Alternativa museológica da UNIFAL-MG para o enfrentamento da atual emergência climática é selecionada em competição internacional: “Museu das Rexistências” propõe espaços itinerantes para divulgação de saberes ecológicos no sul de Minas

Uma proposta inovadora de parceria museológica para o enfrentamento da atual emergência climática desenvolvida por uma equipe da UNIFAL-MG é finalista de uma competição internacional, que integra a programação da Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas de 2021. O projeto “Existances Museum – Museu das Rexistências” foi selecionado entre 260 propostas enviadas por 48 países e é um dos oito escolhidos para serem apresentados, a partir de março de 2021, no Glasgow Science Centre, um museu de ciência e tecnologia, considerado uma das atrações turísticas mais populares da Escócia.

O projeto resultou de um trabalho conjunto elaborado por membros do Grupo de Pesquisa Heranças Cosmológicas e Devires Extramodernos, do Museu da Memória e Patrimônio (MMP) e do Núcleo de Estudos Afro-brasileiros e Indígenas da UNIFAL-MG. “Conseguimos conformar um grupo transdisciplinar muito rico. Algumas dessas pessoas participaram das nossas primeiras discussões, como, por exemplo, a professora Marina Wolowski Torres, e a arquiteta Lislie Goulart, que nos brindaram com importantes insights iniciais”, conta o professor Walter Lowande, do Instituto de Ciências Humanas e Letras (ICHL), representante do grupo de pesquisa.

Prof. Walter soube da competição “Reimagining Museums for Climate Action” a partir de uma divulgação nas redes sociais, quando identificou a oportunidade de submeter uma proposta da UNIFAL-MG. “Eu fiquei sabendo desse edital por meio de uma publicação do professor Rodney Harrison, da University College London (UCL), em uma de suas redes sociais e, a partir daí, entrei em contato com a Luciana Menezes de Carvalho, diretora do MMP/UNIFAL-MG, para pensarmos em algo”,  narra, comentando que o professor Harrison é o coordenador da área prioritária de patrimônio do Conselho de Pesquisa em Artes e Humanidades (Arts and Humanities Research Council), do Reino Unido.

Além do professor Walter, compõem a equipe idealizadora do projeto selecionado: Luciana Menezes de Carvalho e João Francisco Vitório Rodrigues, representando o Museu da Memória e Patrimônio (MMP); professor Natalino Neves da Silva (que atuou como docente do Departamento de Ciências Humanas da UNIFAL-MG e atualmente é professor da Faculdade de Educação da UFMG) e Jairza Fernandes Rocha da Silva, representando o Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros e Indígenas, e Nayhara Pereira Thiers Vieira, que juntamente ao professor Walter, representa o grupo de pesquisa Heranças Cosmológicas e Devires Extramodernos.

“Essa junção de conhecimentos especializados nos campos da museologia, do patrimônio, da biologia, das cosmologias africanas e indígenas, das linguagens e das diversas formas de comunicação foi fundamental para que embasássemos um bom projeto de enfrentamento da atual emergência climática por meio de uma proposta de parceria museológica que transcende os limites da Universidade”, observa Prof. Walter.

O docente também fez questão de agradecer o apoio recebido de outros colaboradores. “Aproveito para agradecer o ótimo trabalho do Iuri Gouveia, que foi o criador do nosso logotipo e da identidade visual que pode ser vista em nosso projeto final, e à professora Daniela Freitas, do curso de Letras da UNIFAL-MG, pela cortesia em revisar o nosso texto em inglês.”

Proposta do Existances Museum – Museu das Rexistências

De acordo com Prof. Walter, o conceito do projeto se fundamenta no neologismo “existances” formado pela combinação das palavras inglesas “existences” (existência) e “resistance” (resistência). “Esse termo se inspira nas cosmologias africanas e ameríndias que vêm se reinventando para resistir à onto-epistemologia predatória capitalista e colonialista que moldou a sociedade brasileira ao longo da sua história”, relata.

O professor explica que as formas de conhecimento popular na região Sul de Minas têm sido fundamentais para resistir à extinção de ecologias originais devido às atividades do agronegócio. As plantações de café e soja, a pecuária e as usinas de cana-de-açúcar, conforme Prof. Walter, vêm “fraturando relações historicamente estabelecidas entre a população caipira e suas espécies companheiras de plantas e animais”.

“Em vez de envenenar o solo com pesticidas, derrubar florestas para criar pastagens e liberar excessivas quantidades de dióxido de carbono por meio da pecuária, práticas tradicionais influenciadas pelas heranças cosmológicas dos povos africanos e ameríndios, combinadas com novas tecnologias agroecológicas, permaculturais e bioconstrutivas, são alternativas urgentes para construir futuros verdes capazes de combater as formas locais de desestabilização do sistema terrestre”, afirma.

O “Museu de Rexistências” pretende coletar e difundir o conhecimento e as experiências alternativas dessas pessoas e grupos em nossa região e além. “Ele seria itinerante, com o objetivo de aprender e divulgar saberes e tecnologias ecológicas no diálogo a ser estabelecido com diferentes pessoas, grupos e em diferentes lugares da nossa região”, detalha.

A concepção do projeto prevê que um museu marcado pela provisoriedade, sendo feito de materiais biodegradáveis ou recicláveis, para expressar em sua própria materialidade a transitoriedade dos ciclos vitais das coisas e dos seres vivos. “Sua construção seria também coletiva, incentivando projetos colaborativos que busquem articular conhecimentos acadêmicos e extra-acadêmicos”, comenta Prof. Walter.

O desenvolvimento e a implantação do Museu de Rexistências

Com a intenção de colocar o projeto em prática, a ideia é formar parceria com as comunidades, para as quais serão oferecidas oficinas de bioconstrução a fim de construir uma cúpula geodésica feita de materiais sustentáveis da região dessas comunidades, trocando conhecimento sobre formas alternativas de habitação de baixo impacto. “Esse tipo de construção tem a vantagem de ser rápida, barata, ecoeficiente e de baixo impacto, além de ser utilizada para diversos outros fins, como para a construção de estufas e até de residências”, diz Prof. Walter.

Segundo o professor, esses espaços abrigariam um círculo central de troca de conhecimentos e experiências e murais onde haveria acervos artísticos, iconográficos e informativos acumulados a partir dessas trocas e de projetos desenvolvidos anteriormente por comunidades acadêmicas e camponesas locais.

“Nossa expectativa é que esses pequenos museus ganhem vida por conta própria, tornando-se espaços de constantes trocas de saberes sobre como viver bem na época do Antropoceno e, se possível, revertê-la. Também registraremos esses diferentes processos, constituindo assim um acervo secundário de informações em nosso museu-base, o Museu da Memória e do Patrimônio da UNIFAL-MG, para que esses conhecimentos também possam servir como referência para outras ações climáticas”, comenta.

Próximos passos

Sendo uma das oito propostas selecionadas, o “Museu de Rexistências” será apresentado no Glasgow Science Centre, entre março de 2021 até a realização da Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, prevista para novembro de 2021, caso não precise ser adiada em função da pandemia de Covid-19.

As apresentações na Escócia serão financiadas pela Arts and Humanities Research Council (AHRC), com até 2.500 libras por vencedor, objetivando inspirar ações de combate de combate à emergência climática em todo o mundo, aproveitando a visibilidade desse evento diplomático internacional.

“Agora que já foi feita a divulgação oficial dos resultados, a organização nos enviará os termos de concordância e as informações detalhadas sobre os aspectos logísticos da exposição na Escócia e sobre como poderemos fazer uso da premiação para o desenvolvimento da exposição, conforme nos foi informado por e-mail. Depois disso, teremos até março de 2021 para finalizarmos a exposição definitiva”, explica Prof. Walter.

Vale mencionar que os organizadores da competição se referiram ao projeto da UNIFAL-MG, em suas redes sociais da seguinte forma: “O Existances [Museum] mostra o poder do conhecimento coletivo na luta contra as mudanças climáticas, imaginando uma rede de micro-museus incorporados (e em resposta) aos diversos modos de vida das comunidades locais.”

Sobre a importância da proposta, Prof. Walter contextualiza o que é consenso em diversas áreas do conhecimento a respeito das transformações que o modo de vida moderno impôs ao planeta a ponto de colocar em risco todo o sistema planetário constituído ao longo dos últimos 12 mil anos: “Ainda é difícil mensurar o impacto dessa ação, mas não resta dúvida de que essa premiação nos alça um lugar destacado no interior das importantíssimas discussões que têm sido feitas em todo o mundo sobre como podemos reverter os efeitos catastróficos causados pelo modo de vida moderno/capitalista/colonialista no planeta.”

Crédito das imagens: arquivo equipe do projeto