Impactos da pandemia na indústria nacional e desafios para o setor

Quarta-feira, 03 de junho de 2020

 

Por Italo do Nascimento Mendonça e Otávio Junio Faria Neves (bacharéis em Ciências Econômicas com Ênfase em Controladoria pela UNIFAL-MG e mestrandos no Programa de Pós-Graduação em Economia da UNIFAL-MG)

 

As expectativas sobre quando a economia brasileira retomaria a trajetória de crescimento econômico alimentavam-se gradativamente e com cautela por todos os setores da economia. O setor industrial, de importância significativa quando se fala nesse assunto, já enfrentava problemas antes da pandemia do Covid-19 e, consequentemente, com o auge dessa crise, terá dificuldades ainda maiores para se reerguer. O primeiro ano do Governo Bolsonaro e o início do segundo produziram poucas medidas para incentivar a indústria brasileira a retomar seu desenvolvimento. A preocupação por parte do governo no que se refere à produção industrial e os outros setores econômicos ocorreu somente quando a crise sanitária começou a impactar diretamente a economia brasileira [1].

Para a economista Margarida Gutierrez, professora da UFRJ, o compasso da elevação do crescimento da indústria já percorria um nível muito baixo, resultado de questões estruturais encontradas no âmbito da economia. Gutierrez afirma ainda que a escassez de competitividade e a falta de investimentos em inovação técnica pode ser um dos fatores para o cenário de baixo crescimento [2]. Conforme a Confederação Nacional das Indústrias (CNI), em meio à pandemia, precisamente no mês de abril, a atividade industrial alcançou novos números negativos, com a produção, nível de emprego e a utilização da capacidade nos menores níveis da história brasileira. Esses impactos negativos já tinham demonstrado os seus efeitos e consequências na economia no mês de março, porém esse cenário foi somente o início de uma crise sem expectativas de melhoras no curto e médio prazo [1].

Segundo dados divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) no último dia 29/05, a produção industrial sofreu uma queda de 1,4% no primeiro trimestre de 2020, em relação ao mesmo período de 2019. Essa forte redução é semelhante à retração registrada no PIB como um todo, que foi de 1,5%, no mesmo período. Esse resultado foi influenciado, principalmente, pelo desempenho negativo da indústria extrativa (-3,2%), construção civil (-2,4%), indústria transformativa (-1,4%) e indústrias relacionadas à eletricidade, água, esgoto e gás.

Consoante ao relatório da CNI, no mês de abril, a capacidade instalada da indústria brasileira (somatório do potencial produtivo de todas as indústrias) ficou em 49%, o que representa o menor nível registrado desde janeiro de 2011 [3]. Em janeiro de 2020 a utilização estava em 68% e foi caindo nos dois meses seguintes, o que pode ser reflexo dos impactos da pandemia na economia chinesa, grande fornecedora de matérias primas e insumos para a indústria nacional e que já sofria os efeitos econômicos da crise no final de 2019 [4].

A forte queda registrada no setor industrial, porém, não reflete totalmente os efeitos da crise sanitária na economia – vale lembrar que é na segunda quinzena de março que os efeitos de paralisação e retração na produção começam a ser mais evidentes. As expectativas apontam que o segundo trimestre será ainda mais devastador para a indústria nacional.

O consumo das famílias, grande motor da economia nacional, caiu 2% no primeiro trimestre desse ano. Esse resultado é particularmente negativo para a indústria como um todo e apresenta um desafio para os próximos meses, principalmente para a indústria de bens de consumo duráveis (como a indústria automotiva e o segmento de eletrônicos). Com a pandemia, coloca-se em dúvida a capacidade de endividamento das famílias e as decisões de consumo podem se modificar significativamente [2].

Mesmo com esse cenário conturbado, um estudo encomendado pela CNI revela o esforço que está sendo feito pelo setor industrial para manter os empregos, mesmo com a crise causado pelo COVID-19. Segundo esse estudo, 74% das empresas analisadas mencionaram ter sido impactadas pela crise e 82% destas registraram queda no faturamento nos últimos 45 dias. Porém, 66% não demitiram funcionários em função dos impactos causados pela pandemia – um número significativamente elevado [5]. Isso significa que, basicamente, de cada três empresas do setor industrial, duas não desligaram colaboradores por causa da crise.

Ainda segundo esse levantamento, a principal dificuldade para as indústrias nesse momento de crise é a dificuldade para efetuar o pagamento de despesas correntes, dados os entraves para acesso ao crédito. O capital de giro, portanto, está comprometido e as previsões apontam que, caso o governo não auxilie com medidas que facilitem o acesso a esses recursos, a crise no setor industrial terá dimensões ainda maiores.

Mencionando novamente o estudo da CNI, os empresários afirmam estar preocupados com a saúde dos trabalhadores diante da pandemia. Outra preocupação é o acesso a insumos e matérias primas utilizados nas plantas industriais. Dificuldades logísticas, como o transporte e escoamento da produção também são problemas relatados pelas empresas.

A resiliência do setor industrial brasileiro acontece mesmo que a indústria já estivesse em um grave quadro de deterioração, oriundo da crise econômica pós 2014. Empresários do setor industrial aguardam por medidas mais contundentes do Ministério da Economia e do Governo Federal para que os efeitos econômicos da crise não sejam ainda mais devastadores. Segundo entrevista dada pelo presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Robson Braga de Andrade. “algumas iniciativas do governo para elevar a liquidez do sistema financeiro, para reduzir o custo e aumentar a oferta de financiamentos, já foram adotadas. No entanto, em meio a tantas incertezas, essas medidas se mostram pouco eficazes para impedir a insolvência de um grande número de empreendimentos”, completa [6].

O Estado de Minas vem sofrendo com os efeitos da pandemia, sobretudo no que tange ao setor industrial. Toda a indústria mineira está sendo impactada, com consequências no nível de produção e empregos no setor. Conforme pesquisa do Jornal Estado de Minas realizada com proprietários de indústrias, o principal problema que a crise do Covid-19 está causando é a insuficiência de demanda interna, seguida pelo aumento da carga tributária, taxa de câmbio, escassez de capital de giro, dentre outros. Os industriais ainda elucidaram os seus pessimismos para os próximos meses de 2020, pois as expectativas por parte desses proprietários em torno da demanda são baixas [8].

Dentre as regiões de Minas Gerais, destaca-se a região sul mineira, em que os números demonstram que a indústria da região também está sendo muito afetada pela crise sanitária. De acordo com os dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (CAGED), do Ministério da Economia, as dez cidades mais populosas do Sul de Minas fecharam 1413 postos de trabalhos no setor industrial somente no mês de abril de 2020. A cidade que lidera o número de desligamentos na indústria é Poços de Caldas (455), seguida por São Sebastião do Paraíso (261), Três Pontas (172), Pouso Alegre (171), Varginha (159), Lavras (61), Alfenas (41), Itajubá (35), Passos (30) e Três Corações (28) [7]. Essa redução tem efeitos diretos na economia local e impacta indiretamente outros setores.

Medidas urgentes devem ser tomadas para evitar o colapso do setor industrial brasileiro. O governo deve anunciar rapidamente um plano para a retomada da atividade econômica nos próximos meses, com um olhar atento para a indústria nacional. Caso isso não ocorra, o quadro de desemprego tende a se agravar e o governo também sofrerá reflexos em suas finanças, já que a indústria contribui com quase 30% da arrecadação federal anual. É necessária a aplicação de propostas para atenuar esses efeitos na indústria durante e após o período da pandemia. Porém, para isso, é fundamental que o governo de Jair Bolsonaro deixe de produzir tensões políticas em torno da crise e foque primordialmente em conter a acentuação da curva, para que depois se planeje o relaxamento das medidas de isolamento social.

[1] Disponível em: https://opiniao.estadao.com.br/noticias/notas-e-informacoes,a-pandemia-na-industria,70003313284 Acesso em: 01/06/2020.

[2] Disponível em: https://g1.globo.com/economia/noticia/2020/05/29/de-motor-a-vilao-consumo-das-familias-puxa-pib-para-baixo.ghtml Acesso em: 01/06/2020.

[3] Disponível em: https://s3.amazonaws.com/bucket-gw-cni-static-cms-si/portaldaindustria/noticias/media/filer_public/be/1e/be1e77ba-dbbc-453e-a928-cd8baca1be57/pesquisa_-_empresarios_cni_-_divulgacao_vf.pdf Acesso em: 01/06/2020.

[4] Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/brasil-51452527 Acesso em: 02/06/2020.

[5] Disponível em: https://noticias.portaldaindustria.com.br/noticias/economia/66-das-empresas-industriais-nao-demitiram-por-conta-da-pandemia-mostra-pesquisa-da-cni/ Acesso em: 01/06/2020.

[6] Disponível em: https://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/economia/2020/05/29/internas_economia,859483/industria-registra-forte-queda-e-deve-ter-resultado-pior-no-2-trimest.shtml Acesso em: 01/06/2020

[7] Disponível em: http://pdet.mte.gov.br/novo-caged?view=default Acesso em: 01/06/2020.

[8] Disponível em:

https://www.em.com.br/app/noticia/economia/2020/04/27/internas_economia,1142331/com-efeitos-do-coronavirus-industria-mineira-perde-producao-e-emprego.shtml Acesso em: 01/06/2020