“Índio que estuda dentro da aldeia tem capacidade de fazer faculdade pública e concorrer com os brancos”, afirma professora de escola indígena em roda de conversa com povos Kiriri

O Coletivo Direitos Humanos, Cinema e Afetos (DiHCA) promoveu uma roda de conversa com os indígenas Kiriri, atividade do Ciclo de Debates e Mostra de Cinema, que utilizou da temática do abril indígena para manifestar apoio aos povos indígenas do Brasil, a seus direitos e a seus modos de vida. Durante o evento, a Universidade recebeu o cacique da Aldeia Rio Verde do município de Caldas-MG, Adenilson de França Santos, Carliusa Francisca Ramos, Alzira Francisca Ramos e o advogado dos Kiriri, Guilherme Jaria.

Na oportunidade, o reitor, Prof. Sandro Amadeu Cerveira, revelou ser um desejo da gestão que estudantes indígenas Kiriri e de outros povos não apenas visitem a UNIFAL-MG, mas sejam parte do seu dia a dia. “Queremos que na UNIFAL-MG a gente possa ter a presença de estudantes quilombolas e indígenas. E a primeira coisa que nós temos que fazer para conseguir isso é justamente o que estamos fazendo agora: conversar com os povos indígenas, com suas lideranças e seus jovens, e recebê-los aqui, irmos até eles e construir mecanismos institucionais para que essa realidade seja efetiva”, afirmou.

“A Universidade Pública está aqui para servir a população que historicamente tem sido excluída das políticas públicas, do mercado e de todas as riquezas do país e também para ajudar a construir a inclusão e a superação das desigualdades e da injustiça”, afirmou o Prof. Sandro

O reitor reforçou ainda o papel da Instituição em servir, atender e respeitar os povos indígenas que possuem direito originário sobre a terra. “A Universidade Pública está aqui para servir a população que historicamente tem sido excluída das políticas públicas, do mercado e de todas as riquezas do país e também para ajudar a construir a inclusão e a superação das desigualdades e da injustiça”, disse.

Em seguida, Guilherme contextualizou o imaginário sobre os indígenas, lembrando os participantes que a naturalização da barbárie ocorreu a partir de 1500: “a primeira legitimação que nós temos do genocídio indígena se deu com a palavra de Deus, que, na época, era justificativa para a morte e o despejo forçado de suas terras. Com a revolução francesa tivemos várias rupturas desse imaginário e o que passou a legitimar a retirada desse povo de suas terras foi o estigma de ‘selvagens’, de que precisavam ser civilizados. Isso perdurou até meados do século 20, quando a ideia de desenvolvimento vigorou na sociedade”.

O advogado lembrou também da relação dos indígenas com a natureza, já que eles não a veem como objeto: “não é a terra que pertence a eles, mas eles que pertencem a esse todo. É uma racionalidade diferente da europeia imposta, que entende o ambiente como meio de exploração e de se obter riquezas”. Guilherme falou ainda sobre a dificuldade de entendimento de parte da sociedade e dos governos sobre a necessidade dos índios possuírem sua própria terra. “Para muitos é considerado um absurdo eles terem acesso a terras para viver e isso revela uma noção muito equivocada de patrimônio no nosso país”, disse.

Na sequência, Adenilson, Carliusa e Alzira contaram um pouco sobre sua história e como os Kiriri vieram das margens do Rio São Francisco, na Bahia, há dois anos, para ocupar terras na área rural do Rio Verde, no município de Caldas-MG. “As terras são do Estado de Minas Gerais e até pouco tempo pertenciam à UEMG, mas recentemente sofreram um processo de reintegração de posse e no ano passado nós tivemos que ir para outra terra em Patos de Minas, mas lá não existiam condições mínimas para sobrevivência. Então, com o apoio da comunidade vizinha do Rio Verde, nós voltamos, mas corremos o risco de sermos expulsos a qualquer momento”, falou Adenilson.

Já Carliusa, esposa do cacique e professora da aldeia contou sua trajetória na Universidade Estadual da Bahia (UNEB), local em que se graduou em Letras e desabafou a respeito dos desafios para inserção do índio na sociedade e no ensino superior: “Índio não é burro que nem muitos pensam, índio não é ignorante, índio não é selvagem. Índio é inteligente, a gente só não tem oportunidade”. Para ela, professora da escola indígena da própria aldeia, há um grande diferencial entre os alunos que estudam na comunidade e aqueles que vão para o ensino na cidade: “a gente está ensinando nossos alunos a sobrevivência da nossa comunidade, a nossa cultura. O aluno que estuda fora tem uma cabeça diferente daquele aluno que estuda dentro da aldeia. Ele não tem interesse nenhum pela cultura, ele não tem interesse em ajudar o seu povo”.

Carliusa falou ainda sobre a experiência do ensino na escola indígena e o conteúdo repassado aos alunos: “nossos professores são todos índios, temos a matéria “Uso, território e agricultura”, “Organização e direitos indígenas”, “Rituais e vidas plenas”, “Plantas medicinais e vidas plenas”. A nossa arte é arte indígena, aprendemos a fazer artesanatos. E a matéria de educação física são os jogos indígenas. Trabalhamos na prática e produzimos o nosso material de trabalho”. A professora enfatizou também a necessidade do uso de tecnologias e idiomas: “eu fiz questão de colocar as matérias de tecnologia e de inglês dentro da comunidade. O índio que estuda dentro da aldeia tem capacidade de fazer faculdade pública, concorrer com os “brancos” e estudar na faculdade dos “brancos”, finalizou.

Para as organizadoras e coordenadoras do evento, Profa. Carmem Lucia Rodrigues e a Técnica em Assuntos Educacionais, Nayhara J. A. P. T. Vieira, o evento cumpriu seu propósito e reuniu um bom número de participantes, que avaliaram, por meio de uma pesquisa realizada durante a roda, muito positivamente o bate papo. “Nós, do Coletivo DiHCA, ficamos muito felizes em poder proporcionar, ao público e aos Kiriri, esse espaço de diálogo, tão importante nesse momento delicado, de ameaças de direitos, pelo qual passam os indígenas em nosso país. Nesse sentido, acredito que ouvir e tentar entender o outro é um gesto essencial”, declarou Nayhara.

Após a roda de conversa, que reuniu a comunidade acadêmica no Centro Vivencial (Palquinho) na sede da UNIFAL-MG, no final da tarde de 26/04, foi realizada a exibição do documentário “Kîsêdjê ro sujareni: Os Kisêdjê contam a sua história”, em que indígenas narram os primeiros contatos e sua relação com o Parque do Xingu, e Winty, liderança jovem, presidente da associação, apresenta a história recente do povo Kîsêdjê.

O Coletivo Direitos Humanos, Cinema e Afetos objetiva, em linhas gerais, fomentar um amplo debate coletivo e a produção dialógica de conhecimentos a respeito de “direitos humanos e diversidade” bem como promover atividades artísticas e lúdicas de maneira a ampliar a sensibilização e possíveis ações conjuntas contra todas as formas de injustiça social (concretas e simbólicas) no município de Alfenas (MG) e no Sul de Minas Gerais.