Segundo a Associação Brasileira da Indústria de Chocolates, Amendoim e Balas (Abicab), o Brasil se tornou, em 2022, o 7° maior produtor e exportador de cacau e seus derivados no mundo. O consumo de chocolate no país também se destaca, mostrando a relevância do produto no coração do brasileiro. No dia 7 de julho, celebra-se o Dia do Chocolate e, para comemorar a data, a Diretoria de Comunicação Social realizou entrevista com Patrícia Lunardelli, criadora da marca “Embrigadeire-se”. A profissional é egressa do curso de Farmácia. Possui mestrado e doutorado em Ciências Farmacêuticas e atua como servidora na Faculdade de Ciências Farmacêuticas desde 2009. Aventure-se pela jornada de Patrícia com o chocolate:
No dia 7 de julho, celebra-se o Dia do Chocolate. Conte um pouco da sua trajetória com esse alimento querido em todo o mundo, Patrícia!
O chocolate sempre fez parte da minha vida. Lembro de criança recebendo ovos de chocolate e celebrando a Páscoa em família, recordo de fotos de bebê lambuzada de chocolate junto com minhas irmãs e primas. Em casa somos muito ‘formigas’ e adoramos um docinho, principalmente se o chocolate fizer parte da receita! Mas foi em 2019 que comecei a me profissionalizar e estudar mais sobre esse alimento, e naturalmente me apaixonei ainda mais pelo que ele é, e pelo quanto ele consegue alargar sorrisos e proporcionar felicidade e bem estar por onde passa. Eu comemoro o dia 7 de julho todos os dias sempre com um bom chocolate.
Empreender é desafiador e todo dia aprendemos a ir além em algum tópico, e com certeza ter vivenciado a experiência que a Nidustec proporcionou foi excepcional.
Como você iniciou na produção de produtos confeccionados com chocolate?
Profissionalmente falando, tudo começou em 2019, quando resolvi fazer um intercâmbio para a Austrália e queria levantar um dinheiro extra para a viagem. Até então eu só sabia comer chocolate, mas precisava aprender a trabalhar com ele. Na época busquei cursos em Alfenas, mas era fevereiro ainda e não tinha nada. Como a Páscoa seria em abril, ia demorar para ter oferta de qualquer curso nas lojas de produtos de confeitaria. Aí lembrei de um estudante de matemática da UNIFAL-MG que conheci na época da faculdade. Ele já tinha se formado. Criei coragem e mandei mensagem para ele, explicando minha situação e torcendo pela disponibilidade em me ensinar a fazer ovos, temperar chocolate, etc. A gente mal se conhecia, mas ele foi super prestativo e generoso. Joelson Rolino me recebeu em seu ateliê e ensinou tudo e mais um pouco! Hoje somos grandes amigos e ele continua sendo meu mestre! Sem a generosidade dele, talvez a história teria sido diferente.
Na época chamei uma aluna da farmácia para me ajudar, pois só assim conseguiria conciliar com o serviço na UNIFAL-MG. A Maria Bárbara já vendia brigadeiro e eu adorava! Depois de fazer o curso com Joelson em Nepomuceno, tudo o que aprendi com ele eu repassei para Maria Bárbara, para juntas iniciarmos a aventura! A ideia inicial era fazer a Páscoa e só! E eu sabia da força dos meus concorrentes, afinal eu sou amante do chocolate e sempre comprei chocolate e doces de qualidade. Isso fez com que eu quisesse dar uma identidade para o trabalho e fazê-lo de modo diferente! Fiquei pensando em nomes até que veio Embrigadeire-se, que não existia na base do INPI. Eu havia concluído o doutorado fazia pouco tempo e, na oportunidade, cursei uma disciplina sobre propriedade intelectual. Isso contribuiu para que eu conseguisse registrar a marca e desse a identidade ao trabalho na confeitaria.
Nossa páscoa foi bem-sucedida, batemos a meta e superamos as expectativas, e continuamos a ter procura pelo nosso trabalho. Isso nos incentivou a iniciar o curso de empreendedorismo com a Pré-Incubação de empresas da Nidustec UNIFAL-MG. Juntas, eu e Maria Bárbara abraçamos o curso do empreendedorismo. Foram alguns meses e a Embrigadeire-se teve destaque frente às demais empresas incubadas. Foi muito especial e importante esse reconhecimento. Estávamos muito animadas! Mas Maria precisava sair para fazer estágio como requisito para concluir o curso e eu tinha um intercâmbio a caminho. Não foi fácil. Mas como tudo aquilo só estava acontecendo porque antes eu havia feito a escolha do intercâmbio, por força maior, a confeitaria precisou fazer uma pausa. Maria precisava se formar e eu precisava viajar. Até a data do intercâmbio acontecer eu aproveitei para fazer muitos cursos na área de chocolataria e confeitaria, participar de feiras e buscar cursos e eventos internacionais para aprimorar o inglês e aprender mais sobre chocolate. Eu havia me encontrado nesse mundo e por isso tudo fluía, mesmo diante de tantos desafios.
Quando retornei da Austrália em março/2020 (fiquei 4 meses lá), o boom da pandemia estourou em questão de uma semana após minha chegada. E o lado bom foi que eu pude fazer inúmeros cursos pelo Brasil todo, com chefs e chocolatiers renomados, de modo on-line, aprendendo com riqueza de detalhes tudo e mais um pouco sobre chocolate! Minha cozinha de casa, antes de ter uma exclusiva do ateliê, se tornou um laboratório, pois eu fazia a aula on-line e precisava colocar todo o conteúdo aprendido em prática. Apesar do caos que foi a pandemia, só posso agradecer pois jamais teria tido a oportunidade de fazer esses cursos presencialmente por questões logísticas. A confeitaria se tornou minha saúde mental durante esse período nebuloso que passamos, na verdade ela é minha saúde até hoje! Por isso eu resolvi investir em um espaço, estruturei meu ateliê e ali eu posso ir a qualquer hora ou temperatura do dia, pois ele se encontra em condições climáticas adequadas para o trabalho com o chocolate. Nessa época eu já sabia que trabalhar com chocolate de verdade não era uma tarefa tão simples e que estudar e entender melhor sobre o que tinha por trás daquele alimento era essencial para que a minha entrega ao cliente tivesse a maior qualidade possível.
O chocolate me apresentou um universo do qual eu me sentia parte plenamente, e ver a satisfação das pessoas que confiam em meu trabalho é impagável. Eu tinha e tenho em minhas mãos um fruto capaz de transformar vidas (como a minha), proporcionar momentos únicos e inesquecíveis por meio de delícias em aniversários, dia dos namorados, Natal, Páscoa, outras datas comemorativas e eventos. A minha relação com o chocolate é tão grande e bonita que eu mesma produzi os doces do meu casamento, fazendo uma mesa dos sonhos, com doces autorais, inclusive, que me trouxe uma grande realização pessoal e profissional. Uma alegria inexplicável! E claro, esse upgrade profissional já me prepara para em breve poder realizar sonhos de outras pessoas com doces exclusivos e maravilhosos como os que tive em meu casamento.
No evento “Química Faz Bem”, houve uma apresentação sobre “como a química te insere no universo mágico do chocolate”. Explique a relação entre a Química e o Chocolate?
Estar no mundo acadêmico e fazer parte dele me inserem em uma jornada de aprendizado ainda mais incrível! Esse evento é uma rica oportunidade de podermos compartilhar com a comunidade um pouco mais sobre aspectos que passam desapercebidos. É um momento oportuno para apresentar a diferença entre cobertura e chocolate, chamar atenção da população pra importância em ler os ingredientes de cada produto. Contar e explicar o porquê do chocolate branco ser chocolate sim! Esclarecer os melhores lugares para guardarmos o chocolate. Enfim, é uma oportunidade de traduzir o conhecimento e veiculá-lo de modo simples para que possa ser colocado em prática. E é bom ver alunos e a comunidade como um todo interessada!
O evento é bem prático e dinâmico. A gente leva o cacau fruto e mostra como, a partir da polpa, na qual estão as sementes, ocorre um processo de fermentação e depois secagem. Então as amêndoas são torradas, descascadas e viram o nibs de cacau. Esse nibs é um cacau 100% e é a partir dele, por meio de outros processos como a moagem, que iremos obter a massa de cacau/ liquor de cacau (sementes), ou a prensagem que resultará em manteiga de cacau e o cacau em pó. Cada país segue uma legislação, e, no Brasil, a Anvisa considera que, para ser chocolate, precisa ser “produto obtido a partir da mistura de derivados de cacau (Theobroma cacao L.), massa (ou pasta ou liquor) de cacau, cacau em pó e ou manteiga de cacau, com outros ingredientes, contendo, no mínimo, 25% (g/100 g) de sólidos totais de cacau”. Explicamos que, a partir desses ingredientes, as indústrias misturam outros para fazer o chocolate. Alguns serão mais docinhos porque serão adicionados de açúcar, outros terão maior teor de cacau, oferecendo mais saúde pelo benefício em si que o cacau oferece. É um evento sensacional!
De acordo com Patrícia Lunardelli, os conhecimentos da graduação e da pós-graduação deram solidez para que ela se tornasse a confeiteira empreendedora que é.
Um outro ponto importante que abordamos com a comunidade é sobre o rótulo dos produtos. Uma confusão muito comum que a indústria induz ao consumidor é falar “cobertura sabor chocolate”, e as pessoas compram achando que é de fato chocolate, mas na descrição dos ingredientes não tem menção de manteiga de cacau, liquor etc. Somente vemos cacau em pó, que ganha a responsabilidade pelo “sabor frustrante” do produto. Reforçamos que produtos com cobertura não são chocolate. Para ser chocolate tem que ter no mínimo 25% de sólidos de cacau, dentre eles a manteiga de cacau, responsável por derreter na nossa boca e causar a sensação prazerosa que sentimos quando comemos um bom chocolate. Produtos com cobertura levam na composição óleos vegetais, cujo ponto de fusão é bem superior ao da manteiga de cacau, e por isso não derretem na boca. A experiência degustativa é bem diferente. A vantagem da cobertura se resume na questão mercadológica em pontos de extremo calor ou com muita oscilação de temperatura, em que o chocolate não suportaria, pois ele se mantém estável até 25ºC. Mais que isso, já há comprometimento de várias características. E em um país tropical com o Brasil, com temperaturas altas, somente produtos contendo gorduras mais resistentes para suportar e sobreviver nas gôndolas do supermercado ou então há necessidade de climatização (sendo ideal de 17 a 21ºC). Por isso precisamos prestar atenção nas letrinhas miúdas e ler o rótulo. A diferença de preço as vezes compensa a experiência com o alimento bem como a qualidade dos ingredientes que ingerimos! Afinal, a saúde entra pela boca.
O que você aprendeu durante a graduação e colocou em prática com a sua empresa, Embrigadeire-se?
Praticamente toda minha graduação e pós-graduação me deram solidez para que eu me tornasse a Confeiteira Empreendedora que sou hoje. Com certeza a bagagem que adquiri com o curso de Farmácia (fui da primeira turma generalista, então a área de alimentos fazia parte da grade), a pós-graduação e o tempo de trabalho que tenho na UNIFAL-MG como técnica no Laboratório de Microbiologia de Alimentos me deram todo o aporte para que a jornada no mundo da confeitaria fosse diferenciada.
Na graduação tive muitas oportunidades de me manter fazendo iniciação científica, lapidando o lado investigativo que se consolidaria na pós-graduação posteriormente. Estive em contato com o controle de qualidade microbiológico desde o primeiro ano de faculdade. Já me apaixonei por essa área. Na pós eu pude ampliar os conhecimentos dentro do mundo das ciências farmacêuticas. Com certeza todos os desafios me prepararam para lidar melhor dentro do mundo do empreendedorismo com as múltiplas funções que nos são dadas. E isso me possibilita transformar a cozinha do meu ateliê em um laboratório, fazendo testes, buscando entender o porquê das coisas, estudando sobre validade e vida de prateleira, compreendendo melhor sobre a atividade de água e a relação com a validade e segurança do meu produto que vai ser entregue a alguém.
Aproveitando o tema, conte um pouco sobre a sua trajetória no curso de empreendedorismo e incubação na incubadora de empresas da UNIFAL-MG? Qual a importância para o seu negócio?
A Pré-Incubação de empresas me trouxe uma experiência única porque foi além do livro de receitas e do meu ambiente de cozinha. Ela contribuiu para eu começar a buscar não só cursos de chocolate e confeitaria, mas para entender melhor sobre o meu negócio e como eu iria me diferenciar dos demais em um mercado altamente competitivo. Na época da faculdade de Farmácia, a dinâmica do curso modelava nosso estudo para trabalhar como farmacêuticos, saber toda a parte do controle de qualidade do comprimido, interpretação de exames etc. Nós nos formávamos para trabalhar como farmacêuticos, mas não para gerenciar o próprio negócio se isso fosse possível.
Hoje eu vejo dentro do curso de Farmácia muitas ligas e projetos com um direcionamento diferente para que o graduando tenha oportunidades de aprender mais sobre liderança, gerenciamento e ser o dono do próprio negócio, deixando de ser só mais um colaborador. E foi essa uma das lacunas que a Pré-Incubação de empresas da UNIFAL-MG preencheu. Empreender é desafiador e todo dia aprendemos a ir além em algum tópico, e com certeza ter vivenciado a experiência que a Nidustec proporcionou foi excepcional. Ainda mais tendo outros casos de sucesso que foram incubados, como a Casca Fina. Com certeza trouxe um olhar diferenciado. A gente se espelha em quem já trilhou algum caminho próximo e chegou lá né! Foi uma oportunidade única que tive a sorte de aproveitar e me ajudou na consolidação do meu negócio.
Quais os cuidados necessários para garantir a qualidade alimentícia dos produtos?
Quando temos uma relação com alimentos que é consumido por outras pessoas, a primeira coisa é conhecer sobre a legislação, estudar, se capacitar e se atualizar sempre! O manipulador de alimento é uma profissão com muita responsabilidade. Por isso é essencial conhecer um pouco sobre microbiologia, saber que, quando olhamos para um alimento, não é porque ele parece limpo, que de fato a carga microbiológica dele é baixa e não oferece riscos, menos ainda que se ele cair no chão eu posso seguir a regra maluca dos 3 segundos. É ter conhecimentos mínimos sobre a contaminação cruzada entre alimentos crus e cozidos. Entender sobre a atividade de água e como ela interfere diretamente no produto.
Outro ponto que garante a qualidade do alimento é ter conhecimento para não seguir modinhas que surgem a todo momento nas redes sociais, com zero base científica e inúmeras implicações. Vou dar um exemplo: alguns profissionais enrolam brigadeiro “untando” as mãos com água. Conhecer e entender sobre atividade de água, água livre, ligada, é um conteúdo que ganha peso quando você aplica para sua realidade. Outra modinha é o ovo pudim com calda…quando vejo essas criações eu só posso agradecer por todo conhecimento que eu tenho que irão livrar meus clientes de perigos escondidos. Quem vai saber sobre o brigadeiro enrolado com água? E o ovo com pudim é tão gostoso. A questão é ir além, conhecer e entender os perigos que o alimento pode oferecer, por mais inofensivo que ele pareça. Por mais incrível que seja o ovo pudim, chocolate e geladeira não combinam, e pudim é um alimento com alta atividade de água que precisa de geladeira…uma confusão infinita. E sobre enrolar brigadeiro com água, qualquer pessoa da microbiologia iria pirar. Eu trabalho na área há mais de 14 anos não seria diferente! Ter conhecimento é poder fazer escolhas melhores e mais seguras. É por conhecer um horizonte além da visão ao meu alcance que me sinto qualificada para buscar e entender as entrelinhas que me levarão mais longe e com mais segurança dentro da confeitaria. É sobre se posicionar profissionalmente de modo que modinha nenhuma lhe derrube ou comprometa a saúde de alguém, e que você ainda possa contribuir com o trabalho de outros profissionais que não tiveram a mesma chance que você.
Conheça a empresa Embrigadeire-se: https://www.instagram.com/embrigadeire.se