Pandemia e Desigualdade: passado, presente e futuro

Terça-feira, 05 de maio de 2020

A crise causada pela pandemia coloca em pauta muitas preocupações decorrentes desse cenário. Uma delas é o aumento da desigualdade social, tema recorrente em momentos como o de agora. Se realizarmos um exame de consciência veremos que no Brasil as discussões sobre o tema não se iniciaram agora, representando um problema estrutural e histórico.

Após décadas de crescimento das desigualdades na distribuição de renda [1], o país conseguiu, no decorrer da primeira década do século XXI, alcançar uma redução da desigualdade socioeconômica [2]. O Índice de Gini apresentou uma queda expressiva de 2002 a 2009 (de 0,570 para 0,521), que se manteve relativamente estável até 2015 (quando atingiu 0,524). No entanto, após o ano de 2016 o índice tem se elevado novamente (0,537) e, conforme os dados mais recentes divulgados pela PNAD Contínua, referentes a 2018 (0,545, houve um crescimento da concentração de renda no país, intensificando a desigualdade no território brasileiro. [3]

O aumento da desigualdade em nações desenvolvidas e em desenvolvimento pode atrasar o progresso econômico e social. Conforme o Relatório Social Mundial 2020 das Nações Unidas, mais de dois terços da população mundial encontram-se em localidades com um nível elevado de desigualdade. [4]

Com os reflexos econômicos e sociais causados pelo Covid-19, o desemprego e a pobreza vão se elevar cada vez mais, o que vai realçar mais uma vez o cenário da desigualdade brasileira. Se pensarmos e analisarmos o contexto da nossa população, constataremos que nas periferias há famílias que vivem aglomeradas em pequenos espaços físicos e não possuem condições mínimas para contornar isso. De acordo com o Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades (Ceert), há no Brasil famílias que vivem com dez ou mais pessoas em domicílios pequenos, em uma realidade bem diferente do restante da população que está praticando o isolamento social. [5]

É essencial nesse momento que a sociedade busque princípios de desenvolvimento social e econômico centrados no ser humano. Para além da preocupação do crescimento do Produto Interno Bruto, é necessário focar no desenvolvimento como forma de expandir as liberdades dos indivíduos. Sabe-se que o desenvolvimento brasileiro nas últimas décadas não foi satisfatório para a distribuição desses resultados para toda a camada da população. Esse desenvolvimento não colabora para estender o bem-estar a parte expressiva da sociedade.

Para Sen (2000) o desenvolvimento pode ser entendido como um sistema de ampliação das liberdades reais que os indivíduos usufruem. Liberdades essas, oriundas através do acesso à saúde, educação e direitos civis. Vale aqui mencionar que o autor não descarta elementos importantes para o desenvolvimento como crescimento do PIB, elevação da renda per capita, industrialização e modernização do meio tecnológico. Contudo, para Sen, o desenvolvimento deve ser pautado na expansão das liberdades dos indivíduos, indo muito além de um aumento no PIB. [6]

A Organização Mundial de Saúde tem se preocupado com a expansão do contágio do vírus nas localidades que são notáveis pelos seus grandes índices de desigualdade social e, consequentemente, com deficiente acesso ao saneamento básico. Segundo o diretor do órgão, Tedros Adhanom, é primordial que os governos desses locais realizem medidas hábeis para o combate ao vírus, para que a população mais pobre não seja a mais atingida pela ausência de acesso às condições básicas de vida contemporânea. [7]

Em síntese, a desigualdade se figura no embrião da pobreza. E, por muitas vezes, essa pobreza pode inibir os indivíduos de matar a sua fome, ter água tratada, oportunidade de vestir-se ou de morar de forma adequada. Portanto, se reconhecemos que, no atual período, é fundamental que a sociedade mantenha-se em isolamento social, cabe ao governo dar todo o suporte para as famílias de baixa renda, que não estão em condição para fazer esse enfrentamento de forma independente.

[1] RIBEIRO, Cláudio Oliveira; MENEZES, Roberto Goulart. Políticas públicas, pobreza e desigualdade no Brasil: apontamentos a partir do enfoque analítico de Amartya Sen. Textos & Contextos (Porto Alegre), v. 7, n. 1, p. 42-55, 2008.

[2] DEDECCA, Claudio Salvadori. A redução da desigualdade e seus desafios. Texto para Discussão nº 2031, Brasília: IPEA, 2015.

[3] O Índice de Gini é um instrumento para mensurar o nível de concentração de renda em determinado país. Em uma escala de 0 a 1, quanto mais próximo de 1, maior a desigualdade. Dados recentes disponíveis em:  https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-sala-de-imprensa/2013-agencia-de-noticias/releases/25700-pnad-continua-2018-10-da-populacao-concentram-43-1-da-massa-de-rendimentos-do-pais. Acesso em: 01 de mai. de 2020.

[4] Disponível em: https://www.ethos.org.br/cedoc/desigualdade-fecha-as-portas-para-avanco-economico-e-social-no-mundo/.  Acesso em: 01 de mai. de 2020.Parte superior do formulárioParte inferior do formulário

[5] Disponível em: https://www.redebrasilatual.com.br/economia/2020/04/pandemia-ressalta-desigualdade-brasileira-ameaca-emprego/ Acesso em: 21 de abr. de 2020.

[6] SEN, Amartya. Desenvolvimento como liberdade. Editora Companhia das letras, 2000.

[7] Disponível em:  https://www.brasildefato.com.br/2020/04/04/artigo-as-desigualdades-sociais-que-a-pandemia-da-covid-19-nos-mostra. Acesso em: 21 de abr. de 2020.

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Autor: Otávio Junio Faria Neves
Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Economia  

Instituto de Ciências Sociais Aplicadas