A pandemia e a desigualdade racial no mercado de trabalho

Segunda-feira, 23 de novembro de 2020

O processo escravista brasileiro deixou como herança a institucionalização do racismo. Tal fenômeno tem impacto em diversas áreas, dentre elas, o mercado de trabalho, uma vez que observamos diferenças salariais entre negros e brancos no exercício da mesma função, o que influencia diretamente a composição de renda da população negra, colocando essas pessoas em um grupo de vulnerabilidade social. De acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (Pnad Contínua) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), no quarto trimestre de 2016 a taxa de ocupação das etnias pretas e pardas ficaram abaixo da média nacional de 12%. Outro fato preocupante analisado na pesquisa é que a renda média da população negra equivale a 55% da remuneração recebida pela população branca. Além disso, diante de um quadro de recessão no mercado de trabalho, o grupo étnico declarado negro é fortemente afetado. Com o surgimento da doença pandêmica Covid-19, os resultados negativos na economia do país foram mais caros para os grupos marginalizados na sociedade.

Os efeitos da doença popularmente conhecida como coronavírus abalou não apenas a área da saúde, o que já foi de grande peso – vide os mais de 5 milhões de casos da doença no Brasil com o total de mais 160 mil mortes – mas também teve seus efeitos no cenário econômico, consequentemente, no mercado de trabalho. Até o momento, foram constatados 13 milhões de desempregados, um aumento de 561 mil pessoas em relação a 2019. De acordo com o Pnad Contínua, hoje são 82 milhões pessoas em uma ocupação e esse é o menor número relatado desde 2012. Nesse cenário pode-se observar também o aumento da desigualdade no mercado de trabalho entre brancos e negros, a maior desde 2012 conforme afirma o IBGE. Isso porque os efeitos da pandemia no mercado de trabalho atingiram mais os setores onde se têm a maior participação de pessoas negras, comércio – com a população negra compondo 45,2% contra 44,2% da população branca – e construção civil – com 50,2% de pessoas negras e 37,4% de pessoas brancas, de acordo com os da Relação Anual de Informações Sociais (RAIS).

 No segundo trimestre do ano de 2020, a taxa desemprego geral ficou em 13,3%.  Entre os desempregados 17,8% são pretos, 15,4 % pardos e 10,4% são brancos. Partindo para os setores mais impactados, o comércio foi o que sofreu mais, para o qual estima-se uma perda de 2,1 milhões de trabalhadores (-12,3%). Na área de alojamento e alimentação essa perda foi de 1,3 milhão (-25,2%). No serviço doméstico foram menos 1,3 milhão de trabalhadores (-25,2%) e no setor de construção foram 1,1 milhão a menos de trabalhadores (-16,6%). Conforme relata o IBGE, o desemprego entre os negros subiu 2,6% em comparação ao primeiro trimestre de 2020, contra 1,4% entre os pardos e 0,6% entre os brancos, fazendo com que a diferença entre brancos e negros ficasse em 71,2%, a maior taxa desde 2012, com uma taxa de 45,2%. Ademais, os negros tiveram a maior perda de participação no mercado. Foram 9,3% a menos de pretos, 9,8% a menos de pardos contra 7,2% a menos de pessoas brancas.

Mesmo as pessoas que conseguiram se manter no mercado de trabalho, diminuíram suas horas de trabalho. Diante desta situação, pessoas pretas passaram a trabalhar 16,9% a menos do que antes, enquanto pessoas pardas e brancas trabalharam, respectivamente, 15,2% e 13,1% a menos que antes. Isso afetou diretamente a composição da renda. Trabalhadores negros tiveram uma perda 21,8% de sua renda remuneradora, fazendo com que esse grupo de pessoas não tenha condições de arcar com serviços básicos de sobrevivência. Sendo assim, retomando os dados expostos, esse grupo afetado se viu obrigado a recorrer à informalidade, ou seja, trabalhos que não têm garantias de direitos trabalhistas e renda fixa. Essas discrepâncias são “a ponta do iceberg”, pois a previsão é que a situação piore com o fim do auxílio emergencial[1], já que os indivíduos negros são os que mais fazem uso deste auxílio. Sem uma renda mínima para se manter, esse grupo de pessoas terá sua vida negativamente afetada sem as mínimas condições de financiar o mínimo necessário para subsistência e saneamento básico.

 

Referências

BRASIL. Lei nº 13.979, de 6 de fevereiro de 2020. Dispõe sobre as medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus responsável pelo surto de 2019.

BRASIL. Medida Provisória nº 1.000, de 2 de setembro de 2020. Institui o auxílio emergencial residual para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus (covid-19) responsável pelo surto de 2019, a que se refere a Lei nº 13.979, de 6 de fevereiro de 2020.

CARTA CAPITAL. Disponível em: <https://www.cartacapital.com.br/economia/ibge-pretos-ou-pardos-sao-63-7-dos-desocupados > Acesso em: 10/11/2020

ECONOMIA UOL. Disponível em: <https://www.google.com/amp/s/economia.uol.com.br/noticias/redacao/2020/09/16/desemprego-pandemia-negros.amp.htm> Acesso em: 09/11/2020.

IBGE. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Disponível em: <https://ww2.ibge.gov.br/home/presidencia/noticias/04062004pmecoreshtml.shtm>Acesso em: 08/11/2020.

PNAD. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua. Disponível em: <https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-sala-de-imprensa/2013-agencia-de-noticias/releases/29322-pnad-continua-taxa-de-desocupacao-e-de-14-4-e-taxa-de-subutilizacao-e-de-30-6-no-trimestre-encerrado-em-agosto-de-2020#:~:text=Pr%C3%B3ximas%20divulga%C3%A7%C3%B5es-,PNAD%20Cont%C3%ADnua%3A%20taxa%20de%20desocupa%C3%A7%C3%A3o%20%C3%A9%20de%2014%2C4%25,encerrado%20em%20agosto%20de%202020> Acesso em: 08/11//2020.

 


[1]  O auxílio emergencial é um apoio financeiro aprovado pelo Governo Federal concedido a indivíduos que estejam dentro de um perfil estipulado pelo Estado para receber o benefício. Esse auxílio tem por objetivo mitigar os danos causados pela doença pandêmica Covid-19.

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Autora: Bárbara Cristina Vicente Fernandes
(mestranda do Programa de Pós-Graduação em Economia)
Instituto de Ciências Sociais Aplicadas