Estudantes que não abrem a câmera fecham portas

A entrada na vida acadêmica é uma ruptura para as os ingressantes. No ensino médio, o processo de ensino-aprendizagem é controlado e assistido; no ensino superior, as/os estudantes têm muita liberdade e autonomia e se deparam com outras formas de ler, de escrever e de reportar o que estudaram.

Entretanto, as regras de funcionamento deste espaço formativo, ao qual acabaram de chegar, nem sempre lhes são claras. Os prazos são imprecisos. As informações são de difícil acesso e, às vezes, contraditórias. Nem todos os recursos à disposição das/os estudantes lhes são explicitamente indicados. As convenções são mais pressupostas que evidentes. Docentes exigem o que não ensinam. A dinâmica universitária é mais insinuada que ensinada.

Daí a importância da afiliação institucional e da integração social e acadêmica. Somente por meio do contato social constante com colegas de sala, com veteranos, com graduandos de outros cursos, com servidores técnico-administrativos e com docentes, as/os calouras/os se tornam metodologicamente habilidosos, cientificamente analíticos, intelectualmente curiosos, sofisticados culturalmente e cientes das oportunidades a que têm direito. Enfim, afiliar-se e integrar-se é o meio pelo qual se passa a fazer parte deste universo e se desfruta do que a universidade pública (ainda) tem a oferecer. Sem interação social e acadêmica, a chegada à vida universitária é um salto de paraquedas num território desconhecido, sem mapas nem bússola (e sem GPS e wifi, eu sei).

A pandemia, entretanto, representou um obstáculo imenso à filiação e à integração. A necessidade sanitária do isolamento social diminuiu muito as chances do estabelecimento de laços sociais e acadêmicos. O ensino remoto, única alternativa, não é o ambiente ideal para interatividade; é apenas a solução atual para transmissão de conhecimento.

Há um agravante: as/os estudantes não abrem suas câmeras ao participarem das aulas! Alguns, claro, por dificuldades materiais. Mas boa parte simplesmente opta por não se expor. Docentes se queixam, com razão, que essa negação prejudica seu árduo trabalho: não sabem se estão sendo ouvidos, compreendidos, se estão no ritmo adequado; enfim, não obtêm retorno e, às vezes, nem sabem se ainda estão conectados. Ministram uma aula no escuro (até porque falam para uma tela preta e inerte).

Quando fui estudante de graduação, fui rejeitado em várias seleções para bolsa, estágio, programas de aprimoramento e mestrado. Não por insuficiência técnica ou inapetência científica, pois sempre chegava à etapa final, a tal “entrevista”. Na prática, a entrevista é uma avaliação do grau de afiliação e integração discente. Quando meus próprios professores começavam a entrevista pela pergunta “você é o…?” eu já sabia que seria inútil responder às seguintes. Ser estudante trabalhador me causou integração e interação escassas, cujo resultado era meus próprios professores me perguntarem quem eu era. Anos depois, compreendi que não era infortúnio pessoal, mas produto das complexas relações entre circunstâncias individuais e estruturas sociais intrauniversitárias.

Neste sentido, abrir a câmera é fundamental para o sucesso acadêmico discente. Como uma estudante que nunca aparece espera ser lembrada? Como será reconhecida sem, antes, ser conhecida? Esconder-se atrás de telas pretas e microfones mudos tem consequências: estudantes invisíveis não usufruem de oportunidades. Como se incorporar a este espaço se a ponte básica para ele – a autoimagem – não é construída? Essa “inexistência voluntária” é uma porta que as/os estudantes fecham para si mesmos. Se a vaga que batalharam para conquistar não é assumida de forma ostensiva, como obter os benefícios associados a ela?

Por isso, sempre recomendo às/aos estudantes: se puderem, abram a câmera! Apareçam! Interajam! Apresentem-se! Exponham-se! Questionem, argumentem, marquem presença. Participar de um grupo supõe, entre outras coisas, ver e ser visto. Pertencer é ser recordado, cogitado, considerado. Integrar-se é ser parte identificada do todo. Demarcar a presença, tornar-se conhecido, estabelecer laços; lembrar e ter seu nome lembrado. Fechar a câmera, por outro lado, é recusar o vínculo, o laço, a amizade, a aprendizagem das regras do jogo e o contato com a professora. É deixar de se tornar estudante universitário para seguir sendo aluno.

 

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Thiago Antônio de Oliveira Sá

Professor do Departamento de Ciências Humanas do Instituto de Ciências Humanas e Letras (ICHL)