Alfenas: pressões cruzadas no enfrentamento da pandemia de COVID-19

Sexta-feira, 17 de abril de 2020

Introdução: Alfenas

Alfenas é um município do sul do estado de Minas Gerais, pertencente à Mesorregião do Sul e Sudoeste de Minas Gerais, cuja população estimada é de 79.996 habitantes segundo dados do Instituto Brasileiro de Geográfica e Estatística (IBGE)2 de 2019. Segundo dados do censo de 2010, o IDHM aumentou nos últimos 20 anos, alcançando 0,76, considerado médio. O município apresenta bons indicadores de mortalidade infantil (14,03 óbitos por mil nascidos vivos) e de escolaridade (taxa de escolarização de 97,8% em crianças que se encontram na faixa etária entre os 6 e 14 anos).

A economia da cidade gira em torno do agronegócio, sobretudo a cultura de café. A cidade possui um parque industrial e um setor de comércio e serviços como importantes fontes de renda. O PIB per capita, considerando o ano de 2017, é de R$ 33.422,98, sendo o mais alto da microrregião. Apesar do alto valor do PIB per capita, outros dados indicam uma alta desigualdade social. O munícipio apresenta apenas 28,5% da população ocupada, sendo o salário médio mensal de 2,5 salários mínimos para os empregos formais. O percentual da população que recebe até meio salário mínimo é de 31,5%3 .

A atual administração da cidade está a cargo do prefeito Luiz Antônio da Silva, conhecido como Luizinho, eleito em 2016 pelo Partido dos Trabalhadores (PT), podendo se candidatar à reeleição em 2020. Ele já esteve à frente do Poder Executivo de Alfenas entre os anos de 2010 e 2013, além de ter sido vereador e secretário municipal.

Evolução da COVID-19 em Alfenas

Segundo dados da Secretaria Estadual de Saúde de Minas Gerais (SES-MG), até o dia 14 de abril de 2020, o município de Alfenas apresentou 193 notificações sendo 186 casos suspeitos, um caso confirmado, seis descartados e nenhum óbito por COVID-19. A primeira notificação de COVID-19 em Alfenas se deu no dia 02 de março. Os maiores registros de notificação ocorreram entre os dias 23 e 28 de março, em que foram notificados 99 casos. O dia 30 março apresentou 25 casos notificados.

O enfrentamento à Pandemia em Alfenas

A primeira medida adotada pelo Poder Executivo de Alfenas relacionada à epidemia do COVID 19 se deu através do Decreto Municipal 2522, publicado no dia 17 de março de 2020, seis dias após a OMS decretar o estado de pandemia. Para se entender a gravidade e o quadro gerado pela COVID-19 sobre a administração pública do munícipio de Alfenas, pode-se observar a alteração da edição de Decretos Municipais. Durante os meses de janeiro e fevereiro foram editados dez Decretos Municipais em cada mês, totalizando 20. Em março, o número de decretos dobra: foram editados 20 decretos, sendo que 13 destes têm como tema a COVID-19. No mês de abril, até o dia 14, já foram editados 07 decretos municipais, sendo que todos abordam a COVID-19.
O primeiro Decreto Municipal declara situação de emergência em saúde no município de Alfenas. O decreto dispensa a licitação para aquisição de serviços e insumos de saúde; recomenda o isolamento social de indivíduos que apresentem sintomas respiratórios, idosos e pessoas com doenças crônicas; cancela e adia eventos públicos de massa; proíbe viagens e excursões para compras fora do município; recomenda a adoção de medidas de higienização em locais de grande circulação de pessoas (comércio); determina que bares, lanchonetes e restaurantes adotem medias de prevenção e de higienização; suspende, por tempo indeterminado, as atividades nas instituições de ensino público e privado; institui protocolo de atendimento aos casos suspeitos de COVID-19 na atenção primária; suspende por sessenta dias as férias dos profissionais da saúde; institui Gabinete de Enfrentamento ao COVID-19; destina recursos do Fundo Municipal e do Orçamento para o enfrentamento da pandemia; determina a continuidade da oferta da merenda escolar para garantir a segurança alimentar das crianças; determina que as concessionárias de serviços essenciais (fornecimento de água potável e energia elétrica) fiquem proibidas de interromper a prestação de serviço até o fim da pandemia.

O Decreto Municipal 2527 ratifica especificando mais detalhadamente alguns artigos do decreto anterior, mas sem apresentar nenhuma mudança substancial. O Decreto Municipal 2529 de 18 de março determina o bloqueio de atendimento presencial nas agências bancárias, estipulando que os bancos façam uma escala para atendimento presencial. Ademais, determina que os bancos ofereçam formas para os clientes higienizarem as mãos. Outros dois Decretos Municipais (2534 e 2547), publicados em 25 de março e no dia 13 de abril dispõem sobre o funcionamento da rede bancária, loterias e correspondentes bancários. Os decretos determinam o atendimento pessoal prioritário para o atendimento de programas sociais, tais como saques do INSS, Seguro Desemprego, FGTS, PRONAF, etc. Os bancos deverão adotar regras para evitar a aglomeração de pessoas em suas agências. O Decreto ainda disciplina o funcionamento de lotéricas como a necessidade de distanciamento de segurança nas filas, e suspende a atividade de estabelecimentos que funcionam como correspondentes bancários.

O decreto 2530 suspende, entre o período de 21 a 31 de março, todos os alvarás de funcionamento de academias de ginástica e similares, cinemas, clubes de lazer, salões de festas, teatros e casas de show e detalha com maior rigor as medidas de higiene a serem adotadas por bares, restaurantes e lanchonetes. Também estipula o aumento da distância entre as mesas nestes estabelecimentos, a fim de evitar aglomerações.

O Decreto 2531 pode ser classificado como o mais duro em termos de restrição ao funcionamento do comércio, visando diminuir a circulação de pessoal e promover o isolamento social. O Decreto ratifica o decreto anterior e amplia a suspensão das atividades comerciais que não tinham sido alcançadas (comércio ambulante, clínicas de estética, salões de beleza e estabelecimentos afins). Estipula multa para quem promover festas familiares ou em repúblicas estudantis. O Decreto também proíbe a realização presencial de cultos religiosos estipulando multa para quem descumprir. O decreto não alcança estabelecimentos comerciais que vendam fármacos e nem alimentos, tais como supermercados, mercados, açougues, etc. Contudo, disciplina o funcionamento destes com o objetivo de evitar aglomerações e impondo normas de higiene para funcionários e clientes. Estabelece que bares, restaurantes e lanchonetes só poderão vender alimentos para que o cliente consuma fora do estabelecimento na forma de retirada ou entrega (delivery), estipula a redução da circulação da frota de ônibus em 50%, e a restringe às principais vias públicas. Fecha alguns acessos de entrada à cidade para controlar o fluxo de entrada de pessoas no município. Determina que idosos que estejam na rua, sem uma justificativa plausível, sejam conduzidos para sua residência pela Guarda Municipal ou pela Política Militar. Estipula regras para o funcionamento de velórios e suspende por sessenta dias as férias de todos os servidores lotados na Secretária Municipal de Saúde. O decreto ainda determina que hipermercados, supermercados e mercearias deverão fechar aos domingos. Estipula a cassação imediata do alvará de funcionamento do estabelecimento que majorar o preço de seus produtos sem uma justificativa.

Em relação à segurança alimentar da população que se encontra em vulnerabilidade social, além do Decreto 2522, o Decreto 2532 altera o segundo artigo do Decreto 2527, incluindo a dispensa de realização de licitação para a aquisição de bens e serviços que possam garantir a segurança alimentar da população. O Decreto Municipal 2539 de 01 de abril regulamenta o acesso de pessoas ao Bônus Social instituído pela Lei Municipal 4855/19. A lei estipula ajuda financeira em situações de emergência, calamidade pública ou necessidade premente visando garantir a segurança alimentar e a dignidade da pessoa humana.

O Decreto Municipal 2533 disciplina o funcionamento dos estabelecimentos comerciais que não foram afetados pelos decretos anteriores, principalmente no manejo de funcionários e colaboradores que vierem a apresentar sintomas ou pertencerem ao grupo de risco. O Decreto Municipal 2535 especifica o funcionamento dos cultos religiosos e o regulamenta limitando o número de viagens realizadas pela balsa.

O Decreto Municipal 2541 de 06 de abril flexibiliza o funcionamento de mercados ao domingo com horário de expediente das 9h às 13, e autoriza a abertura dos mesmos no dia 10 de abril, em razão do feriado da Sexta-feira da Paixão como expediente normal. Outro Decreto que flexibiliza o funcionamento do comércio é o Decreto Municipal 2542 de 07 de abril. O decreto dispõe sobre novos prazos e proibições de funcionamento dos estabelecimentos comerciais, novas regras para o recebimento de contas e atendimentos individuais restritos. O Decreto prorroga por tempo indeterminado a suspensão de todos os alvarás de estabelecimentos comerciais e de prestação de serviços, alcançados pelo Decreto 2531 (21/03/2020). Contudo, estipula a abertura de pequenos comércios em horário restrito e com atendimento individual para o recebimento de contas e/ou parcelamentos. Tal medida foi adotada em resposta às pressões que a prefeitura estava recebendo dos comerciantes do município, fato que abordaremos adiante. O fato é que cidades do interior ainda guardam determinadas práticas baseadas na confiança. Ainda existem pequenos comércios que vendem a prazo de forma informal (venda fiada), além de existirem crediários, etc. Esta foi a forma que a prefeitura encontrou para fazer com que pequenos comerciantes tivessem acesso a renda.

No dia 09 de abril, o Decreto Municipal 2545 interdita a Praça Getúlio Vargas, principal praça da cidade, utilizada para encontros e atividades de lazer. Ademais, o decreto suspende a gratuidade do transporte público, visando diminuir a circulação de idosos. O decreto 2546 de 09 de abril altera o Decreto 2541, limitando o horário de funcionamento dos Mercados, Supermercados e Hipermercados.

Em termos de aparelhos públicos para enfrentar a pandemia de COVID-19, Alfenas conta com três hospitais credenciados pela rede pública. A cidade conta com 47 leitos de UTI’s adultas com respiradores e equipes técnicas.

Efeito Bolsonaro

No dia 24 de março, o Presidente Jair Bolsonaro (sem partido), em pronunciamento em cadeia nacional de rádio e TV, questionou as medidas de isolamento social horizontal adotadas por vários governadores e prefeitos e minimizou a gravidade da doença, chamando-a de uma “gripezinha”. Em um município como Alfenas, que apoiou em peso a eleição de Jair Messias Bolsonaro, dando-lhe 68,31% dos votos4 , a fala do presidente pode gerar pressões sobre o poder público municipal? Como o poder público reagiu diante de tais pressões?

O fato é que as falas de Bolsonaro ressoaram em toda região do sul de Minas. Várias carreatas aconteceram no dia 28 de março – verdade que muitas delas esvaziadas, reivindicando a reabertura do comércio. Em Alfenas, um comunicado disseminado nas redes sociais trazia os dizeres: “Atenção comerciante, amanhã às 14h na porta da Prefeitura. Prefeito, nós precisamos trabalhar”. Posteriormente a Associação Comercial e Industrial de Alfenas (ACIA) se manifestou sobre a situação através de nota.

Não se pode imputar uma causalidade direta entre a mobilização dos comerciantes alfenenses e flexibilização de algumas medidas adotas em relação ao funcionamento do comércio. A questão é que após a mobilização, os Decretos Municipais 2541 e 2542 foram publicados, e os mesmos implicaram em alguma flexibilização do funcionamento do comércio. Outro ponto a ser salientado, e que pode ter tido efeito sobre a flexibilização, é o fato de Alfenas apresentar apenas um único caso confirmado de COVID-19 até o dia 14 de abril.

Diante das pressões cruzadas, que envolvem por um lado a necessidade de se combater a pandemia, com recomendações que vem desde de órgãos internacionais como a OMS, e os órgãos e instituições públicas no Brasil tais como o Ministério da Saúde, Secretaria Estadual de Saúde e Ministério Público Estadual e Universidades que advogam para que ocorra uma diminuição na circulação de pessoas e que se estimule o isolamento social horizontal e, por outro lado, a pressão dos comerciantes insatisfeitos com a perda de suas rendas, clamando pela reabertura do comércio, pode-se dizer que o Poder Executivo Alfenense vem apresentado boas medidas de combate ao COVID-19.

Entender a dinâmica da pandemia de COVID-19 em Alfenas e as medidas de enfrentamento adotadas pelo poder público é de suma importância para compreender os limites e as capacidades do sistema de saúde público em uma pequena cidade do interior de Minas Gerais. A proximidade da cidade ao estado de São Paulo – que apresenta um grande número de casos – o fato da cidade abrigar uma população flutuante de estudantes em decorrência das universidades que abriga, e de possuir uma unidade prisional, são aspectos que tornam mais complexo o enfrentamento da pandemia no município.

Em meio a esta crise mundial, as Universidades, sobretudo a Universidade Federal de Alfenas (UNIFAL-MG) e a UNIFENAS, universidades que apresentam vocação e tradição na área da saúde, podem ser mobilizadas como aliadas no combate à COVID 19. Para ilustrar, o Hospital Universitário Alzira Velano é vinculado a UNIFENAS e está credenciado junto ao Sistema Único de Saúde (SUS). Por outro lado, a Unidade prisional pode ser um barril de pólvora prestes a explodir devido aos problemas históricos de superlotação, que atingem há anos o sistema prisional brasileiro, e que não é diferente em Alfenas.

1O autor agradece a aluna do curso de Ciências Sociais da UNIFAL-MG Roseara Rodrigues o levantamento de alguns dados e a Paula Lucchesi por uma leitura prévia do documento.
2Todos os dados econômicos, demográficos e sociais utilizados foram obtidos em https://cidades.ibge.gov.br/brasil/mg/alfenas/panorama. Acessado em 09 de abril de 2020. A população registrada no Censo de 2010 foi de 73.774 habitantes.
3http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/ibge/censo/cnv/ginimg.def. Acessado em 14/04/2020.
4https://especiais.gazetadopovo.com.br/eleicoes/2018/resultados/municipios-minas-gerais/alfenas-mg/presidente/. Acessado em 14 de abril de 2020.

Artigo originalmente divulgado no dia 16 de abril de 2020, no portal do Núcleo de Estudos sobre Política Local, link: https://nepolufjf.wordpress.com/2020/04/16/alfenas-pressoes-cruzadas-no-enfrentamento-da-pandemia-de-covid-19%c2%b9/

__________________________________________

Autor: Thiago Rodrigues Silame
Professor do Instituto de Ciências Humanas e Letras