As jornadas de junho de 2013 – repercussões na formação social e política de militantes e ativistas 10 anos depois

Josefa Alexandrina da Silva
Luís Antonio Groppo

As Jornadas de 2013 continuam controversas, tanto em suas interpretações quanto na avaliação de seu legado, naquele que foi o “maior protesto de massa da história brasileira”, tendo reunido, a depender das avaliações, “entre 10 e 15 milhões de manifestantes em mais de 500 cidades”. (ARANTES, 2014, p. 378). 


Em 2013, com predomínio de jovens, uma onda de manifestações toma as ruas e inaugura novas formas de ação coletiva marcadas por autonomia frente aos partidos políticos e sindicatos e rejeição de lideranças verticalizadas e centralizadoras, constituindo organizações mais abertas e horizontais.

Suscita-se entre pesquisadoras e pesquisadores diferentes pontos de análise, que consideram o formato das práticas organizativas ora como reflexo das lutas internacionais e avanço das comunicações pelas redes sociais, ora como rejeição do processo de institucionalização da esquerda, ou ainda indignação frente às contradições sociais geradas pelo neodesenvolvimentismo que reduziu a qualidade de vida da população das grandes cidades, com transporte caro e crescimento do trabalho precário. 

Entretanto, entre as análises acadêmicas não tem feito muito sucesso o tema da educação, seja em seu sentido restrito (escolar), ou em seu sentido ampliado (incluindo a formação política de modo informal e não formal) no intuito de entender os significados que os jovens dão a sua experiência de participação política.

A pesquisa “Dimensões Educacionais das Jornadas de 2013: Pautas educacionais, experiências escolares e formação política dos jovens em protesto” se estruturou, sob a coordenação do Prof. Dr. Luís Antonio Groppo, com uma equipe de 20 pesquisadores composta por docentes da UNIFAL-MG, discentes do Programa de Pós-Graduação em Educação e bolsistas de Iniciação Científica. Além disso, participam da pesquisa docentes  de outras instituições de ensino superior do país, como a Universidade Federal do Pará (UFPA), Universidade Estadual de Minas Gerais (UEMG), Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) e Universidade Vale dos Sinos (UNISINOS).

O objetivo da pesquisa é compreender a relação das Jornadas com as demandas educacionais, com as experiências escolares de jovens ativistas e militantes, bem como as dimensões formativas dos protestos – ou seja, a formação social e política de jovens suscitada pela participação nas Jornadas de 2013. Para construir tais conhecimentos, a pesquisa pretende dialogar com militantes e ativistas de organizações políticas e movimentos sociais engajados nos protestos de 2013, que eram estudantes do ensino médio, cursinhos pré-universitários ou da educação superior.

A primeira etapa da pesquisa consistiu na divisão do levantamento bibliográfico de 142 produtos que tematizam as jornadas. Tais produtos foram divididos em 5 blocos temáticos: educação, juventude e estudantes, identidade e subjetivação; Coletivos e experiências ativistas/militantes; redes sociais e mídias; análises gerais relevantes e outros. A leitura e documentação dos produtos evidenciou que na primeira fase dos protestos a pauta principal era contra o aumento das tarifas do transporte público, denúncia das grandes obras para eventos esportivos. Na fase de expansão das manifestações a educação aparece como pauta, no entanto, de forma genérica e expressa em cartazes improvisados de cartolina. É sob a perspectiva da educação não formal e informal que as práticas educativas se expressam, seja pelo diálogo e convivência com o diferente sobre os problemas urbanos e o agir coletivo, seja pelo trabalho de base do MPL, ou ainda pelas redes sociais que ressaltam a importância da horizontalidade como princípio educativo. Destaca-se também o caráter ambíguo das manifestações, como afirmou PINHEIRO-MACHADO (2019) – capaz de abraçar expressões mais diversas, reunidas de forma contraditória do ponto de vista da tradicional divisão “esquerda versus direita”.  Dessa etapa da pesquisa, foi produzido o artigo “Jornadas de Junho de 2013 e repertórios de contestação: do autonomismo à ambiguidade” publicado no livro Movimentos Sociais e Autonomias: Imaginação, experiências e teorias na América Latina. Além disso, foi realizada uma comunicação na 15ª. reunião da ANPed Sudeste.

A segunda etapa da pesquisa consistiu na realização de 16 entrevistas semiestruturadas com pesquisadoras e pesquisadores e tinha o objetivo de suprir algumas lacunas já identificadas a partir da pesquisa bibliográfica sobre as dimensões educacionais das Jornadas, considerando que a reflexão provocada nesses sujeitos poderá trazer importantes elementos para a continuidade da investigação. Para isso, membros da equipe se deslocaram para as cidades de São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Goiânia, Brasília e Porto Alegre. Tais viagens oportunizaram aos pesquisadores e bolsistas contato com outras centros de produção do conhecimento e enriquecimento cultural com realização de visitas técnicas aos locais onde ocorreram as manifestações.

A análise do material produzido nessa etapa da pesquisa se encontra na fase inicial e tratam de uma interpretação geral das Jornadas, os processos de formação política, as trajetórias educacionais e políticas, bem como os desdobramentos no cenário social e político do país. Os resultados dessa etapa da pesquisa serão apresentados no 21º Congresso Brasileiro de Sociologia em Belém-PA.

Na terceira fase da pesquisa serão feitas entrevistas semiestruturadas com ativistas e militantes de coletivos e organizações que atuaram nas Jornadas nos Estados de Minas Gerais, São Paulo, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Goiás, Pará e Ceará. Tematizaremos nas entrevistas suas leituras e interpretações, processos de formação política e as trajetórias educacionais e políticas. As entrevistas têm o potencial de revelar elementos que ajudam a compreender melhor os sentidos da formação política entre as pessoas que participaram das Jornadas; ou seja, responder as perguntas: teria havido uma bifurcação nas juventudes, constituindo unidades de geração jovens mais progressistas e outras que aderiram à extrema-direita? Ou há um sentido unívoco nas Jornadas que, como herança, deixou apenas o caminho aberto para a vitória da extrema-direita nas eleições de 2018 e a penetração de seus valores no tecido social brasileiro?

Em que pese o caráter ambíguo das jornadas de 2013, foi um movimento que abriu uma nova página na história da política brasileira. Compreender suas  repercussões na formação política e social da juventude é uma forma de compreender o Brasil.

 

Josefa Alexandrina da Silva é bacharela e licenciada em Ciências Sociais, mestra e doutora em Educação, com experiência na área de Sociologia com ênfase em educação e juventude, atuando principalmente nos seguintes temas: políticas curriculares, formação de professores, metodologia de ensino, e processos de formação da juventude. Atuou como professora substituta de Práticas em Educação; Ensino de Ciências Sociais; Laboratório de Ensino de Sociologia e Relações Étnico-Raciais no curso de Ciências Sociais da UNIFAL-MG. Integra a Direção Nacional da Associação Brasileira de Ensino de Ciências Sociais (ABECS) gestão 2022-24, o Grupo de Estudos de Juventude da UNIFAL-MG e colabora para a Pesquisa Dimensões educacionais das Jornadas de 2013: Pautas educacionais, experiências escolares e formação política de jovens em protesto.

Luís Antonio Groppo é pesquisador do CNPq, sociólogo, mestre e doutor em Sociologia. Professor do Instituto de Ciências Humanas e Letras (ICHL) da UNIFAL-MG, atuando na área de Sociologia da Educação e Sociologia da Juventude, assim como na área de História dos movimentos estudantis, com especial interesse nos temas juventude, movimento estudantil, sociologia da educação, educação não formal, educação sociocomunitária e práticas socioeducativas. Foi coordenador do Grupo de Trabalho 03 – Movimentos sociais, sujeitos e processos educativos da Associação Nacional de Pós-graduação e Pesquisa em Educação (ANPEd) no mandato 2020-2021 e membro da Câmara de Ciências Humanas, Sociais e Educação da FAPEMIG (Fundação de Amparo à Pesquisa de Minas Gerais) no mandato 2021-2022.