal;
- Anomalia congênita.
Para efeitos da Resolução RDC 04/09, que dispõe sobre as normas de farmacovigilância para os detentores de registro de medicamentos de uso humano, também é grave qualquer suspeita de transmissão de agente infeccioso por meio de um medicamento. Além destes critérios, a GFARM considera que os casos de suspeita de inefetividade terapêutica devem ter prioridade no momento da avaliação. São considerados graves, ainda, os eventos adversos clinicamente significativos.
Então um evento é considerado clinicamente importante ou clinicamente significativo quando necessita de intervenção médica para evitar óbito, ameaça à vida, hospitalização, incapacidade significativa ou persistente de um paciente. O evento clinicamente importante não deve ser confundido com a intensidade de uma reação. Não é porque uma reação foi intensa que ela deverá ser classificada como grave.
Gravidade X Intensidade:
Um evento é considerado grave quando se enquadra no conceito descrito anteriormente. Já a classificação de um evento quanto à intensidade se refere à sua magnitude.
A ocorrência de uma erupção cutânea, por exemplo, é considerada intensa quando sua manifestação é severa. Entretanto, nem sempre uma erupção cutânea pode ser classificada como grave. Para tanto, deve ter preenchido pelo menos um dos critérios de gravidade citados. Os notificadores devem estar atentos a essa diferença, já que a GFARM recebe diversas notificações de reações severas que são equivocadamente enviadas como graves.
Como notificar?
Para o recebimento da notificação de eventos adversos a medicamentos, a Anvisa disponibiliza aos profissionais de saúde o Sistema Nacional de Notificações para a Vigilância Sanitária – Notivisa. Trata-se de um sistema informatizado na plataforma web, implantado no fim de 2006.
O Notivisa recebe notificações de casos confirmados ou suspeitos de queixas técnicas e eventos adversos a medicamentos. Podem ser notificados como eventos adversos a medicamentos as suspeitas de reações adversas, de inefetividade terapêutica e os erros de medicação que levaram a eventos adversos, além das suspeitas de interação medicamentosa, problemas decorrentes do uso não aprovado de medicamentos e do uso abusivo de medicamentos. Já as queixas técnicas abrangem as suspeitas de alteração ou irregularidade de um produto/empresa relacionadas a aspectos técnicos ou legais, que não causaram dano à saúde individual e coletiva até o momento da notificação. Cabe à GFARM, em ação conjunta ou não com outros entes do SNVS, a avaliação das notificações de eventos adversos a medicamentos. As queixas técnicas são avaliadas pela Gerência de Monitoramento da Qualidade e Fiscalização de Insumos, Medicamentos, Produtos, Propaganda e Publicidade – GFIMP.
As notificações recebidas são mantidas sob sigilo e podem fornecer novas informações sobre o uso e a segurança dos medicamentos comercializados no país, além de subsidiar o SNVS na tomada de decisões regulatórias. O Notivisa pode ser acessado pelos profissionais de saúde liberais e pelos profissionais que representem alguma instituição de saúde ou empresa detentora de registro de medicamentos. Para ter acesso ao sistema, é necessário fazer um cadastro no link: http://www.anvisa.gov.br/hotsite/notivisa/cadastro.htm. O notificador deve clicar em “Acesso ao Sistema”, situado do canto superior direito da tela, para iniciar a notificação. A prioridade para a notificação são os eventos adversos graves e não descritos nas bulas dos medicamentos, embora todos os eventos possam ser notificados. Considera-se também como eventos adversos prioritários para a notificação aqueles relacionados a medicamentos novos (com até cinco anos de mercado), fitoterápicos, manipulados e isentos de prescrição.
O levantamento das notificações de eventos adversos a medicamentos recebidas pelo Notivisa desde a inclusão do formulário no sistema (Gráfico 4), em 2008, revelou incremento anual de 39,6%, 29,7% e 23,4%, respectivamente. Portanto, no período de 2008-2011, observa-se 81,1% de aumento, o que demonstra o impacto positivo quanto ao recebimento de notificações pela Anvisa. No cenário atual e conhecido de subnotificação, o Notivisa configura-se, em âmbito nacional, como um dos principais instrumentos para o monitoramento de medicamentos. O desafio do SNVS é o fortalecimento e articulação de estratégias como a apresentada em prol do efetivo monitoramento do risco sanitário.
Referências bibliográficas:
AGÊNCIA NACIONAL DE VIGILÂNCIA SANITÁRIA (ANVISA). Diretrizes para o Gerenciamento do Risco em Farmacovigilância, 2008a. Disponível em:. Acesso em: 06 jan. 2012.
ORGANIZAÇÃO PAN-AMERICANA DA SAÚDE (OPAS). Segurança dos Medicamentos: um guia para detectar e notificar reações adversas a medicamentos. Brasília: OPAS, 2004.
ORGANIZAÇÃO PAN-AMERICANA DA SAÚDE (OPAS). A importância da Farmacovigilância. Monitorização da segurança dos medicamentos. Brasília: OPAS, 2005.
The International Conference on Harmonisation of Technical Requirements for Registration of Pharmaceuticals for Human Use – ICH. Clinical Safety Data Management: Definitions and Standards for Expedited Reporting, 1995
