Panorama demográfico da COVID-19 no Sul de Minas Gerais

Quinta-feira, 14 de maio de 2020


Por Pamila Cristina Lima Siviero (doutora em Demografia no Cedeplar/UFMG e professora de Ciências Atuariais na UNIFAL-MG) e Larissa Gonçalves Souza (doutoranda em Demografia no Cedeplar/UFMG e professora de Ciências Atuariais na UNIFAL-MG)

No dia 12 de maio de 2020, o Brasil registrou 881 óbitos por COVID-19 em 24 horas, o maior número até o momento, acumulando um total de 12.400 óbitos e 177.589 casos confirmados1. Na mesma data, o boletim epidemiológico da Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais indicava um total de 135 óbitos confirmados, 807 óbitos suspeitos,  3.733 casos confirmados e 101.572 casos suspeitos2. Para analisar o cenário demográfico da COVID-19 do Sul de Minas Gerais foram coletados dados dessa macrorregião do Estado, a qual é composta por 153 municípios distribuídos em 12 microrregiões: Alfenas/Machado (17), Guaxupé (9), Itajubá (15), Lavras (10), Passos/Piumhi (18), Poços de Caldas (5), Pouso Alegre (33), São Lourenço/Caxambu (24), São Sebastião do Paraíso (6), Três Corações (6), Três Pontas (5) e Varginha (5)3. O sul de MG tem uma população de aproximadamente 2.804.284 habitantes, que representa em torno de 13,2% da população do Estado4. Além dos números acumulados, até o presente momento, de casos suspeitos, casos confirmados e óbitos, apresentamos também duas medidas relativas: incidência por 100.000 habitantes, a qual indica o risco de ocorrência de casos em cada região e taxa de letalidade, proporção de casos confirmados que tiveram como desfecho o óbito, indicador de gravidade da doença. Foram utilizados dados disponibilizados pela Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais, os quais podem apresentar divergências em relação aos divulgados diariamente nos boletins epidemiológicos dos municípios, em função do processo que envolve a notificação do caso ao Estado.

Perfil demográfico da COVID-19 no Sul de Minas Gerais

O Sul de Minas registrava 22 óbitos confirmados por COVID-19, 390 casos confirmados e 9.774 casos suspeitos até o dia 12 de maio de 20205. Dentre os óbitos confirmados, 59,1% são do sexo masculino, 80,7% de idosos com 60 e mais anos de idade e 86,4% dos indivíduos que morreram apresentavam comorbidades. Em geral, os casos mais graves da doença tendem a ocorrer entre os idosos e pessoas com fatores de risco6, além disso, a sobremortalidade masculina por COVID-19 parece ser uma característica comum ao Brasil e outros países7, cenário que se repete no Sul de Minas Gerais.

Quanto aos casos confirmados da doença, os homens também são maioria, representando 57,2% do total. Por outro lado, diferentemente dos óbitos, apenas 19,9% dos casos confirmados são de idosos com 60 anos e mais, de forma que 80,1% dos casos confirmados são de indivíduos com menos de 60 anos. Esse comportamento, observado também no Brasil e em Minas Gerais, requer atenção, especialmente no que diz respeito aos arranjos familiares (coabitação de indivíduos jovens e idosos) e a consequente transmissão intradomiciliar da doença8. A distribuição dos casos confirmados por idade e sexo, por sua vez, evidencia que os homens são maioria, com exceção dos grupos etários de 20 a 29 anos, 70 a 79 anos e 80 a 89 anos. Em relação à mortalidade, apenas no grupo etário de 80 a 89 anos a proporção de óbitos femininos é superior à masculina. A maior proporção de mulheres jovens que atuam como cuidadoras e profissionais de saúde e a maior sobrevivência feminina às idades mais velhas, que resulta em uma expressiva diferença entre a população de homens e mulheres, podem explicar esse comportamento.

A Tabela 1 apresenta o número de casos suspeitos, confirmados e de óbitos por COVID-19, além do coeficiente de incidência e da letalidade da doença, por microrregião do Sul de Minas Gerais, até o dia 12 de maio de 2020.

 

Casos confirmados, suspeitos e incidência por 100.000 habitantes no Sul de Minas Gerais

As microrregiões com mais casos confirmados são a de Pouso Alegre (170), Varginha (34) e São Lourenço/Caxambu (30). Em relação aos casos suspeitos, a microrregião de Pouso Alegre permanece na primeira posição, com 2.066 casos, seguida por Varginha (1.285) e Passos/Piumhi (999). Como quanto maior a população, naturalmente espera-se um número de casos mais elevado, para fins de comparação entre as microrregiões, que possuem tamanhos populacionais distintos, calculou-se os coeficientes de incidência de casos confirmados e suspeitos a cada 100 mil habitantes.

Os coeficientes de incidência mostram que a microrregião de Pouso Alegre possui, até o momento, o maior risco de ocorrência de casos confirmados, 31 a cada 100 mil habitantes, seguida por Três Corações (18) e Três Pontas (18), enquanto a de Passos/Piumhi apresenta o menor risco (3). Ainda que o número de casos confirmados de COVID-19 nas microrregiões de Varginha e de São Lourenço/Caxambu sejam maiores daqueles registrados em Três Corações (24) e Três Pontas (23), a menor população dessas duas microrregiões, em comparação com as primeiras, resulta em um coeficiente de incidência superior para as microrregiões de Três Corações e Três Pontas. Esse resultado evidencia a importância de considerar as diferenças populacionais na análise da pandemia de COVID-19.

Quanto aos casos suspeitos da doença, a microrregião com o maior coeficiente de incidência a cada 100 mil habitantes é a de Varginha (638), seguida por Itajubá (433) e São Sebastião do Paraíso (375). A microrregião de Guaxupé apresenta 224 casos suspeitos a cada 100 mil habitantes, o menor valor do Sul de Minas Gerais.

Número de óbitos e taxa de letalidade no Sul de Minas Gerais

Em relação à mortalidade por COVID-19, os 22 óbitos registrados no Sul de Minas Gerais estão distribuídos em sete microrregiões e 15 municípios: 10 óbitos na microrregião de Pouso Alegre (3 em Extrema, 3 em Pouso Alegre, 1 em Bueno Brandão, 1 em Ouro Fino, 1 em Toledo e 1 em Itapeva); 3 óbitos na microrregião de Itajubá (2 em Paraisópolis e 1 em Itajubá); 2 óbitos na microrregião de Passos/Piumhi (1 em Capitólio e 1 em Piumhi); 3 óbitos na microrregião de Poços de Caldas (todos no município de Poços de Caldas); 2 óbitos na microrregião de São Sebastião do Paraíso (1 em São Tomás de Aquino e 1 em São Sebastião do Paraíso); 1 óbito na microrregião de Três Pontas, (município de Três Pontas); e 1 óbito na microrregião de Varginha (município de Varginha).

É fundamental ressaltar que o maior número de óbitos na microrregião de Pouso Alegre em relação às demais microrregiões deve ser analisado com cautela, uma vez que o quantitativo de óbitos depende do tamanho populacional da região e da sua distribuição etária. Dados de diversos países, entre eles o Brasil, apontam que os mais idosos possuem maior probabilidade de estar entre os casos mais graves da COVID-19. Nesse sentido, quanto maior for a população e quanto mais envelhecido o país ou região, maior tende a ser o número de óbitos esperados.

A letalidade da COVID-19, que indica a gravidade da doença, é de 5,6% na região sul de MG como um todo, sendo inferior àquela observada no Brasil (7,0%) e superior que a observada no estado de Minas Gerais (3,6%). Entre as microrregiões, destacam-se a de São Sebastião do Paraíso (40,0%), visto que 2 dos 5 casos confirmados vieram a óbito, seguida por Passos/Piumhi (20,0%), e a menor letalidade é observada na microrregião de Varginha (2,9%). Todavia, a comparação da letalidade entre as diferentes microrregiões é muito limitada, principalmente pela subnotificação do número de casos confirmados.

Os dados representam a realidade da COVID-19?

O perfil da morbimortalidade por COVID-19 no Sul de Minas Gerais apresentado aqui, entretanto, pode não representar de forma fidedigna a realidade, uma vez que o país como um todo enfrenta um cenário de dificuldade de diagnóstico da doença, em função da capacidade laboratorial menor do que a demanda9. Nesse sentido, uma maneira de lançar luz à subnotificação da COVID-19 é analisar a situação da morbimortalidade por Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG).

Nos quatro primeiros meses de 2020, o Brasil registrou 72.309 hospitalizações por SRAG, um aumento de 533% em relação ao mesmo período de 2019. A grande maioria destas internações ocorreram nas últimas cinco semanas. Nestas, embora parte das internações seja por COVID-19, uma grande parcela permanece como causa em investigação, de 50% a mais de 70% nas semanas mais recentes10. No que diz respeito aos óbitos, 4.121  foram registrados por SRAG de 1 de janeiro a 13 de maio de 2020, 834% de aumento em relação ao mesmo período do ano anterior11. Em Minas Gerais, a situação não é menos preocupante. Entre 1 de janeiro e 13 de maio de 2020, 8.568 pessoas foram hospitalizadas por SRAG, 529% de incremento em relação ao mesmo período de 20192 e 161 óbitos foram registrados até o dia 13 de maio (aumento de  132% em relação a 2019)11. O Sul de Minas registrava, até o dia 08 de maio, 737 casos notificados e 150 óbitos por SRAG, sendo a segunda macrorregião com maior proporção de casos e óbitos notificados, perdendo apenas para a macrorregião Centro12.

Embora os óbitos e casos confirmados em Minas Gerais indiquem uma situação mais favorável quando comparada a outras regiões do Brasil, é preciso ressaltar que dos 114.190 casos notificados de síndrome gripal até dia 13 de maio, mais de 88% permanecem como suspeitos, ou seja, sem confirmação, ou não, de diagnóstico5. No que diz respeito aos leitos de UTI Adulto, as taxas de ocupação variam por regiões do estado. No dia 11 de maio, quatro macrorregiões encontravam-se com mais de 90% dos leitos ocupados (Norte, Leste, Vale do Aço e Oeste), sete com percentual de ocupação entre 70% e 90% (Sul, Sudeste, Jequitinhonha, Centro-Sul, Triângulo do Norte, Nordeste e Leste do Sul), uma macrorregião entre 40% e 70% (Noroeste) e duas com menos de 40% de utilização dos leitos (Triângulo do Sul e Centro)12. Essas informações sugerem que Minas Gerais apresenta um cenário de subnotificação de casos. Estudo realizado pela UFMG e pela UFOP estima que o número real de casos da doença é de pelo menos 16,5 vezes maior que aquele divulgado pela Secretaria de Saúde do Estado13. Nesse sentido, os casos em Minas Gerais passariam os 56.000.

A região Sul de MG representa em torno de 13% da população do Estado e concentra, até o momento, 17,1% dos óbitos confirmados, 10,5% dos casos confirmados e 9,0% dos casos suspeitos. Importante ressaltar que a região é composta, em sua grande maioria, por municípios muito pequenos: 50% tem menos de 10.000 habitantes, 43,5% têm entre 20.000 e 50.000 habitantes e apenas 7,1% tem mais de 50.000 habitantes. Embora o número de óbitos e de casos confirmados ainda seja pequeno, os resultados aqui apresentados apontam que óbitos pela doença já ocorreram em municípios muito pequenos, como Bueno Brandão, Toledo, Itapeva, Capitólio e São Tomás de Aquino. Dados recentes indicam que a COVID-19 tende a avançar agora pelo interior do país, nas cidades menores, as quais possuem um sistema de saúde mais frágil, pelo próprio desenho regionalizado do SUS14. No caso específico de Minas Gerais, a grande defasagem dos números e a demora nos exames pode estar ocorrendo sobretudo no interior do Estado15. Nesse sentido, pela insegurança em relação ao real cenário, parece ser inadequado e precoce flexibilizar as medidas de isolamento social, inclusive nas localidades que não apresentam casos confirmados da COVID-19.

 

Referências

  1. Ministério da Saúde. COVID-19: Painel Coronavírus. Disponível em: https://covid.saude.gov.br/. Acesso em: 13 maio 2020.
  2. Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais. Boletim Epidemiológico Coronavírus 13/05/2020. Disponível em: https://www.saude.mg.gov.br/coronavirus/boletim. Acesso em 13 de maio 2020.
  3. Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais. Plano Diretor de Regionalização da Saúde de Minas Gerais (PDR/MG). Belo Horizonte, 2011. Disponível em: https://www.saude.mg.gov.br/parceiro/regionalizacao-pdr2. Acesso em: 8 maio 2020.
  4. Ministério da Saúde. DATASUS. População residente. Disponível em: http://www2.datasus.gov.br/DATASUS/index.php?area=0206&id=6942. Acesso em: 08 maio 2020.
  5. Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais. Perfil Demográfico COVID-19. Disponível em: https://www.saude.mg.gov.br/coronavirus/painel. Acesso em: 13 maio 2020.
  6. World Health Organization. Newsroom. Q&A Detail. Q&A on coronaviruses (COVID-19). World Health Organization, 2020. Disponível em: https://www.who.int/news-room/q-a-detail/q-a-coronaviruses. Acesso em: 08 maio 2020.
  7. Institut national d’études démographiques (INED). Demographics of Covid-19 Deaths. Disponível em: https://dc-covid.site.ined.fr/en/data/. Acesso em: 13 maio 2020.
  8. Barrucho, L. Coronavírus: os dados que põem em xeque ideia de Bolsonaro de isolar idosos. BBC News Brasil, Londres, 25 mar. 2020. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/geral-52043354. Acesso em: 08 maio 2020.
  9. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Boletim Epidemiológico 13. Doença pelo Coronavírus 2019. Disponível em: https://portalarquivos.saude.gov.br/images/pdf/2020/April/21/BE13—Boletim-do-COE.pdf. Acessado em: 08 maio 2020.
  10. Zanlorenssi, G., Gomes, L. A Síndrome Respiratória Aguda Grave durante a pandemia no Brasil. Nexo Jornal, Brasil, 08 maio 2020. Disponível em: https://www.nexojornal.com.br/grafico/2020/05/08/A-S%C3%ADndrome-Respirat%C3%B3ria-Aguda-Grave-durante-a-pandemia-no-Brasil. Acesso em: 08 maio 2020.
  11. Portal da Transparência – Registro civil. Portal da Transparência. Painel COVID Registral. Disponível em: https://transparencia.registrocivil.org.br/registral-covid. Acesso em: 13 maio 2020.
  12. Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais. Boletim Epidemiológico e Assistencial Covid-19 (Edição Especial n.3). Disponível em: https://www.saude.mg.gov.br/coronavirus/boletim. Acesso em 13 de maio 2020.
  13. Ribeiro, L. C., Bernardes, A. T. Atualização da Estimativa de Subnotificação em Casos de Hospitalização por Síndrome Respiratória Aguda e Confirmados por Infecção por Covid-19 no Brasil e Estimativa para Minas Gerais. Nota Técnica. CEDEPLAR/UFMG: Belo Horizonte, 2020.
  14. Fernandes, A., Fagundes, A. Covid avança no interior e atinge cidades de menor porte. Valor Econômico, São Paulo, 04 maio 2020. Disponível em: https://valor.globo.com/brasil/noticia/2020/05/04/covid-avanca-no-interior-e-atinge-cidades-de-menor-porte.ghtml. Acesso em: 11 maio 2020.
  15. Cruz, M. M., Parreiras, M. Por que a realidade do coronavírus em Minas está mascarada. Estado de Minas, Brasil, 10 maio 2020. Disponível em: https://www.em.com.br/app/noticia/gerais/2020/05/10/interna_gerais,1145961/por-que-a-realidade-do-coronavirus-em-minas-esta-mascarada.shtml. Acesso em: 11 maio 2020.