Dengue: “Ainda não temos um controle eficaz da transmissão e, mesmo com a inserção de novas tecnologias de prevenção, o cenário ainda é preocupante”, alerta pesquisador da UNIFAL-MG

A dengue é um grave problema de saúde pública no Brasil. Até o dia 21 de fevereiro, o painel de monitoramento do Ministério da Saúde acusava 715.665 casos prováveis da doença, com 135 óbitos confirmados e outros 481 em investigação. Mais da metade dos casos estão na região sudeste do país e Minas Gerais é o estado com mais casos, chegando ao número de 246.399 com um coeficiente de incidência de 1199,7 por 100 mil habitantes. O estado de Minas só está atrás do Distrito Federal, que chega ao coeficiente de 2922,2, sendo 82.321 casos.

Sobre o assunto, o Jornal da UNIFAL-MG conversou com o pesquisador Luiz Felipe Leomil Coelho, mestre e doutor em Microbiologia,  docente e pró-reitor adjunto de Pesquisa e Pós-graduação da Universidade. O entrevistado tem experiência na área de Microbiologia, com ênfase em Virologia, atuando, principalmente, nas áreas de desenvolvimento de novas vacinas para Flavivirus e Pseudomonas aeruginosa, nanovacinas, biologia molecular de Dengue vírus, identificação e atividade antimicrobiana de bacteriófagos, atividade antimicrobiana de produtos naturais e obtidos por química medicinal.

Confira a entrevista na íntegra a seguir:


Primeiramente, podemos considerar a dengue como um grave problema de saúde pública no sul de minas e no Brasil?

Luiz Felipe Leomil Coelho: Sim, é um grave problema. A dengue é uma virose transmitida por mosquitos do gênero Aedes sp. e, como temos casos ocorrendo em todo o território nacional, inclusive no sul de Minas, podemos considerar a doença como um dos mais importantes problemas de saúde pública. Dessa forma, os indivíduos, após a infecção, podem desenvolver sintomas que impedem as suas atividades produtivas, gerando, além do risco de morte por casos graves, um aumento da procura pelos serviços públicos e privados de saúde – elevam o custo de atendimento -, uma perda de econômica considerável para o país e prejudicando o atendimento de pacientes com outras doenças.

” A principal medida de controle e prevenção da transmissão de dengue é o controle da proliferação do vetor (mosquito) que pode transmitir, além da dengue e febre amarela, outros arbovírus emergentes tais como o chikungunya e o zika”

É de ampla importância a divulgação dos cuidados sanitários para evitar a proliferação do mosquito transmissor do vírus, tem outros aliados no combate à doença além da vacina?

Luiz Felipe Leomil Coelho: Conforme é do conhecimento de todos, o combate à dengue e outras arboviroses depende de muitos fatores. A principal medida de controle e prevenção da transmissão de dengue é o controle da proliferação do vetor (mosquito) que pode transmitir, além da dengue e febre amarela, outros arbovírus emergentes tais como o chikungunya e o zika. O controle vetorial, além do diagnóstico rápido e a assistência adequada aos casos, auxilia na redução de morbimortalidade por dengue. Além da vacina, que é umas mais atuais estratégias de controle da doença, novas estratégias e tecnologias de vigilância e controle vetorial são utilizadas para reduzir a infestação pelo mosquito e o risco de infecção, tais como a estratificação de risco intramunicipal, o monitoramento entomológico por ovitrampas, a borrifação residual intradomiciliar, utilização de estações disseminadoras de larvicidas, e liberação de mosquitos infectados pela bactéria Wolbachia.

Pode nos falar sobre as vacinas contra a dengue? São eficazes? Como elas agem no organismo humano?
Luiz Felipe Leomil Coelho: No Brasil temos, atualmente, duas vacinas aprovadas para uso em humanos. Ambas são vacinas produzidas a partir de vírus atenuados e previnem a infecção causada pelos quatro sorotipos do vírus. A primeira a ser aprovada foi a Vacina Dengvaxia do laboratório Sanofi-Pauster e a segunda, mais recentemente aprovada, é a Vacina QDenga, fabricada pela empresa Takeda. Os testes clínicos mostram que as duas vacinas possuem eficácia variável, dependendo do tipo de vírus, idade do indivíduo vacinado e sua condição sorológica prévia à vacinação.
De um modo geral, quando o indivíduo completa o esquema de vacinação, ele vai desenvolver anticorpos e células que serão capazes de protegê-lo de uma infecção. Para aqueles que já possuíam anticorpos antes da vacinação, observou-se uma eficácia ainda mais pronunciada. As taxas gerais de eficácia, considerando tanto indivíduos soronegativos quanto soropositivos antes da vacinação, são as seguintes:
Dengvaxia® (Sanofi) – até 25 meses após a terceira dose: cerca de 65% de eficácia para doença sintomática; 79% para dengue grave; 93% para dengue hemorrágica e mais de 80% para internação.
QDenga® (Takeda) – até 54 meses após a segunda dose: cerca de 63% de eficácia para doença sintomática de qualquer gravidade e 85% para internação.

Virologista Luiz Felipe Leomil Coelho, professor, pró-reitor adjunto de Pesquisa e Pós-graduação e pesquisador do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da UNIFAL-MG. (Foto: Arquivo/Dicom)

O início da vacinação em Minas Gerais está previsto para o mês de março e, por enquanto, conforme anunciado pelo Governo, apenas 22 cidades vão receber as doses e nenhuma do Sul de Minas. Essa demora pode agravar a situação da região?

Luiz Felipe Leomil Coelho:Essa decisão foi baseada em alguns fatores epidemiológicos e demográficos, uma vez que o quantitativo de vacinas não é suficiente para todas as regiões do Brasil. Nesse caso, como não havia vacina para toda a população brasileira, foi necessário realizar uma priorização da campanha de vacinação. Considerando as dimensões continentais do Brasil, a diferença nas taxas de transmissão em cada Região e o limitado quantitativo de doses da vacina disponíveis para o ano de 2024, foram selecionados municípios de grande porte (população maior ou igual a 100 mil habitantes), com alta transmissão de dengue no Brasil, incluindo os demais municípios das suas regiões de saúde de abrangência, independentemente do porte populacional, ordenados pela predominância do sorotipo DENV-2 (reemergência recente) e pelo maior número de casos no monitoramento dos anos de 2023 e 2024. Conforme estes critérios, há 176 municípios que, isoladamente, concentraram 48,2% dos casos prováveis de dengue no Brasil e 93,1% dos casos prováveis de dengue dentre os municípios de grande porte no período de 2013 a 2022. Vale ressaltar que moradores de outros municípios podem encontrar a vacina para dengue na rede privada.

Na rede particular, o preço médio da vacina fica entre R$ 300,00 e R$ 400,00. Sabendo que nem todo mundo tem condições de comprar, o alto preço e a demora para atendimento de todas as cidades do estado, pode ocorrer uma certa desigualdade de acesso e, com isso, os mais vulneráveis financeiramente serem colocados em maior risco?

Luiz Felipe Leomil Coelho: Sim. Por isso é importante que todos, independentemente do acesso à vacina, estejam conscientes que uma das mais eficazes estratégias para controle da doença é a eliminação dos focos de proliferação do mosquito. Essas ações, que são de baixo custo, podem fazer a diferença na cadeia de transmissão da doença e contribuírem para a redução de casos em todo o território.

“Ainda não temos um controle eficaz da transmissão e, mesmo com a inserção de novas tecnologias de prevenção (por exemplo, vacinas), o cenário ainda é preocupante. Faltam investimentos que possam melhorar as estratégias de monitoramento – como, por exemplo, o desenvolvimento de novas tecnologias de diagnóstico de baixo custo – e que possam diferenciar os casos de dengue de outras infecções por outros vírus (zika, chikungunya, febre amarela etc)”

A vacinação em massa contra a dengue é recente, no entanto, a vacina não é “nova”. No Brasil, a primeira foi aprovada em 2015, porém, ficou restrita a rede particular. Como avalia esse contexto?

Luiz Felipe Leomil Coelho: A vacina aprovada em 2015 (Dengvaxia – Sanofi) apresenta uma série de restrições em relação ao público alvo a ser vacinado. Entre essas, o público mais adequado é composto por crianças a partir de 6 anos de idade, adolescentes e adultos até 45 anos, sendo que essas pessoas devem ter comprovação de infecção prévia por um dos vírus da dengue (ou seja, ser soropositivo). Portanto, a vacina não é recomendada para indivíduos soronegativos, pois pode ocorrer um aumento no desenvolvimento de casos mais graves nessas pessoas. Além disso, existe um alto custo para determinar se todos os indivíduos de uma população são soropositivos ou soronegativos, fazendo com que o custo para inserção dessa vacina na rede pública não seja justificável.

Luiz Felipe Leomil, à esquerda da foto, e pesquisador da área de Microbiologia com ênfase em Virologia.  (Foto: Arquivo/UNIFAL-MG)

Por meio de pesquisas na área, é possível saber quando o vírus chegou ao Brasil? Sabemos que não é novo, porém, temos exemplos de outros períodos na história nos quais a dengue foi considerada como uma “epidemia” ou, pelo menos, um grave problema de saúde pública?

Luiz Felipe Leomil Coelho: Existem pesquisas que conseguem nos dizer quando ocorreu a entrada do vírus em nosso território. Essas pesquisas conseguem mapear quais sorotipos entraram no Brasil, por qual estado e em qual ano. São pesquisas de vigilância epidemiológica e molecular. Toda vez que um novo sorotipo entra no território nacional, ele encontra uma população suscetível. Esse cenário leva ao aparecimento de um grande número de casos, os quais podem ser associados a epidemias. A doença apresenta apresenta ciclos endêmicos e epidêmicos, com epidemias explosivas ocorrendo a cada 4 ou 5 anos. Portanto, temos relatos de epidemias de dengue no Brasil desde o ano de 1916. Nos casos mais recentes, com o avanço das tecnologias de diagnóstico, monitoramento epidemiológico e genômica, foi possível compreender melhor a dinâmica da transmissão do vírus em nosso território.

Até o dia 21 de fevereiro, o Ministério da Saúde acusava 715.665 casos prováveis da doença. Minas Gerais é o estado com mais casos, chegando ao número de 246.399 com um coeficiente de incidência de 1199,7. O Distrito Federal possui 82.321 casos, porém, o coeficiente de incidência do DF chega a 2922,2. Pode nos explicar essa situação?

Luiz Felipe Leomil Coelho: Esse coeficiente reflete o número de casos novos notificados de dengue, expresso por 100 mil habitantes, ocorridos em determinado local e período. Portanto, o indicador pode variar de local para local, dependendo da população e casos notificados nesse período e localidade. Assim, indicadores mais elevados mostram que há um maior número de casos no local, gerando, assim, uma sobrecarga nos sistemas de saúde público e particular.

Professor Luiz Felipe, como pesquisador na área, qual é o cenário previsto da dengue no Brasil?

Luiz Felipe Leomil Coelho: Ainda não temos um controle eficaz da transmissão e, mesmo com a inserção de novas tecnologias de prevenção (por exemplo, vacinas), o cenário ainda é preocupante. Faltam investimentos que possam melhorar as estratégias de monitoramento – como, por exemplo, o desenvolvimento de novas tecnologias de diagnóstico de baixo custo – e que possam diferenciar os casos de dengue de outras infecções por outros vírus (zika, chikungunya, febre amarela etc). Além disso, é preciso investir no desenvolvimento de novas vacinas (mais eficazes e mais baratas) e, também, em saneamento básico e no acesso ao serviço de saúde. Se tivermos avanço nas ações indicadas acima, a doença poderá ser controlada.

 

Sobre o entrevistado:

Possui graduação em Ciências Biológicas pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (2000), mestrado em Ciências Biológicas (Microbiologia) pela Universidade Federal de Minas Gerais (2002) e doutorado sanduíche em Ciências Biológicas (Microbiologia) pela Universidade Federal de Minas Gerais (2006) e pelo Laboratório Defenses Antivirales et Antitumorales ( Université Montpellier II – França- Centre National de la Recherche Scientifique, CNRS). Atualmente é professor titular da Universidade Federal de Alfenas. Foi coordenador geral da Pós-Graduação da UNIFAL-MG. Já atuou como coordenador do curso de Pós-Graduação em Ciências Biológicas da UNIFAL-MG. Atualmente está como pró-reitor adjunto de Pesquisa e Pós-Graduação e coordenador de Pesquisa da UNIFAL-MG. Tem experiência na área de Microbiologia, com ênfase em Virologia, atuando principalmente nos seguintes temas: desenvolvimento de novas vacinas para Flavivirus e Pseudomonas aeruginosa, nanovacinas, biologia molecular de Dengue vírus, identificação e atividade antimicrobiana de bacteriófagos, atividade antimicrobiana de produtos naturais e obtidos por química medicinal. Membro da Câmara de Ciências Biológicas e Biotecnologia – CBB da FAPEMIG (2020 a 2022). Currículo Lattes.