Aquecimento global, arboviroses (dengue) e espaço urbano – um exemplo indesejado dessa articulação

Lucas Carvalho de Souza¹
Paulo Henrique de Souza²

O clima em geral e todas as suas manifestações como a temperatura e a precipitação estão sofrendo alterações em seus padrões sazonais, sobretudo, nos últimos anos, numa proporção e intensidade que alcança todas as partes do globo terrestre direta e indiretamente, repercutindo sobre todos os ecossistemas (RIBEIRO, 2008). Nesta conjuntura, a região do Sul de Minas Gerais também se encontra inserida, ressentindo-se dos impactos sofridos.

Com o crescimento dos centros urbanos, o verde foi substituído pelo cinza e preto dos prédios e do asfalto, ampliando o horizonte de concreto que culminou com a manifestação de padrões térmicos, mudança da direção dos ventos e na absorção da energia recebida do sol, e ainda na composição local da atmosfera, possibilitando que tais alterações resultassem na criação de microclimas nunca antes observados (LOMBARDO,1985).

A criação dessa conjuntura climática local, é responsável pelo aumento da temperatura nesses lugares que interfere nos aspectos mais diversos da vida dos seus cidadãos comprometendo a qualidade do ar, provocando desconforto térmico, e, criando condições favoráveis para a proliferação de vetores contaminantes e causadores de epidemias tais como aquelas pertencentes ao grupo das arboviroses no qual a Dengue se encontra inserida.

As pragas urbanas, assim chamadas por Ribeiro (2008), estão aumentando gradativamente, graças ao surgimento de temperaturas máximas recordes que possibilitam o crescimento populacional de diversos insetos, que em sua maioria, são grandes vetores de transmissão das doenças ano após ano, possibilitando ainda que sejam intensificadas em surtos semestrais, indo além dos períodos comumente conhecidos. Neste cenário o aquecimento global pode precarizar ainda mais a saúde da sociedade brasileira.

Segundo o Ministério da Saúde (2024), mesmo que incidência da zika e chikungunya tenha apresentado ligeira queda, os casos de Dengue no Brasil aumentaram em mais de 339% em relação a 2018, sinalizando que a população não tem agido na erradicação das condições favoráveis a proliferação dos mosquitos e nem sinalizado compreensão acerca da gravidade que as alterações climáticas em curso representam através do aumento da temperatura e o estabelecimento de condições favoráveis a disseminação das doenças.

De acordo com Valle et al (2016), o Brasil tem sido surpreendido constantemente pelo número de casos, velocidade de disseminação de vírus, em razão das mudanças climáticas, acompanhada pela desinformação permanente da população, que não soma esforços com as campanhas dirigidas pelos agentes de saúde nos seus variados níveis de atuação – municipal, estadual e federal – possibilitando que um quadro de epidemias se estabeleça para prejuízo de toda coletividade.

Segundo Maniero et al (2016) estas são – Dengue, Chikungunya e Zika – as três arboviroses que mais preocupam as autoridades de saúde do país pelo nível de circulação que alcançam no território nacional, pois nas cidades encontram locais favoráveis a formação de criadouros graças a infraestrutura danifica e condições climáticas que se somam.

Mesmo sendo difícil precisar com exatidão o foco originário dessas infestações no país, reconhece-se que a conjuntura do ambiente urbano nas últimas décadas, aliada a condição atmosférica estabelecida nesses tempos de mudanças climáticas, são as variáveis que se somam à indiferença da população para garantir o aumento de casos e a condição de epidemia em muitas cidades.

Figura 1 – Expansão da dengue por município no Brasil entre 1995 e 2021

Figura 2 – Casos de dengue por semana em 2023 e 2024

Conforme a Figura 2 demonstra, é significativo o aumento no número de casos de dengue nas primeiras 11 semanas de 2024 em relação a 2023, antecipando um “pico” que estava compreendido entre as semanas 13 e 16, podendo ser devastador em seu impacto sobre a população e estrutura de atendimento. Aliás, como a Figura 1 evidencia, a expansão da dengue é uma realidade permanente no território e cidades brasileiras nestes tempos de aquecimento global e indiferença da população para com as ações de combate, recobrando do Estado e sociedade esforços conjuntos na busca por sua necessária erradicação.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

MANIERO, V. C.; SANTOS, M. O.; RIBEIRO, R. L.; OLIVEIRA, P. A. C.; SILVA, T. B.; MOLERI, A. B.; MARTINS, I. R.; LAMAS, C. C.; CARDOZO, S. V. – Dengue, chikungunya e zika vírus no brasil: situação epidemiológica, aspectos clínicos e medidas preventivas. Almanaque Multidisciplinar de Pesquisa, Ano III, Volume 1, 2016, p. 118 – 145 in http://publicacoes.unigranrio.edu.br/index.php/amp

https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/saude-de-a-a-z/a/aedes-aegypti/monitoramento-das-arboviroses acessado em 21 de março de 2024

LOMBARDO, M. A. Ilha de calor nas metrópoles: o exemplo de São Paulo. São Paulo: HUCITEC, p.160-177, 1985.

RIBEIRO, W. C. Impactos das Mudanças Climáticas em Cidades no Brasil. Parcerias Estratégicas, n. 27, Brasília-DF, p. 297-319, Dezembro/2008.

VALLE, D; PIMENTA, D. N.; AGUIAR; R. Zika, dengue e chikungunya: desafios e questões. Epidemiologia e Serviços de Saúde [online], v. 25, n. 2, p. 419-422, 2016. Disponível em: https://doi.org/10.5123/S1679-49742016000200020.


Lucas Carvalho de Souza é geógrafo, formado pela UNIFAL-MG em 2021. Atualmente, é discente do curso de licenciatura, também em Geografia, pelo IFSULDEMINAS – Campus Poços de Caldas. Suas áreas de interesse envolvem análises do clima, das mudanças climáticas e da percepção populacional a respeito dos impactos das mudanças do clima.

 


Paulo Henrique de Souza é professor do Instituto de Ciências da Natureza (ICN) da UNIFAL-MG, onde exerce pesquisa e ensino. Graduado em Geografia, com mestrado em Engenharia Civil, doutorado em Ciências da Engenharia Ambiental e pós-doutorado em Geografia, o docente tem experiência na área de Geociências, atuando principalmente nos temas: planejamento, espaço, atividades antrópicas, educação, climatologia e biogeografia.