O primeiro diagnóstico brasileiro de diversidade biocultural, que aponta riscos e oportunidades relacionados aos polinizadores, à polinização e à produção de alimentos no Brasil foi elaborado sob a coordenação da professora Marina Wolowski, do Instituto de Ciências da Natureza da UNIFAL-MG. As informações estão no Relatório Temático lançado este mês pela Plataforma Brasileira de Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (BPBES) em parceria com a Rede Brasileira de Interações Planta-Polinizador (REBIPP). O documento salienta a importância da polinização para a agricultura brasileira.
Além da professora Marina, o diagnóstico contou também com a coordenação da professora Kayna Agostini da UFSCar, e reuniu informações de mais 10 autores de diversas instituições do país sobre a polinização e os polinizadores de 66% (191 de 289) plantas cultivadas ou silvestres utilizadas direta ou indiretamente na produção de alimentos no país. “O 1o Relatório Temático sobre Polinização, Polinizadores e Produção de Alimentos no Brasil foi elaborado com o intuito de informar os diversos segmentos da sociedade brasileira a respeito da importância e do conhecimento sobre polinização, polinizadores e seu papel na produção de alimentos no Brasil”, diz Profa. Marina, destacando que, no documento, as comunidades, acadêmica e não acadêmica, o terceiro setor e representantes dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário poderão obter informações confiáveis do cenário atual sobre a temática.
Para preparar o diagnóstico, os pesquisadores se reuniram durante um ano e meio. O documento envolveu o levantamento de mais de 400 publicações, posteriormente, submetido a revisores externos.
Entre os aspectos mais relevantes apontados no Relatório Temático, estão aqueles relacionados ao valor econômico do serviço ecossistêmico de polinização no Brasil e a grande dependência de polinização para a produção dos cultivos agrícolas. “Em 2018, o valor econômico do serviço ecossistêmico de polinização para a produção de alimentos no Brasil foi estimado em R$ 43 bilhões. Grande parte (76%) das plantas utilizadas para produção de alimentos no Brasil é dependente do serviço ecossistêmico de polinização realizado por animais. Assim, destacamos que a diversidade brasileira de polinizadores apresenta um potencial para a melhoria da produção e da sustentabilidade da agricultura nacional, bem como a garantia da segurança alimentar”, argumenta Profa. Marina.
Apontamentos como esse estão registrados em um Sumário para Tomadores de Decisão, elaborado junto ao Relatório Temático, a fim de subsidiar políticas públicas para conservação dos polinizadores e do serviço ecossistêmico de polinização que se encaixam nas áreas de meio ambiente, agricultura, saúde, ciência e tecnologia.
A importância polinização para a agricultura brasileira
Profa. Marina explica que a polinização é considerada um serviço ecossistêmico, porque os polinizadores são um benefício decorrente da integridade da natureza para sustentar a vida no planeta, assim como a água, a regulação do clima, ar limpo, por exemplo. “A polinização contribui para a variabilidade genética de plantas, fornece frutos, sementes, mel e derivados, além de envolver um conjunto de conhecimentos tradicionais”, detalha.
Das 191 culturas agrícolas utilizadas para a produção de alimentos no país, que se tem conhecimento sobre o processo de polinização, 114 (60%) são visitadas por polinizadores. O diagnóstico analisou ainda o grau de dependência dos polinizadores para 91 cultivos agrícolas e constatou que para 76% (69) a ação de polinizadores aumenta a quantidade e/ou a qualidade da produção agrícola.
A lista de visitantes das culturas agrícolas supera 600 animais, dos quais no mínimo 250 com potencial de polinizador. As abelhas predominam como polinizadores, representando 66% das espécies. Besouros, borboletas, mariposas, aves, vespas, moscas, morcegos e percevejos enriquecem a lista. A diversidade de polinizadores é fundamental para a efetividade da polinização, afirma o relatório. E a manutenção do ambiente natural próximo ao cultivo ainda é a principal forma de garantir esta diversidade, na medida em que supre a oferta de recursos e abrigo durante o ano.
No caso da berinjela, por exemplo, a presença do polinizador específico gera um incremento de cerca de 180g por unidade no produto final, explica Profa. Kayna Agostini, que também coordenou o estudo. “Isso, na prateleira, faz diferença para o produtor”, pontua. Por esta razão, nem sempre apenas colocar colmeias de abelha europeia nas plantações é suficiente para resolver a ausência de polinizadores nativos.
O relatório aponta o manejo de polinizadores nativos como uma oportunidade ainda pouco explorada. O país possui uma grande diversidade de espécies sem ferrão que, além de produzirem méis de qualidade e de alto valor agregado, proveem a polinização de diversos cultivos agrícolas. De acordo com o documento, apenas 16 espécies são manejadas. E há muito o que se aprender, neste sentido, com as práticas de manejo associadas ao conhecimento local e indígena.
Necessidade de uma política de proteção aos polinizadores
Perda de habitat, mudanças climáticas, poluição ambiental, agrotóxicos, espécies invasoras, doenças e patógenos são algumas das vulnerabilidades que colocam em risco a produção de alimentos e a conservação da biodiversidade.
De acordo com o relatório, dentre os poluentes ambientais, os agrotóxicos causam mais preocupação. Os efeitos das doses destas substâncias variam muito, podendo levar à morte ou atuar como repelentes Efeitos tóxicos subletais, como desorientação do voo, perda da habilidade dos polinizadores para encontrar recursos florais, menos descendentes, entre outros, já estão documentados na literatura principalmente para a abelha europeia. As coordenadoras do diagnóstico advertem para o impacto dos efeitos dos agrotóxicos nas espécies nativas, como sendo uma lacuna importante que precisa urgentemente ser estudada. “Já existem estudos apontando moléculas menos nocivas ao ambiente e com maior efetividade que podem atuar na transição para uma produção mais sustentável”, conta Profa. Kayna. Para a pesquisadora, outro ponto que preocupa é a ausência da mitigação dos efeitos do uso destas substâncias.
Ao se referir ao registro de 28 agrotóxicos e princípios ativos pelo Ministério da Agricultura no dia 10 de janeiro deste ano, Profa. Marina enfatiza que a falta de evidências sobre os efeitos dos agrotóxicos nos polinizadores e para a saúde humana parece não ter importância quando se considera a liberação destas substâncias. Entre os agrotóxicos está um aditivo inédito no país, o sulfoxaflor, que já causa polêmica nos Estados Unidos por estar associado ao extermínio de abelhas.
Vale destacar que o Relatório Temático sobre Polinização, Polinizadores e Produção de Alimentos no Brasil segue os moldes do diagnóstico global polinização, lançado em 2016, pela Plataforma Intergovernamental de Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (IPBES) da ONU. O documento global foi acatado pelos países membros da Convenção da Diversidade Biológica e deu origem à Coalizão de Polinizadores, uma iniciativa internacional formada por países que apoiam os programas de proteção e uso sustentável dos polinizadores nas políticas públicas e da qual o Brasil ainda não é signatário.
Em 2016, cerca de 150 pesquisadores, motivados pelo relatório global da IPBES, enviaram a “Carta de Catalão” ao Ministério do Meio Ambiente propondo a elaboração de uma Política Nacional para uso e conservação de polinizadores e do serviço de polinização. Entretanto, a iniciativa ainda não teve eco dentro do governo.
Confira o Relatório Temático sobre Polinização, Polinizadores e Produção de Alimentos no Brasil
Acesse também o Sumário para Tomadores de Decisão