Estudo analisa a expansão da cafeicultura em Alfenas após as transformações socioespaciais provocadas pela implantação do Lago de Furnas

Para aqueles que permaneceram na zona rural, produzir café foi a alternativa encontrada para recomeçar

Quando o Lago de Furnas invadiu as terras de Alfenas-MG e região, novas histórias começaram a ser escritas. Entre as consequências da mudança abrupta na paisagem estão aquelas voltadas para a Geografia Agrária e o impacto nas propriedades rurais. Esse é o pano de fundo de uma pesquisa que buscou compreender as transformações socioespaciais do município de Alfenas, com ênfase na expansão da cafeicultura, pós-inundação das áreas rurais atingidas pelo Lago de Furnas.

Tamyris Costa (à esquerda) é autora da pesquisa, desenvolvida sob a orientação da professora Ana Rute do Vale (à direita), junto ao Programa de Pós-Graduação em Geografia. (Fotos: Arquivo Pessoal)

Fruto da dissertação de Tamyris Maria Moreira da Costa, defendida junto ao Programa de Pós-Graduação em Geografia (PPGeo) da UNIFAL-MG, o estudo contou com a orientação da professora Ana Rute do Vale (Instituto de Ciências da Natureza) e foi desenvolvido entre fevereiro de 2021 a março de 2023, tendo sido financiado pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (FAPEMIG).

Para investigar a realidade local das propriedades rurais, a pesquisadora começou levantando dados do IBGE e em documentos históricos do Centro de Documentação (Cedoc) da Universidade. O objetivo era conhecer os desafios enfrentados pelo município de Alfenas e como a reestruturação ocasionada a partir da cafeicultura aconteceu ao longo dos últimos 60 anos. Em seguida, elaborou mapas de uso do solo com o auxílio da plataforma MapBiomas, a fim de identificar a evolução das áreas com plantações de café em um recorte temporal que foi de 1985 a 2020.

O trabalho de campo ocorreu nos bairros rurais de Muquirana, Mandassaia, Harmonia, Bom Retiro, Distrito de Barranco Alto, Muzambo, Pinheirinho e no Condomínio Tangará, quando entrevistas foram realizadas com cafeicultores que vivenciaram as transformações, o que permitiu compreender os impactos das mudanças, como as próprias possibilidades no avanço da lavoura de café no município ao longo dos anos.

Mapa da distribuição espacial do café no município de Alfenas (1985-2021). (Imagem: Arquivo/Dissertação Tamyris Costa)

“Através das entrevistas com os cafeicultores que vivenciaram as transformações, pode-se perceber avanços na cafeicultura como inserção de maquinários, redução de mão de obra e ampliação de áreas com lavoura”, comenta.

Segundo Tamyris Costa, a motivação para pesquisa surgiu a partir da própria vivência familiar em produzir café. “Desde muito jovem, acompanho o processo do cultivo e manejo na propriedade dos meus avós, tios e dos meus pais, e por conhecer as demandas e a representatividade da cafeicultura, escolhi compreender na teoria, o que vivo na prática”, conta.

Pausas, pesar e resiliência
Mapa Cafeicultura nos bairros rurais inundados por Furnas em Alfenas. (Imagem: Arquivo/Dissertação Tamyris Costa)

No estudo, a pesquisadora elenca as novas relações estabelecidas a partir do processo de inundação das terras agricultáveis de Alfenas e da região. “A mudança na paisagem e a perda de residências e de memórias afetivas impactaram a vivência dos moradores, pois o lago atingiu um nível maior do que os rios que passavam próximos aos bairros rurais analisados”, comenta.

“Muitos agricultores observaram diante de seus olhos as águas preenchendo as várzeas de arroz, o gado remanejado, o paiol cheio de espigas de milho sendo esvaziado às pressas e famílias saindo de suas casas com a água do lago na porta da sala, uma vida de trabalho, cultivando para permanecer no campo, transformada em poucos anos”, relata.

A pesquisadora ressalta que nos relatos dos cafeicultores que vivenciaram as transformações do Lago de Furnas foram encontradas pausas, pesar e resiliência. “Para muitos destes entrevistados, não existia a possibilidade de deixar de cultivar a terra, a solução estava na força de retomar, a partir do que restara”, narra. “Aos poucos, com instrução técnica, auxílio de outros agricultores, inserção de insumos e fertilizantes, mudança da lavoura e técnica, o modo de vida retornava ao habitual”, acrescenta.

Tamyris Costa explica que para alguns entrevistados a cafeicultura era uma opção viável, já que o lucro era maior. “Os que investiram nesta lavoura melhoraram a situação financeira, outros agricultores, que já deixaram de produzir o café, afirmaram que durante o período de produção estavam satisfeitos, deixando o manejo apenas pela dificuldade de cuidar da lavoura”, enfatiza.


Consolidação da cafeicultura em Alfenas e sua cadeia produtiva

Conforme Tamyris Costa, a cafeicultura foi identificada como alternativa de subsistência para aqueles que continuaram vivendo na zona rural. “As colinas foram desbravadas, pois eram terras férteis, e a partir de então, o manejo do café ganhava relevância em Alfenas”, compartilha.

Lavoura de café no bairro rural Muquirana de Alfenas. (Foto: Arquivo/Dissertação Tamyris Costa)

No que diz respeito à dinâmica produtiva do café, dois segmentos agrícolas foram caracterizados pela pesquisadora, com base em dados do IBGE. O primeiro é o da agricultura familiar, representada por 161 estabelecimentos rurais (61%), ocupando 1.015 hectares (8,5%) e o segundo, o da agricultura não familiar, com 103 estabelecimentos rurais (39%), em 10.962 hectares (91,5%).

“Esses agricultores familiares retiram do trabalho na terra o sustento para manterem as necessidades básicas da família e as despesas da produção. No entanto, a autonomia e segurança financeira, não só dos agricultores familiares, perpassam pela volatilidade de mercado e exigências no manejo”, comenta.

A acadêmica também aponta a especialização produtiva do café como um fator preocupante, tendo em vista as oscilações econômicas e ambientais recorrentes, uma vez que a organização da produção familiar encontra mais dificuldades em relação aos grandes proprietários. Segundo ela, a especialização da produção de café promoveu abertura para o capitalismo e criou novas frentes para sua expansão e investimento.

Lavoura de café no distrito de Barranco Alto. (Foto: Arquivo/Dissertação Tamyris Costa)

“Houve a desvalorização dos agricultores que cultivavam alimentos, a mão de obra reduziu, pois a inserção de maquinários no campo retirou o trabalho braçal, e assim, a aceleração dos ciclos de produção e circulação, com as novas tecnologias empregadas no campo, desencadearam a dialética, do modo de produzir tempo de trabalho e a ação da própria natureza, esta última, ainda podendo intervir com suas intempéries e alterar a certeza de boas colheitas”, argumenta.

Outro ponto de destaque da pesquisa tem a ver com a desigualdade de gênero. “É perceptível a desigualdade de gênero não somente no quesito posse das terras e escolaridade, como também no trabalho da mulher, que aparece com maior frequência neste campo masculinizado na época da colheita e secagem do café nos terreiros cimentados”, explica.

Tamyris Costa complementa que um dos diferenciais da pesquisa está no fato de que não existia um estudo sobre essa temática envolvendo as mudanças causadas pela implantação do Lago de Furnas na perspectiva dos produtores rurais de café. “Até o momento, não existia um estudo sobre esse tema que retratasse as transformações socioespaciais do município, a partir de um marco tão importante quanto a implementação da usina hidrelétrica de Furnas, no Sul de Minas, e a consequente inundação por seu Lago em terras rurais alfenenses que provocaram modificações econômicas, com a consolidação da cafeicultura e sua cadeia produtiva, interferindo na relação campo-cidade, já que o intenso processo de urbanização também se refletiu no desenvolvimento de atividades comerciais, de serviços e industriais, além da importância regional de Alfenas”, afirma. 

Tabela: IBGE Censo agropecuário | Gráfico: Coleção 6 do Projeto MapBiomas. Ambos elaborados por Tamyris Costa.

De acordo com a acadêmica, retomar os fatos históricos e os elementos geográficos de Alfenas, um município consolidado nos moldes do século XIX, evidenciou uma riqueza de detalhes, explicações e questionamentos que contribuíram para o conhecimento dela, como pesquisadora, e também aos leitores interessados em aprofundar estudos sobre o tema. “Ao buscar o entendimento aprofundado deste tema, conclui-se que a consolidação do Lago de Furnas e a ascensão da cafeicultura possuem um saldo concretizado a grande custo para o município”, contextualiza.

“Além da expectativa e o receio do Lago, a alternativa plausível para os agricultores era a retomada com o trabalho e permanência nas terras. Já no século XXI, apesar da forte presença da agricultura familiar, é a agricultura não familiar, representada pelos grandes proprietários e grupos especializados, que tem ampliado suas áreas de cultivo em Alfenas e a tendência é que o setor concentre cada vez mais capital, excluindo os agricultores familiares, incapazes de tais investimentos”, finaliza. 

O estudo “Cafeicultura e transformações socioespaciais no município de Alfenas-MG pós-inundação pelo Lago de Furnas” pode ser acessado na íntegra no repositório da Biblioteca Digital de Teses e Dissertações da UNIFAL-MG, neste link.