pH

Você deve estar se questionando: – Para que tanto interesse em saber a concentração hidrogeniônica (concentração do íon hidrónio)? De fato, existe uma boa razão! A vida em nosso planeta é garantida pela química em meio aquoso, e a concentração hidrogeniônica define uma condição que é relevante nos processos químicos que ocorrem neste meio. Portanto, o pH, quantidade que indiretamente avalia a concentração hidrogeniônica, acaba sendo, para o químico experiente, representativo das condições do meio e servindo de informação para uma representação conceitual da solução. Com base nesta representação o químico pode entender e extrapolar conclusões sobre os processos químicos neste meio. Por exemplo, diversos processos metabólicos da célula de diferentes organismos não ocorrem se o pH do meio estiver fora de uma estreita faixa.

Autoionização da água

A água, mesmo a que idealizamos como pura, não é simplesmente um conjunto de moléculas de H2O, o que se pode inferir da observação que, embora pequena, a água apresenta condutividade elétrica (cerca de 0,555 uS.cm-1)(a) e, portanto, contém íons.

Estes íons existem devido ao processo denominado de autoionização da água, que pode ser representado pela equação química

H2O + H2O = H3O+ + OH

onde uma das moléculas de água funciona como ácido (cede um próton)(b) e a outra como base (recebe um próton). Neste caso, podemos dizer que a água tem um caráter anfótero. A espécie H3O+ mostrada acima é denominada de íon hidrônio(c).

Em solução aquosa o íon hidrônio é de fato o próton H+ solvatado por n moléculas de água, sendo talvez melhor representado por H+(H2O)n

H2O + nH2O = H+(H2O)n + OH

Na maioria das vezes este equilíbrio é representado de maneira mais simples pela equação

H2O(l) = H+(aq) + OH(aq)

onde H+(aq) representa o íon H+ (próton ou íon hidrogênio) solvatado.

Ainda não há provas experimentais definitivas para a estrutura do próton solvatado, já que deve depender da temperatura e das condições do meio. Aqui usaremos de forma indiscriminada as notações H+(aq), H3O+ ou H+(H2O)n para representar o íon H+ solvatado.

Para cada molécula de água desprotonada forma-se um íon H+ (próton) e um íon OH, chamado de hidroxila. Neste caso, pode-se dizer que

[H+] = [OH]

na água pura. O mesmo acontece em qualquer solução aquosa neutra. Numa solução ácida [H+] > [OH] e numa solução básica [H+] < [OH].

Concentração de íon hidrônio na água pura

Como discutimos no item 1, na água (mesmo a que idealizamos como pura) existem as espécies H2O, H+ e OH. Entre estas espécies existe um equilíbrio representado pela equação química

H2O(l) = H+(aq) + OH(aq)

cuja constante de equilíbrio (produto iônico da água) é dada por

Kw = [H+][OH]

Na temperatura de 25oC, a constante de autoionização da água vale aproximadamente 10-14.

Considerando que [H+] = [OH], como foi discutido no item 1, podemos calcular que no equilíbrio a concentração de íons é muito pequena, de aproximadamente 10-7 mol/L, i.e. considerando que

Kw = [H+][OH] = 10-14 e [H+] = [OH] = x, teremos que

Kw = x2 = 10-14 logo

x = [H+] = [OH] = 10-7 mol/L*

Veja que acima encontramos o valor igual a 10-7 mol/L usando para Kw o valor de 10-14. Como vimos, este valor da constante de ionização é para temperatura de 25oC, portanto, encontramos uma concentração igual a 10-7 mol/L de H+ na água para esta temperatura. A tabela 11.1 mostra valores de Kw para diferentes temperaturas.

Em geral, preferimos expressar a concentração de íons hidrônio de modo alternativo, usando o conceito de pH que veremos no próximo item.

*[H2O] = Md = 55,0mol/L

Tabela 11.1: Constante de ionização da água em função da temperatura

T,oC

Kw

0

0,12 x 10-14

10

0,29 x 10-14

20

0,68 x 10-14

25

1,01 x 10-14

30

1,47 x 10-14

40

2,92 x 10-14

60

9,62 x 10-14

Potencial hidrogeniônico, pH

Como lidamos frequentemente com baixas concentrações de H+ é muito mais cômodo utilizar uma forma alternativa de expressar estas concentrações. O caminho consiste em expressar esta concentração numa base 10, tal que

[H+] = 10-x,

em seguida se referir a concentração em termos do negativo do expoente da base. Este valor é denominado de pH (potencial hidrogeniônico).

Neste sentido vale lembrar algumas propriedades dos logaritmos

x = log y

então

10x = y

Sendo assim, se y = 100, então usando a equação 10x = y, temos que 10x = 100 = 102 e, portanto, x = 2. Logo, usando a equação log y = x, temos que o log 100 = 2.

De maneira geral, para y = 10z temos que

10x = y assim 10x = 10z e x = z, por outro lado,

x = log y assim x = log 10z e

z = log 10z

Então, se a concentração é expressa numa base 10, tal que [H+] = 10-z, sendo pH definido como negativo do expoente da base 10. Então pH=x. Usando a relação z = log 10z chegamos na definição de pH como

pH = -log[H+]**

onde log é o logaritmo na base 10.

Foi dito que pH é uma forma alternativa de expressar a concentração do íon hidrónio, pois dado o pH pode-se determinar [H+] usando a relação

[H+] = 10-pH

O pH é uma quantidade adimensional e a concentração expressa por [.] se refere a concentração em mol/L.

Observe que o pH é uma função inversamente proporcional a concentração de H+, isto é

pH = -log [H+] = log [H+]-1 = log(1/[H+])

logo, pH  1/[H+], cqd (como queríamos demonstrar). I.e. se o pH aumenta a concentração de H+ diminui.

** Na verdade pH = -log([H+]/(1mol/L)), i.e, o argumento da função é adimensional

pH da água pura

Considerando que [H+] = 10-7 mol/L (item 4) na água pura então o pH é dado por

pH = – log[H+] = – log(10-7) = -(-7) = 7

Veja que encontramos o valor igual a 7, pois a [H+] = 10-7 mol/L, por sua vez este resultado foi obtido no item 4 considerando que Kw = 10-14. Este valor da constante de ionização (produto iônico da água) é para temperatura de 25oC, portanto, o pH igual 7 é obtido para esta temperatura.

Veja que independente da temperatura, para água pura, sempre temos a igualdade

[H+] = [OH]

Mas, apenas na temperatura de 25oC teremos [H+] = [OH] = 10-7 mol/L. A tabela 11.1 mostra o valor da constante de ionização da água, Kw, para outras temperaturas. Sendo assim, nem sempre uma solução neutra ([H+] = [OH]) corresponde ao pH = 7. Isto ocorre apenas na temperatura de 25oC.

A presença de sais minerais, ácido e bases na água altera o seu pH.

Como medir o pH?

Uma das formas experimentais mais simples de avaliar o pH de uma solução é fazendo o uso de indicadores. Indicadores são substâncias que quando colocadas na solução deixam a solução com uma coloração característica dependendo do pH da solução.

A cor de uma substância está relacionada com sua estrutura e configuração eletrônica#. Se existe um equilíbrio ácido-base entre duas formas de uma dada substância, isto é

HInd = H+ + Ind

onde Hind é a forma protonado e Ind a forma desprotonada, tendo cada forma um espectro de absorção no visível diferente, podemos usá-la como indicador. Isto é possível pois o equilíbrio acima pode ser deslocado, favorecendo a forma protonada ou desprotonada, conforme o valor do pH. Desde que a forma protonada (HInd) e desprotonada (Ind) tenham cores diferentes, podemos detectar um excesso de HInd em relação a Ind, ou o contrário, por uma mudança de cor da solução.

Se a concentração da forma desprotonada é 10 vezes$ maior que a forma protonada então a cor da forma Ind é predominande, caso contrário predomina a cor da forma HInd.

Considerando, para o equilíbrio acima, que

KInd = [H+][Ind]/[HInd]

então, se

Kind/[H+] = [Ind]/[HInd] > 10

log(KInd) – log([H+]) > log(10)

-pKInd + pH > 1

temos que

pH > 1 + pKInd

Por outro lado, se

[H+]/KInd = [HInd]/[Ind] > 10

log([H+]) – log(KInd) > log(10)

-pH + pKInd > 1

temos que

pKInd – 1 > pH

Portanto, é comum definir a faixa de transição do pH de um indicador como

pKInd – 1 < pHTrans < pKInd + 1

onde pHTrans é o pH de transição do indicador. Usualmente o pHTrans é definido como o meio do intervalo de transição, i.e.

pHTrans = pKInd

#como discutido no capítulo 4 do volume 1

$um valor referente a sensibilidade média das pessoas

Fenolftaleína e papel indicador universal

Um indicador é um composto químico que ao ser adicionado pode indicar a faixa de pH do meio através de uma mudança de cor. Um indicador muito conhecido é a fenolftaleína, cujo pH de transição, pHtrans, é igual a 9. Isto significa que, para a maioria das pessoas, abaixo de 8 a fenolftaleína deixa o meio incolor e acima e 10 deixa o meio rosa. Obviamente que a transição de rosa para incolor não é brusca e entre 8 e 9, intervalo de transição, a cor observada pode depender do observador.

Observe que entre pH igual 7 e 8 a fenolftaleína deixa o meio incolor, apesar do meio ser básico, a 25oC, neste pH. Portanto, um indicador não serve para mostrar se o meio é ácido ou básico, mas serve para mostrar se o meio está acima ou baixo de um determinado pH (o pH de transição do indicador). Abaixo temos uma tabela com alguns dos indicadores mais comuns.

Tabela 11.3: pH de transição dos indicadores

Indicador

Cor no pH baixo

Intervalo de pH

(aproximado)

Cor no pH alto

Azul de Bromofenol

amarelo

3.0-4.6

violeta

Vermelho de Metila

vermelho

4,4-6,2

amarelo

Azul de Bromotimol

amarelo

6.0-7.6

azul

Fenolftaleína

incolor

8.2-10.0

rosa-carmim

Timolftaleína

incolor

9.4-10.6

azul

Verde de bromocresol

amarelo

3.8-5.4

azul

Vermelho de bromofenol

amarelo

5.2-7.0

púrpura

A fenolftaleína é, em geral, encontrada na forma de uma solução alcoólica. Neste caso, basta adicionar 1 gota da solução alcoólica de fenolftaleína com 1 gota da solução de pH desconhecido numa placa de toque para verificar a faixa de pH. Uma forma alternativa de conduzir este ensaio é utilizando um pequeno pedação de papel de filtro. Adicione no papel 1 gota da solução alcoólica de fenolftaleína com 1 gota da solução de pH desconhecido e observe a alteração de cor.

Outro indicador muito comum nos laboratórios é o tornassol. Normalmente, no lugar de uma solução, temos uma fita de papel apropriadamente preparado com este indicador. Esta fita é conhecida como papel de tornassol. Em geral apresentada de duas formas: azul e vermelha. O papel de tornassol vermelho fica azul em meio básico (em meio ácido permanece vermelho), e o papel de tornassol azul fica vermelho em meio ácido (em meio básico permanece azul). Para usar a fita basta colocá-la na solução de pH desconhecido, imediatamente ocorre uma mudança de cor na fita indicando a faixa de pH da solução.

Outro tipo é o papel indicador, chamado de papel indicador universal, é preparado com uma mistura de indicadores, capaz de indicar o pH aproximado de uma solução. Este papel apresenta diferentes cores em função do pH. Para fazer o teste devemos colocar a extremidade da tira na solução e observar a mudança de cor do papel. Junto com as tiras na caixa do produto existe um gabarito relacionando a cor do papel com o pH da solução.

Temos também nos laboratórios um papel indicado universal dividido em 4 partes, cada qual com um ou mais indicadores diferentes. Após o papel ser colocado na solução (tomando o cuidado para que todas as partes entre em contato com a solução) cada parte do papel assume uma cor diferente. Da combinação de cores apresentada no papel, por meio de uma cartela de cores usada como gabarito, pode-se determinar o pH da solução. Em geral, estes indicadores permitem determinar o pH dentro de uma faixa com tamanho de uma unidade de pH.

Também é bastante comum usarmos no laboratório um pH-metro para medir o pH.

Tabela :pH (T=20oC)

equipe

pH

1

5

2

5

3

5

4

5

5

5

6

5

média

5

Desvio padrão

0

Acidez, Alcalinidade & pH

Entretanto é bom lembrar que pH é diferente de alcalinidade ou acidez!

É importante diferenciar o significado químico da alcalinidade e do pH como indicadores das propriedades ácido-base de uma solução. O pH pode ser considerado um fator de intensidade indicando a concentração de um ácido ou uma base imediatamente disponível para uma reação de neutralização. Enquanto que a alcalinidade é um fator de capacidade que indica a capacidade de uma amostra de água em sustentar a reação com um ácido ou base adicionada. Em resumo, a alcalinidade representa a capacidade “tamponante” do meio. Algo semelhante podemos dizer para a acidez.