6 de janeiro – Dia da Gratidão

Paulo César de Oliveira¹

Ao comemorar o “Dia da Gratidão”, relembro uma obra que li na minha juventude e que, até hoje, me acompanha: o “Tratado sobre a Gratidão” de São Tomás de Aquino, o maior pensador medieval.

São Tomás escreve que a gratidão é uma realidade humana complexa: “A gratidão é composta de diferentes graus. O primeiro consiste no reconhecimento do benefício recebido; o segundo em louvar e agradecer; o terceiro  em retribuir segundo as possibilidades e segundo as circunstâncias mais adequadas de tempo e lugar” (S. Th., II-II, 107, 2). Afirma, também, que a gratidão deve, pelo menos na intenção, superar o favor recebido, e que há dívidas que são, por natureza, impagáveis: as de uma pessoa em relação a outra e, sobretudo, as para com Deus. Os justos agradecem (S. Th. III, 85, 3 ad 2). Afirma, ainda, que a falta de gratidão, expressão de ignorância, é a ingratidão suprema e que, geralmente, quem não experimentou a gratidão percebe as relações humanas com utilitarismo.

Este ensinamento, aparentemente tão simples, pode ser encontrado nas diferentes formas como as linguagens são utilizadas para agradecer: cada uma acentuando um aspecto da realidade multifacetada da gratidão. Portanto, a gratidão possui três níveis. São eles:

  1. Nível superficial:é um nível racional, intelectual, frio e objetivo de reconhecimento ao outro por sua atitude;
  2. Nível intermediário:é aquele nível em que o sujeito dá graças e louva a quem lhe prestou algum benefício ou favor;
  3. Nível profundo: é quando o sujeito se compromete com a pessoa que lhe fez um bem ou um favor ou teve uma boa atitude. É um nível que vincula as pessoas.

Como bem lembrou o Professor Antônio Nóvoa (cf. https://www.youtube.com/watch?v=i5LK087ZwE4), alguns idiomas, como o inglês e o alemão, agradecem no primeiro nível da gratidão. ‘Thank you’ e ‘zu danken’ remetem ao reconhecimento no plano intelectual.

Já a maioria dos idiomas europeus agradece no segundo nível, como ‘merci’, do francês, ‘grazie’ do italiano e ‘gracias’, do espanhol, que expressam alguém que dá graças ou dá uma mercê, um agradecimento a outro.

No entanto, apenas o português possibilita agradecer no nível mais profundo da gratidão em apenas uma palavra. O “obrigado” traz o sentido da obrigação: ‘eu me obrigo com você por ter me feito isso…’. Gera o comprometimento mútuo, cria vínculos. Isto é, quando digo ‘muito obrigado’ significa que eu estou vinculado desinteressadamente a você.

A gratidão estabelece relações verdadeiramente humanas, supera o utilitarismo e constitui um estímulo excepcional para o bem-estar social. É uma expressão da maturidade humana que, ao manifestar-se, nutre-a e aumenta-a, despertando a mística do diálogo e da correspondência dos corações. De fato, as pessoas inclinadas à gratidão caracterizam-se por um maior sentimento de proximidade com os outros, o que as ajuda a construir redes de solidariedade credíveis que constituem um fator essencial para o bem-estar individual e social.


Paulo César de Oliveira é professor de Filosofia do Instituto de Ciêncais Humanas e Letras (ICHL) da UNIFAL-MG. Filósofo pela PUC-MG e teólogo pela PUC-RJ, o docente tem mestrado e doutorado em Filosofia pela Pontificia Università San Tommaso de Roma (Itália). Tem experiência na área de Educação, Filosofia e Teologia, atuando principalmente nos seguintes temas: Filosofia da Educação, História da Filosofia e Ética.