Universidades públicas e suas interações com a sociedade: ferramenta para superarmos a crise da COVID-19

Quarta-feira, 15 de abril de 2020

A proliferação do novo coronavírus (COVID-19) ao redor do mundo tem gerado angústias e incertezas nos mais diversos setores da sociedade. As políticas necessárias de isolamento social criaram um novo e desconhecido cenário que tem causado apreensão em todos os brasileiros (as), incluindo empresários (as), estudantes, professores (as) e demais trabalhadores (as). Ao mesmo tempo, esse sentimento tem motivado iniciativas para reduzir os efeitos dessa crise tanto no âmbito da saúde quanto da economia. E, nessa busca por soluções para o país, nossas universidades – públicas e gratuitas – têm-se mostrado agentes essenciais.

Do ponto de vista da saúde, foi através do trabalho árduo de pesquisadoras (es) da USP que conseguimos sequenciar, em tempo recorde, os genes desse novo vírus e também descobrir suas origens ao chegar ao país. Essas descobertas abrem caminho para buscarmos testes, remédios e vacinas contra a COVID-19, o que também tem sido realizado por universidades públicas como UFMG, UNICAMP, UFPR e UFPA. Temos os laboratórios das universidades públicas federais mineiras (UFV, UFVJM, UFOP e UFMG) se adaptando para ampliar a nossa capacidade de testagem, enquanto os hospitais universitários têm agido na linha de frente no combate à doença em todo o país. Enfim, são nossos “soldados acadêmicos” abrindo mão do conforto do seu lar para buscar soluções contra a COVID-19 na área da saúde. Mas esses “soldados” também estão em outras áreas do conhecimento.

Do ponto de vista econômico, temos professores na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) desenvolvendo uma rede de assessoria empresarial para orientar as pequenas e médias empresas, mais vulneráveis nesse momento. Na Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), uma startup vinculada à universidade tem assessorado os comerciantes para trabalharem via delivery. É a universidade pública, através das Ciências Sociais Aplicadas e suas ações de extensão, contribuindo para amenizar as consequências econômicas mais diretas da crise.

Porém, esses dois lados – saúde e economia – não estão isolados e nem devem ser vistos como conflitantes. Como mostrado, com dados, por professores do Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional (CEDEPLAR/UFMG), o esforço inestimável em salvar vidas também beneficia a economia, pois a preservação da vida exige a produção de bens e serviços necessários para esse fim. Além disso, vidas perdidas implicam redução do potencial de trabalho e de geração de conhecimentos que poderiam contribuir para amenizar os impactos da crise e para o futuro econômico do país.

Nessa união entre saúde e economia, temos a produção de álcool em gel, máscaras ou EPIs para os profissionais da saúde espalhada pelas Universidades em todo o Brasil, desde as Universidades Federais de Santa Maria (UFSM) e de Alfenas (UNIFAL-MG), passando pelas de Goiás (UFG), Sergipe (UFS) e do Piauí (UFPI). Além disso, temos também pesquisadores (as) e professores (as) da UFSC, UFRJ e USP desenvolvendo ventiladores pulmonares mecânicos (chamados de “respiradores”) mais simples e baratos. Ventiladores mais baratos custam cerca de R$15 mil, enquanto o produzido pela USP pode ser produzido por até R$ 1 mil![1]

Esses exemplos mostram que nossas Universidades públicas são essenciais para vencermos essa batalha contra a COVID-19 e seus diversos efeitos sobre nossa saúde e economia. É através delas que vamos conseguir tanto diagnosticar e tratar melhor a doença no nosso país quanto buscar soluções que sejam mais adequadas à nossa realidade. Nossas Universidades Públicas são os principais agentes promotores da ciência e tecnologia no país. Sem elas, essa busca por soluções contra a COVID-19 é altamente limitada e cega!

Assim, para que nossas Universidades Públicas possam contribuir ainda mais para vencermos essa batalha, faz-se necessário fortalecê-las em, no mínimo, duas frentes:

  • Financiamento PÚBLICO contínuo da pesquisa: pesquisa não se faz sem dinheiro e muito menos com fluxo intermitente e incerto de recursos. Pesquisas custam dinheiro e levam tempo para serem feitas. É através delas que estudantes são treinados na resolução de problemas e que também são criados novos conhecimentos que nos guiam, dão um norte, na busca por soluções, especialmente para problemas complexos como o combate à COVID-19;
  • Fortalecimento da interação entre universidade e sociedade: no atual contexto, a aproximação entre a universidade e os diversos agentes da sociedade civil – empresas, movimentos sociais, prefeituras, associações etc. – é crucial para permitir compartilhar os conhecimentos acadêmicos e transformá-los em ações e soluções concretas de forma mais rápida.

Esses dois elementos seriam favorecidos por uma coordenação política que direcionasse essas parcerias e seus financiamentos. Isso tenderia a reduzir a incerteza existente no processo de busca por soluções de problemas complexos, como aqueles ligados à COVID-19. Entretanto, essa coordenação tem se mostrado ausente no presente governo, especialmente em nível federal. Ações recentes do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC) são um exemplo disso[2].

Em suma, o combate à COVID-19 e seus efeitos adversos passa pelo fortalecimento da Universidade Pública brasileira como um agente central nessa luta, aprimorando seu financiamento e suas relações com governos, empresariado e sociedade em geral. Épocas de crise também são épocas de aprendizado e a Universidade tem muito a contribuir para que esse aprendizado resulte em um país melhor pós COVID-19.

Para mais informações:

1. https://brasil.elpais.com/ciencia/2020-03-03/por-que-o-trabalho-brasileiro-de-decifrar-o-genoma-do-coronavirus-e-crucial-contra-a-epidemia.html

2. https://www1.folha.uol.com.br/equilibrioesaude/2020/03/universidades-desenvolvem-respiradores-para-pacientes-com-covid-19-em-estado-grave.shtml

3. https://ufrj.br/noticia/2020/03/23/coronavirus-ufrj-desenvolve-novo-teste-para-detectar-covid-19

4. https://www1.folha.uol.com.br/equilibrioesaude/2020/04/universidades-brasileira-remanejam-estrutura-para-estudar-covid-19-e-pedem-doacoes.shtml

5. https://www.em.com.br/app/noticia/gerais/2020/04/02/interna_gerais,1134941/laboratorios-ufmg-iniciam-exames-coronavirus-publico-pode-fazer-teste.shtml

6. https://www.redebrasilatual.com.br/saude-e-ciencia/2020/04/de-norte-a-sul-a-corrida-das-universidades-publicas-contra-a-covid-19/

7. http://brasildebate.com.br/covid-19-nao-esta-na-agenda-prioritaria-de-pesquisa-do-mctic/

8. https://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/brasil/2020/04/02/interna-brasil,842052/funed-habilita-19-laboratorios-em-minas-para-teste-da-covid-19.shtml

9. https://g1.globo.com/mg/minas-gerais/noticia/2020/04/02/coronavirus-pesquisadores-da-ufmg-em-bh-desenvolvem-vacina-que-utiliza-o-virus-da-influenza.ghtml

10. https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/2020/03/31/coronavirus-pesquisadores-da-usp-criam-ventilador-pulmonar-para-emergencias-feito-em-2-horas-e-15-vezes-mais-barato.ghtml

11. https://www.unifal-mg.edu.br/portal/2020/04/08/unifal-mg-produz-alcool-a-70-inpm-para-doacao-as-unidades-do-sus-de-alfenas-a-iniciativa-e-uma-parceria-entre-os-cursos-de-farmacia-e-quimica-com-apoio-de-empresas-privadas/

12. https://www.ufrgs.br/escoladeadministracao/2020/03/29/professores-da-ufrgs-lancam-projeto-de-auxilio-a-pequenas-e-medias-empresas/

13. https://www.ufrn.br/imprensa/reportagens-e-saberes/34601/acoes-da-ufrn-contra-o-coronavirus

14. https://noticias.ufsc.br/2020/03/ufsc-coordena-desenvolvimento-de-equipamentos-medicos-de-emergencia/

15. https://coppe.ufrj.br/pt-br/planeta-coppe-noticias/noticias/petrobras-apoia-coppe-ufrj-no-desenvolvimento-de-ventiladores

16. https://jornal.usp.br/ciencias/ciencias-exatas-e-da-terra/projeto-da-poli-permite-construir-ventiladores-pulmonares-90-mais-baratos-em-tempo-recorde/

17. https://ufmg.br/comunicacao/noticias/investimento-no-combate-a-covid-19-e-bom-para-a-saude-e-para-a-economia

18. http://agencia.fapesp.br/pesquisadores-buscam-teste-capaz-de-prever-risco-de-paciente-com-covid-19-evoluir-para-quadro-grave/32846/

19. https://www.ufpr.br/portalufpr/noticias/pesquisadores-da-ufpr-estudam-testes-rapidos-da-doenca-covid-19/

20. https://www.ufpr.br/portalufpr/noticias/ufpr-produz-desinfetante-de-maos-para-postos-de-saude-e-hospitais-do-sus-no-parana/

21. https://www.ufpi.br/ultimas-noticias-parfor/35925-coronavirus-curso-de-moda-produzira-mais-de-10-mil-mascaras-para-hu-ufpi

22. http://www.ufs.br/conteudo/65052-ufs-colabora-na-producao-de-protetores-faciais-em-impressoras-3d

23. https://www.ufsm.br/2020/03/31/ufsm-atua-na-producao-de-epis-para-protecao-contra-covid-19/

24. https://www.ufg.br/n/125553-instituto-de-quimica-produz-desinfetante-que-substitui-alcool-gel

[1] https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/2020/03/31/coronavirus-pesquisadores-da-usp-criam-ventilador-pulmonar-para-emergencias-feito-em-2-horas-e-15-vezes-mais-barato.ghtml

[2] Um exemplo dessas ações é a Portaria 1.122 do MCTIC, onde busca-se definir áreas, tecnologias e setores prioritários para o MCTIC. Contudo Chiarini et al (2020) mostram como a portaria é repleta de confusões de termos que, na verdade, levam a uma ausência de prioridade. Quando praticamente tudo é considerado prioritário, nada é de fato (CHIARINI et al, 2020).

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Autores: André Luiz da Silva Teixeira, Cirlene Maria de Matos e Lora dos Anjos Rodrigues
Professores do Instituto de Ciências Sociais Aplicadas