Inclusão do campo licença-maternidade no Currículo Lattes torna mais justa a análise de produtividade acadêmica para mulheres cientistas; mães pesquisadoras da UNIFAL-MG comemoram a conquista

No dia 15 de abril, a Plataforma Lattes passou a disponibilizar uma seção específica para registro dos períodos de licença-maternidade de mulheres cientistas. A medida permitirá que as agências de fomento à pesquisa e as universidades considerem o novo campo do Currículo Lattes no momento de conceder bolsas a projetos de pesquisa, tornando mais justa a análise da produtividade acadêmica. 

De preenchimento opcional, o novo campo, nomeado “Licenças”, é resultado de uma mobilização da comunidade científica e do Movimento Parent in Science (do inglês, “Pais na Ciência”), iniciada em 2017, sob a coordenação da professora Fernanda Staniscuaski, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).  

O projeto Parent in Science apresentou um pedido formal para inclusão do novo campo no currículo ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) no ano de 2019. Por considerar o impacto significativo que a chegada dos filhos pode causar na produção das mulheres pesquisadoras, com desaceleração na elaboração de artigos, o movimento apontou a desvantagem das pesquisadoras diante de colegas, tendo em vista que atualmente, o número de artigos publicados é condição essencial para aprovação em editais e projetos de pesquisa, concursos públicos e progressão na carreira.

Para a pesquisadora Renata Piacentini Rodriguez, doutora em Engenharia Hidráulica e Saneamento do Instituto de Ciência e Tecnologia (ICT) da UNIFAL-MG e coordenadora do Núcleo 500 Mulheres Cientistas de Poços de Caldas, a inclusão é um grande avanço para as mulheres cientistas. “É a primeira vez que nós temos um instrumento oficial do governo para mostrar que nós ficamos afastadas durante um período em licença-maternidade. Eu fiquei muito feliz com isso”, afirmou.

Ao contextualizar o impacto da medida, a pesquisadora, que é mãe de Sofia e Simon, de 9 e 7 anos, respectivamente, argumentou: “Nós sabemos que com a vinda dos filhos, com o tempo de licença-maternidade e, obviamente, nos primeiros anos dessa criança, a nossa produtividade cai, é impossível manter o mesmo ritmo de trabalho que nós tínhamos antes, além disso, na licença-maternidade, nós estamos afastadas das nossas atividades, então, quando temos um local para identificar o tempo que nós ficamos afastadas, nós abrimos a oportunidade de ter editais e processos que contemplem um período adicional para pesquisadoras que são mães já sabendo que vamos ter uma perda de produtividade recorrente dessa maternidade.”

Segundo Profa. Renata, a sociedade ainda vê o nascimento de uma criança como uma responsabilidade somente da mãe ou do casal, quando na verdade, a vinda de uma nova criança deveria ser acolhida como um projeto social. “Eu vejo que o nascer de uma nova criança deveria ser visto como um projeto social de uma sociedade porque essa nova criança não vem ali só para aquela família, ela vem para toda aquela estrutura social que a rodeia, e um dia, no futuro, inclusive, ela vai se tornar força de trabalho para a sociedade”, explica a pesquisadora. “A sociedade precisa ter um olhar cuidadoso, um olhar que contemple as modificações que essa mãe vai sofrer após a maternidade e não são ruins, eu particularmente, considero que sou mais produtiva hoje do que quando eu não era mãe, porque eu tenho uma gestão do meu tempo muito mais eficiente para dar conta de tudo que eu preciso fazer”, acrescenta a docente.

A inclusão da seção licença-maternidade no Lattes também é comemorada pela pesquisadora Lívia Maris Ribeiro Paranaíba Dias, doutora em Estomatopatologia e professora do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da UNIFAL-MG.

Mãe de Pedro Henrique, que acaba de completar um ano, Profa. Lívia esteve recentemente de licença-maternidade e acredita que a medida seja um reconhecimento que possa ser um importante ponto de partida para muitos outros. “É fundamental que as agências de fomento e as universidades levem em consideração este quesito quando analisarem a nossa produtividade científica para a concessão de bolsas e aprovação de projetos. Somente assim, conseguiremos uma distribuição de recursos mais justa”, afirma.

De acordo com Profa. Lívia, as consequências para as cientistas que se tornam mães vão bem além dos seis meses de afastamento de licença-maternidade, o que torna crucial a possibilidade de sinalização da pausa na produção acadêmica. “A sociedade sabe que a maternidade impacta muito mais que 180 dias na nossa vida acadêmica e gera diversos desafios, bem como contrapontos para continuarmos produtivas cientificamente. Este reconhecimento é legítimo e justo”, reforça.

À espera de Gabriel, a médica pediatra Marina Bernardes Lourenço, pesquisadora e professora da Faculdade de Medicina (FAMED) da Universidade, comenta que fazer parte do meio acadêmico e científico implica em estar sempre em evolução e que, devido à busca constante por atualização, a lacuna de seis meses na produção acadêmica de uma docente mãe, infelizmente, ainda impacta negativamente em sua carreira.

“Ao ser explícito o período de licença-maternidade no Currículo Lattes, que é a capa da trajetória profissional, acredito eu, há uma visão mais abrangente da docente mulher e mãe. Esta inclusão faz com que as pessoas enxerguem a importância da dedicação da mãe ao novo serzinho totalmente dependente dela, principalmente nos primeiros meses de vida, sem que isto lhe traga prejuízo profissional”, destaca a docente aos 8 meses e meio de gestação, que se encontra ainda trabalhando na modalidade home office.

Na opinião da Profa. Marina, a conquista contribui para o alcance da meta “Igualdade de Gênero” dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da agenda mundial da Organização das Nações Unidas (ONU). “Estamos vivendo mais um ganho desde a primeira Onda do Feminismo no século XIX. As mulheres, tanto quanto os homens, são peças-chave na produção científica. E, seguindo o princípio da equidade, as demandas que vêm junto à maternidade devem ser consideradas, também, no meio acadêmico”, enfatiza a docente.

Vale mencionar que do total de pesquisadores cadastrados no Diretório dos Grupos de Pesquisa do CNPq, 50% são mulheres. Nos últimos 15 anos, o percentual de mulheres aumentou 7 pontos percentuais. O CNPq mantém desde 2015, o programa Mulher e Ciência, em parceria com o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações e outros órgãos, cuja meta é promover a participação de meninas e mulheres na ciência, além de incentivar pesquisas sobre relações de gênero, mulheres e feminismo.

Saiba mais acessando a notícia divulgada pelo CNPq