Grupo de pesquisa da UNIFAL-MG mapeia genoma de abelhas nativas sem ferrão; estudo, que integra pesquisa internacional, aponta variação da capacidade reprodutiva da espécie

Uma sociedade que funciona em harmonia, na qual todos os integrantes cumprem suas responsabilidades e contribuem para manter o sistema organizado. O espírito colaborativo é a chave para o sucesso do complexo processo produtivo, cujo papel é, nada mais nada menos, que a manutenção do equilíbrio dos ecossistemas naturais. Este breve relato é sobre a organização de uma colmeia. O mistério do comportamento das abelhas, bem como sua contribuição para a vida, chama a atenção de pesquisadores no mundo todo. Na UNIFAL-MG, o grupo de pesquisa Biologia da Socialidade tem atuado ativamente em um estudo internacional para identificar o genoma de abelhas nativas sem ferrão, projeto que recentemente ganhou repercussão em uma revista científica de grande impacto na área.

Conforme o professor Angel Roberto Barchuk, do Departamento de Biologia Celular e do Desenvolvimento, vinculado ao Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da UNIFAL-MG, coordenador do grupo de pesquisa, as atividades que terminaram na publicação do artigo científico sobre os genomas das abelhas sem ferrão, iniciaram em 2014 com a aprovação do projeto “Sequenciamento e análise do genoma de Frieseomelitta varia: em busca de assinaturas moleculares da evolução das abelhas e inserção do Brasil no Consórcio Internacional i5K” pelo CNPq.

“O projeto foi idealizado por membros do grupo de pesquisa sobre abelhas que envolve pesquisadores de São Paulo, Minas Gerais e Paraná. Foi desenvolvido por alunos de graduação e pós-graduação, técnicos e professores e pesquisadores das respectivas instituições e demandou trabalho de laboratório, análises computacionais resultantes do protocolo de sequenciamento e inúmeras reuniões presenciais e on-line”, conta professor Barchuk, informando que o grupo de trabalho incluiu 31 pesquisadores de diversas instituições de ensino superior públicas do Brasil.

Para desenvolver o estudo, os pesquisadores tiveram que identificar o sequenciamento dos genomas nuclear e mitocondrial do DNA da abelha de espécie Frieseomelitta varia, conhecida no Brasil como “marmelada amarela”. “Esse tipo de sequenciamento, que é automático, resulta em centos de milhões de fragmentos desconexos de letras do DNA (A, T, C, G), que tem que ser montados em unidades funcionais, correspondentes aos cromossomos, isto é, determinar, nesse ‘mar’ de letras do genoma, onde se encontram aquelas letras que formam palavras que definem características destas abelhas”, explica o pesquisador.

Entre as análises computacionais realizadas foram anotados os genes do desenvolvimento, genes neurogênicos e os genes que codificam para reguladores do genoma, como os fatores de transcrição e os microRNAs, que em outras palavras, são aqueles genes que determinam como o genoma é usado para a formação de órgãos da abelha, como por exemplo, o cérebro.

Os achados revelam, entre outros aspectos, que a espécie apresenta grande capacidade para permitir variações fenotípicas (características observáveis ou caracteres de um organismo) passíveis de sofrer evolução e também alto grau de conservação relacionado ao comportamento de estocagem de pólen, que segundo Prof. Barchuk, é um comportamento que se encontra também no genoma da espécie Apis mellifera, sugerindo surgimento há pelo menos 80 milhões de anos.

Segundo a professora Flávia Freitas, membro do grupo de pesquisa da UNIFAL-MG, o estudo aponta que as abelhas têm capacidade de variação reprodutiva, o que futuramente, poderá ajudar a compreender as adaptações que levaram à evolução dessas variações. “As fêmeas de abelhas nativas sem ferrão apresentam uma variedade de capacidades reprodutivas, desde operárias que participam ativamente da produção de machos (como nas “mandaçaias”) até operárias permanentemente estéreis (como nas F. varia). Análises comparativas dos genomas destas diferentes abelhas fornecerão no futuro elementos para a compreensão das adaptações que permitiram a evolução destas variações e, consequentemente, da alta organização social dos ninhos destas abelhas”, afirma.

As abelhas do gênero Frieseomelitta (Hymenoptera: Apidae) são representantes nativas sem ferrão, que em um grupo de 16 espécies, podem ser encontradas desde o Sudeste do Brasil até o México. “São abelhas que formam organizações altamente sociais em ninhos em forma de cacho de uva, onde convivem rainha, zangões e operárias. Estas últimas realizam quase todas as atividades para manter a colônia. As operárias não possuem capacidade reprodutiva, mesmo na ausência de rainha na colônia. Estas abelhas produzem um mel viscoso muito saboroso”, detalha.

Contribuição para o projeto mundial BioGenoma da Terra

O grupo responsável pelo sequenciamento do genoma da espécie faz parte do Consórcio Internacional i5K, que por sua vez, com os avanços em tecnologias de sequenciamento, informática e inteligência artificial dos últimos anos, passou a integrar a iniciativa Projeto BioGenoma da Terra, o qual tem por objetivo sequenciar todas as espécies de plantas, animais, protozoários, fungos e outros micro-organismos.

“O Consórcio Internacional i5K envolveu inicialmente aproximadamente 610 pesquisadores de 179 instituições de 25 países. Entre as metas do Consórcio Internacional i5K foram o sequenciamento dos genomas de 5.000 espécies de insetos e outros artrópodes, o desenvolvimento de estratégias para o uso sustentável destes organismos, normas para gestão e conservação da fauna entomológica e produção e divulgação do conhecimento científico”, detalha Prof. Barchuk.

Prof. Barchuk acredita que com a divulgação dos resultados do sequenciamento dos genomas de Frieseomelitta varia, o grupo da UNIFAL-MG está colaborando para o cumprimento dos objetivos do Consórcio. “Qualquer pesquisa, em qualquer parte do mundo, que necessite abordar as bases moleculares que determinam o desenvolvimento de indivíduos da espécie, do comportamento ou de aspectos aplicados de sua biologia, como produção de mel, resistência a agentes externos, capacidade de polinização, entre outros, será facilitada pela disponibilidade gratuita das informações contidas nos genomas publicados e das inferências já elaboradas a partir de sua análise”, comenta a respeito da publicação.

A pesquisadora da Universidade, Profa. Lívia Moda, e a pesquisadora Joseana Vieira, ex-discente do Programa de Pós-Graduação em Biociências Aplicadas à Saúde, relataram a satisfação de poder participar de um estudo desse porte.

A importância das abelhas nativas sem ferrão

Prof. Angel Roberto Barchuk

A importância da abelhas nativas reside fundamentalmente em sua capacidade de polinizar. Esta ação contribui para o equilíbrio dos ecossistemas naturais, pois a maioria das plantas só pode produzir frutos e sementes quando são polinizadas.

As abelhas também polinizam mais de 90% das espécies em áreas de campos com gramíneas. A ação dos polinizadores é fundamental ainda na produção agrícola. Muitas plantas de interesse econômico são polinizadas por abelhas nativas sem ferrão, como goiaba, berinjela, pimenta, abóbora, morango, pimentão, tomate, guaraná, girassol, urucum, açaí, e cajá.

A polinização por abelhas se torna muito mais evidente se considerarmos as projeções do aumento da população humana para 9 bilhões até 2050, já que a demanda por alimentos crescerá propocionalmente e a produtividade dos alimentos está diretamente relacionada com a existência de abelhas.

Por outro lado, e não menos importante, as abelhas sem ferrão podem ser manejadas com muito maior tranquilidade, já que são muito menos agressivas que as abelhas exóticas Apis mellifera, que possuem ferrão. Isto permite também que as abelhas sem ferrão sejam utilizadas em atividades educativas, principalmente em relação à educação ambiental.

Grupo de pesquisa Biologia da Socialidade

O grupo de pesquisa Biologia da Socialidade possui um Meliponário Experimental Piloto, na sede da UNIFAL-MG em Alfenas, e um Apiário Experimental, em um espaço cedido pelo Prof. Antônio Martins de Siqueira, na Fazenda da Lagoa, também em Alfenas. No marco de um Convênio de Cooperação, mantém também um Meliponário Experimental no IFSULDEMINAS, campus Poços de Caldas. Ambos meliponários são usados para pesquisa e para o desenvolvimento de ações educativas.

“Fiquei muito grata de poder contribuir com o projeto genoma de uma abelha nativa brasileira. Desde o início da vida científica, quem está na área de Biologia molecular/genômica, sonha em poder participar de um projeto grande e de enorme contribuição para a ciência. Os estudos moleculares são muito importantes para entender a biologia de um organismo e com certeza a anotação desse genoma abre portas para outros trabalhos. Sempre no caminho de um melhor entendimento da nossa biodiversidade, que é enorme”, diz professora Lívia.

“A participação no projeto me permitiu desenvolver habilidades e competências que contribuíram para meu crescimento profissional e para o desenvolvimento de minhas pesquisas relativas a meu Doutorado em Neurociências e Comportamento, do Programa de Pós-Graduação em Biociências Aplicadas à Saúde, da UNIFAL-MG”, afirma Joseana.

O resultado dos estudos, divulgado no início de junho, pode ser conferido no artigo publicado pelo Jornal BMC Genomics “The nuclear and mitochondrial genomes of Frieseomelitta varia – a highly eusocial stingless bee (Meliponini) with a permanently sterile worker caste”.

Fotos: grupo de pesquisa Biologia da Socialidade