Notas inquietas sobre tecnologia e reprodução capitalista

Cínthya Bastos Ferreira¹

Tecnologia, dependência e colonialidade

A questão da tecnologia é fundamental para a compreensão das dinâmicas do capital em movimento (HARVEY, 2018). No entanto, antes de assumir a tecnologia como categoria translúcida ou dado a ser inferido pela bagagem sociocultural reinante, cabe a problematização acerca de seus significados. Nesse sentido, identifica-se quatro variações principais: 1) uma ligada à sua etiologia, circunscrevendo a tecnologia como teoria da técnica; 2) uma associada ao uso social corrente do termo, que propaga uma equivalência entre tecnologia e técnica, tornando estas intercambiáveis; 3) como desdobramento da perspectiva anterior, outra que localiza a tecnologia como conjunto de todas as técnicas de que dispõe uma sociedade em particular; 4) por último, encontra-se a tecnologia como ideologização da técnica (VIEIRA PINTO, 2005).

No bojo destas discussões, a técnica, como par dialético da tecnologia, se insere enquanto expressão do sociometabolismo entre sujeito e natureza, no processo de produção das condições materiais e espirituais de existência, nos fluxos do trabalho. Por extensão, a objetivação da subjetividade em instrumentais diversos e diversamente instrumentalizados na realidade historicamente situada, aponta para a inescapabilidade da técnica quando se aborda a presença de agrupamentos humanos. Sendo assim, contesta-se a hipótese de que os povos empobrecidos não possuem técnica – suposição insustentável, porque, se assim o fosse, não existiriam; pois, toda sociedade possui a técnica que lhe permite organizar-se no estado em que vive –, bem como se associa a gênese e disseminação desta premissa ao pensamento colonizador, que adota por padrão de valor máximo a técnica da sociedade dominante.

A esse respeito, os conceitos de colonialidade do poder e de colonialidade do saber (QUIJANO, 2005) ocupam um lugar nuclear, sendo que o primeiro conceito chama a atenção para um processo “ocidentalização do imaginário”, ao passo que o segundo designa a repressão com relação a outras formas de produção de conhecimento que não aquelas europeias-centradas. Ou seja, são conceitos que reservam a si uma singularidade, mas que estão intimamente articulados pelo vetor mais amplo da colonialidade enquanto fruto da dinâmica do colonialismo, que domina e subjuga, em um primeiro momento, pela violência direta e, depois, faz-se persistir por suas reverberações no campo simbólico e por suas reconfigurações contemporâneas que espraiam modos de subordinação menos óbvias, mas, nem por isso, menos incisivas.

Tendo em vista tais ressalvas, mais do que diferenças de graus de desenvolvimento (concepção quantitativa), há diferenças nos modos de desenvolvimento (concepção qualitativa) ao largo do globo – embora prevaleça a coexistência combinatória entre quantidade e qualidade, não sendo estas mutuamente excludentes. A multiplicidade cultural que caracteriza a humanidade revela dinâmicas e prioridades sociais dissemelhantes, ligadas a inúmeros fatores que deságuam em organizações sociais singulares, com espaço para o comum e para o irredutível a outras organizações sociais. Neste ínterim, merece menção o fato óbvio, mas não raro negligenciado, de que nada emerge no vácuo e, neste caso, vislumbra-se que a multiplicidade é alocada desde um prisma em que se prevaleceu o etnocentrismo (CARVALHO, 1997) e seus impactos em termos das condições de (auto)valorização dos povos subalternizados econômica e subjetivamente (FANON, 2008).

Por outro lado, se se partisse de uma concepção com destaque a elementos pretensamente quantitativos, haver-se-ia de se equacionar as desigualdades que perpassam os fluxos internacionais que conformam obstáculos ao desenvolvimento do denominado Sul global – aquele cuja existência carrega consigo a mácula da escravização, em interface ao estigma do atraso. Nesse sentido, o Sul global se entrelaça conceitualmente à periferia do sistema capitalista, historicamente constituída enquanto provedora dos subsídios necessários para o alavancamento das economias centrais (PRADO JÚNIOR, 1981), de modo que estas, longe de se desenvolverem por geração espontânea, tiveram seu desenvolvimento calcado na expropriação de valor das regiões periféricas: por isso, além de se dizer de divisão internacional do trabalho e de tecnologia genericamente, diz-se de uma divisão e de uma tecnologia pautada em hierarquias que determinam o maior ou menor grau de soberania das diferentes regiões e de suas produções (OSORIO, 2018).

Isso posto, defende-se aqui que, ao invés de uma correspondência entre técnica e tecnologia e ao invés de uma teoria da técnica que traduziria o (suposto) real com fidedignidade inconteste, a tecnologia é, acima de tudo, um arranjo ideológico sobre a técnica, cuja atuação tende a despir o caráter relacional da tecnologia, isto é, cuja atuação busca dissociá-la da totalidade. Por essa via, vislumbra-se um esforço de ocultar as forças em embate nas sociedades de classes, reafirmando a neutralidade dos objetivos societários perseguidos/concretizados e inflamando uma visão reificada e fetichista da tecnologia, de modo que se fermenta, ainda, uma concepção homeopática da tecnologia (VIEIRA PINTO, 2005), centrada na crença de que só ela poderia salvar o mundo dos conflitos que ela própria desencadeia.

A alienação tecnológica, nesse sentido, contribui com e reafirma a colonialidade (CASSINO, 2021), em especial, em uma realidade regida pelas tecnologias de informação e comunicação (TIC), tal qual se revela a atualidade neoliberal. De tal modo alienado, o desenvolvimento tecnológico assume contornos que passam: 1) pela presunção da imparcialidade da tecnologia, que seria apenas um meio ou instrumento isento de valores ou interesses particulares; 2) pela convicção de que os contratos formalmente dispostos ou vinculados pelas gigantes da tecnologia não se desviam ou se alteram no plano do vivido; 3) pela indistinção dos efeitos que a coleta massiva de dados das populações têm nos países  centrais e nos periféricos; 4) pela inferência fatalista que atesta a impossibilidade de desenvolvimento científico e computacional local (SILVEIRA, 2021).

Resgatando Marx: tecnologia e desenvolvimento das forças produtivas

Ao retomar aspectos do pensamento marxiano, salta-se aos olhos aproximações diversas em relação ao tema aqui em pauta. Contudo, a atenção direcionada à atuação da tecnologia na realidade social, pelo crítico da economia política, não implica que as análises empreendidas sejam completas ou incontestáveis – daí a importância de se reconhecer contribuições, mas de, concomitantemente, localizá-las concretamente no campo do então possível a ser delineado, uma vez que todos/as nós somos conformados/as historicamente, ou seja, ninguém se coloca além ou aquém de seu tempo.

Traçadas estas ponderações, em O Capital, nos seus volumes I, II e III, é justamente o papel da tecnologia e da ciência em relação à valorização do capital e à produção de mercadorias que ganha ênfase analítica, ainda que se identifiquem lacunas sobre as tecnologias de circulação, distribuição ou reprodução social (HARVEY, 2018). No entanto, tem-se que Marx tinha bons motivos para assumir esta posição relativamente comedida, pois mudanças técnicas e organizacionais tendem a ocorrer em todo lugar, a todo o tempo e por vários motivos na história das sociedades. A questão em xeque é que algumas dessas novas técnicas e formas organizacionais persistem, enquanto outras não; isto é, nem toda mudança é estável a ponto de tornar-se estruturante.

Quanto a isso, pode-se mencionar que a China antiga teve um longo percurso de inovações técnicas e organizacionais, embora nenhuma delas tenha se mostrado duradoura ou amplamente adotada. E é desfiando este apontamento que se chega a uma elaboração fulcral: “é somente sob o regime capitalista que se encontra uma força sistemática e poderosa impulsionando o dinamismo tecnológico, com efeitos duradouros e acumulativos” (HARVEY, 2018, p. 86). E isso por quê? Em linhas gerais, porque sob o capitalismo, o processo produtivo é moldado pela busca perpétua por mais-valor e, mais especificamente, por mais-valor relativo, atrelado a transformações técnicas que incrementam as forças produtivas.

Em suma, os capitalistas sem concorrência uns com os outros vão vender as suas mercadorias a um preço social médio, associado ao tempo de trabalho socialmente necessário de sua produção (MARX, 1983). Contudo, aqueles proprietários que possuem uma tecnologia ou forma organizacional diferencial e superior (em termos de eficácia e eficiência) em sua produção, têm lucros extras (ou seja, mais-valor relativo), por produzirem a mercadoria a um custo menor e a venderem pela média social.  Em sentido oposto, os que lançam mão de tecnologia ou forma organizacional inferior obtêm lucros menores ou mesmo prejuízos, sendo, por isso, forçados a adotar novos métodos, a fim de evitar o risco da falência ou de serem adquiridos por aqueles que estão à frente no mercado.

Nesse sentido, a tecnologia e a inovação conduzem a uma generalização de si mesma como condição de manutenção da sobrevivência no mercado concorrencial. Aqueles produtores em situação mais vantajosa têm um incentivo para adotar métodos sempre melhores, de modo a garantir a sua fatia no mercado e aumentar os lucros extras. Resumindo, portanto, quanto maior a disputa ou mais intensa a corrida pela liderança no mercado, maior a probabilidade de ocorrer saltos de inovação, já que, se uma empresa passa à frente, as outras são impelidas a alcançá-la ou ultrapassá-la, a fim de garantir sua continuidade.

Contudo, faz-se necessário levar em conta um cenário outro, em que, por vezes, condições de monopólio ou oligopólio, em vez da concorrência, predominam no âmbito socioeconômico. Este é um cenário potencialmente capaz de atenuar a força motriz por detrás do dinamismo tecnológico, no entanto, há outros incentivos, além daqueles da concorrência, para que sejam adotadas novas tecnologias. Nesse quesito, inovações são concebidas também no sentido de desempoderar a classe trabalhadora (BIHR, 1998), tanto no mercado quanto no transcurso do processo de trabalho. Dito de outra maneira: tecnologias são instrumentais constantemente manejados para diminuir a capacidade de barganha dos/as trabalhadores/as.

Destarte, o que se presume é que, independentemente do estado que se encontra o pêndulo entre concorrência e monopólio, assegurar uma dinâmica contínua de mudança tecnológica e organizacional é interessante do ponto de vista do capital, uma vez que este precisa se movimentar para se realizar. Quanto a isso, é possível, à título de exemplo, remontar à crise capitalista do final da década de 1970, com a quebra e a insustentabilidade do pacto fordista então prevalecente, e a maneira como a abertura do comércio pra uma estrutura globalizada de concorrência foi adotada como solução, ainda que parcial e contraditória, para se retomar um projeto de dominação societal sob o jugo do capital (ANTUNES, 2000).

Isso posto, e regressando outra vez mais ao diálogo com o pensamento marxiano sobre o desenvolvimento tecnológico, faz-se necessária a tessitura de ponderações quanto à ideia comumente propagada de que Marx seria um “determinista tecnológico”. Dentro desse tema, não só os críticos de Marx, mas inclusive autodesignados marxistas postulavam que Marx pressupunha um desenvolvimento tecnológico ilimitado e que propagava o domínio absoluto sobre a natureza como um triunfo do gênero humano (SAITO, 2021). Por isso, estaria posto um pretenso utopismo tecnológico em Marx, o qual o impediria de identificar e de compreender a dialética que acabaria engendrando retaliações da natureza sob o predomínio do produtivismo.

Quanto a isso, e em direção oposta, nota-se já nos denominados Cadernos de Paris, de 1844, o afloramento da problemática ecológica (SAITO, 2021), principalmente na teoria sobre a alienação, que remonta criticamente à dissolução da unidade entre seres sociais e natureza pela hegemonia da propriedade privada. Mais do que isso, no próprio rol de elaboração da sua economia política, a problemática referente à insustentabilidade ambiental surge como uma barreira imposta ao processo de valorização do capital e, nesse sentido, a crise ecológica é uma crise e uma contradição do próprio capital que, ao buscar sua valorização contínua, destrói suas próprias condições materiais e se confronta com os limites da natureza.

Mais do que isso, o que é sublinhado pelo autor de O Capital diz respeito à tendência de o trabalho morto gradativamente substituir o trabalho vivo (MARX, 1983). Nesse sentido, assevera-se que as condições materiais para a transformação estrutural das sociedades capitalistas já estão postas nelas mesmas. Entretanto, é preciso levar em conta que com base apenas no desenvolvimento da das forças produtivas não há possibilidade de um empreendimento revolucionário ser levado a cabo (HARVEY, 2018; MARCUSE, 2019), já que não se apresenta como possibilidade concreta que cada ser social lance mão do seu tempo, porque assim como a apropriação da produção de mercadorias, a apropriação do tempo disponível, no capitalismo, é privada. Isto é: a diminuição do tempo necessário para a produção de mercadorias não se traduz em mais tempo livre a ser desfrutado pela classe trabalhadora, porque enquanto houver uma sociedade cindida em classes sociais, o que prevalece não é o valor de uso, mas o valor de troca.   

Capitalismo de plataforma, dataficação e mundo do trabalho

A sociabilidade capitalista é conformada por continuidades e rupturas, as quais se vinculam com o próprio movimento do real em sua complexidade. O capitalismo contemporâneo não é o mesmo que aquele emergente com a dissolução feudal, assim como não coincide com o capitalismo mercantil ou com o industrial, ainda que traços de um ou de outro permaneçam e se reinventem no presente. Condições histórico-concretas, que remontam às dinâmicas econômicas, sociais, culturais, políticas, inter e intrassubjetivas, amalgamam-se no enquadre mais ou menos estável da realidade. No entanto, as mutações substanciais a que se assiste no decorrer da história ainda se dão no bojo do capitalismo ele mesmo, sendo seu núcleo duro preservado: a propriedade privada dos meios de produção e a cisão por classes sociais. Sendo assim, se as continuidades são parciais, também as são as rupturas com relação a si próprio enquanto sistema que preza pela valorização do valor.

Ao apresentar a extração, a classificação e a interpretação de dados como parte indispensável do capitalismo em sua forma história atual, abre-se margem para perscrutar os componentes coloniais a ele inerentes. A esse respeito, considera-se o colonialismo menos a partir de uma ideia de invasão militar visando a dominação pela força e pela imposição, e mais como um processo de utilização de vantagens e desvantagens estruturais no exercício de influência política, jurídica e comportamental. Se outrora era possível pensar em termos de distinção entre um “mundo real” e um “mundo virtual”, hoje essas divisas formam um amálgama complexo, em que os fluxos de informação se interpenetram, resultando na apropriação da vida cotidiana via codificação extensiva e intensiva dos dados produzidos pelas populações, em um cenário em que dados são recursos à serviço da acumulação de capital e que o acesso a eles se dá de modo predatório pelas corporações.

Neste esteio, embora a economia digital seja associada ao reino do imaterial, há de se ater às infraestruturas que a sustenta e que tanto se distanciam da aura imaculada e desencarnada de progresso que disseminam. Para partir do básico, a existência deste estado de coisas, movido pelas TICs, não prescinde de materialidade. O complexo industrial (micro)eletrônico não se fincaria sobre os próprios pés se as práticas extrativistas de metais diversos (como lítio e estanho, por exemplo), não o subsidiasse; se água e energia não fossem largamente consumidos no trajeto de fabricação dos artefatos tecnológicos, se combustíveis fósseis não fossem utilizados e não permitissem o cumprimento logístico, se trabalhadores/as não atuassem no descarte ou na reciclagem de lixo eletrônico, e assim por diante.

Por conseguinte, a digitalização da vida, mais do que abstração, é fruto de relações sociais concretas com lastros materiais, que envolvem a apropriação de matérias-primas e sua repercussão no nível de salubridade da vegetação, do ar e da água da região, as disputas geopolíticas e suas articulações com conflitos bélico-militares e os fluxos de trabalho vivo em distintas etapas da cadeia de produção, de distribuição e de circulação, com efeitos diversos sobre as condições gerais de vida, que permitem a alusão ao racismo ambiental (JESUS, 2020) e à necropolítica (MBEMBE, 2018) como uns dos nexos que permeiam o colonialismo contemporâneo. Sendo assim, o imaterial oculta justamente a exploração massiva da natureza, do trabalho e, em suma, da existência.

O enraizamento destas novas configurações institucionais, aparentemente aderidas por todos/as livremente, invisibiliza a ausência de reciprocidades estruturais (ZUBOFF, 2018) entre as empresas e suas tecnologias, por um lado, e as populações às tecnologias vinculadas, por outro. Nesse sentido, a ausência de reciprocidades estruturais exprime a proeminência de termos definidos unilateralmente, os quais minam com os contratos que previam, ao menos parcialmente, a participação e a agência dos sujeitos envolvidos. Mesmo, e quiçá principalmente, em tal circunstância de assimetria, os indivíduos passam a depender das novas ferramentas de informação e comunicação como recursos indispensáveis na batalha diária por uma vida mais eficaz. Somado a isso, as novas ferramentas, redes sociais, aplicativos, plataformas e mídias diversas passam a se tornar requisitos para a participação social em diversos âmbitos, o que produz uma sensação de inevitabilidade.

De modo geral, identifica-se três tipos de plataformas de trabalho (WOODCOCK, GRAHAM, 2022), que se capilarizam no tecido social e, não raro, se apresentam como alternativa única ante a um cenário de precarização estrutural: 1) plataformas que requerem uma localização específica dos/as trabalhadores/as (como no caso da iFood, Rappi, Uber e demais semelhantes), sendo este um tipo de trabalho que possui similitudes com os trabalhos que precedem as plataformas digitais  – como pedir um táxi ou entregar uma refeição, por exemplo –, mas que é irredutível a estes, dadas as diferenças no gerenciamento por meio de aplicativos pautados no controle algorítmico e gameficado; 2) plataformas de microtrabalho ou crowdwork, caracterizadas principalmente pelo trabalho de treinar dados para a chamada “inteligência artificial”, a partir do reconhecimento ou da transcrição de imagens, por exemplo; 3) plataformas freelances, de cloudwork ou macrotrabalho, que reúnem tarefas diversas, que podem ser realizadas de qualquer ponto do globo.

À vista deste cenário, de aniquilamento de direitos sociais e de ascensão do trabalho disperso e flexível, mas minuciosamente monitorado em uma economia de polimento de dados e de regulação algorítmica, demanda-se dos sujeitos modulações contínuas em suas performances, as quais passam a dialogar com temporalidades e espacialidades outras, que desviam do padrão mobilizado pelas sociedades disciplinares e, mais do que isso, acionam o imperativo do engajamento subjetivo (ZARIFIAN, 2002) como artifício de (auto)responsabilização, sem contrapartida das empresas-aplicativos, da massa de trabalhadores/as que devem encontrar-se continuamente em posição de prontidão, de modo que se circunscreve um apagamento das nuances entre tempo de trabalho e tempo de vida, com amplas consequências no que se refere aos processos de adoecimento físico e psicossocial dos/as trabalhadores/as (SAFATLE, SILVA JUNIOR, DUNKER, 2021).

Desse modo, vislumbram-se três principais movimentos de construção de alternativas ao cenário contemporâneo do trabalho mediado e subordinado por plataformas, de caráter reformista, dentro da ordem, mas também portadores de potenciais revolucionários no sentido de fomentar a formação política crítica e o engajamento popular: 1) a regulação do trabalho nas plataformas digitais como pauta reivindicatória; 2) a organização dos/as trabalhadores/as; 3) o desenvolvimento de novas lógicas de organização do trabalho, como o cooperativismo de plataforma. Assim, inquirir acerca das possibilidades e dos interesses em jogo na complexa interface entre tecnologia e trabalho torna-se um desafio a se percorrer a fim não só de elaborar um diagnóstico da realidade, como também e essencialmente, de entrever rotas outras para um reencantamento do mundo (FEDERICI, 2022).


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

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POELL, Thomas; NIEBORG, David; VAN DIJCK, José. Plataformização. Tradução: Rafael Grohmann. Revista Fronteiras – estudos midiáticos, v. 22, n. 1, p. 1-10, jan./abr. 2020.

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SAFATLE, Vladimir; SILVA JUNIOR, Nelson; DUNKER, Christian. Neoliberalismo como gestão do sofrimento psíquico. São Paulo: Autêntica, 2021.

SAITO, Kohei. O ecossocialismo de Karl Marx. São Paulo: Boitempo, 2021.

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WOODCOCK, Jamie; GRAHAM, Mark. Economia Gig: uma abordagem crítica. São Paulo: Editora Senac, 2022.

ZUBOFF, Shoshana. Big Other: capitalismo de vigilância e perspectivas para uma civilização da informação. In: BRUNO, Fernanda, CARDOSO, Bruno, KANASHIRO, Marta, GUILHON, Luciana e MELGAÇO, Lucas (org.). Tecnopolíticas da vigilância: prespectivas da margem. São Paulo, Boitempo, 2018.


Cínthya Bastos Ferreira é egressa do curso de Ciências Sociais (Licenciatura) da UNIFAL-MG. É graduada também em Psicologia pela PUC-MG, tendo atuado como monitora da disciplina Epistemologia da Psicologia, além de realizar estágios formativos no âmbito da educação e da saúde pública. Na UNIFAL-MG, foi bolsista nos programas de ensino Residência Pedagógica e Pibid; extensionista no projeto Observatório da Democracia, e desenvolveu pesquisas acerca da temática da prostituição e suas interfaces interseccionais, pelo Programa Institucional de Iniciação Científica Voluntária (PIVIC). Atualmente é membra do Grupo de Estudos sobre Trabalho e Tecnologia (GETT) da Instituição. Suas áreas de interesse são: estudos feministas, prostituição, sociologia do trabalho, psicologia social crítica, educação e ensino de sociologia, teoria marxista da dependência.

 

 

(As opiniões expressas nos artigos publicados no Jornal UNIFAL-MG são de inteira responsabilidade de seus autores e não refletem opiniões do Jornal UNIFAL-MG e nem posições institucionais da Universidade Federal de Alfenas).