Abril Indígena 2023: transformações e desafios

Danilo Paiva Ramos

O Abril Indígena de 2023 está sendo marcado por uma grande mobilização indígena em todo o país. Convocado pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), o Acampamento Terra Livre (ATL) reunirá milhares de lideranças indígenas em Brasília do dia 24 ao dia 28 de abril. Trata-se de um momento de muitas mudanças, por meio das quais estão sendo criadas as bases para a reestruturação das políticas e ações do Estado voltadas aos povos indígenas no Brasil. De um lado, o protagonismo indígena fortaleceu-se com o Ministério dos Povos Indígenas, que tem como ministra Sônia Guajajara. Por outro lado, a crise sanitária e humanitária que assola os Yanomami e povos indígenas como os Hupd’äh e Yuhupdëh do Alto Rio Negro-AM, apontam para as consequências graves do bolsonarismo para os povos indígenas.

Desde 2004, com a realização do primeiro Acampamento Terra Livre (ATL) em Brasília, o mês de Abril passou a ser marcado por mobilizações, manifestações e eventos que reúnem por vezes milhares de pessoas indígenas na luta pela efetivação de seus direitos, visibilização dos problemas que atingem as populações indígenas, e promoção das culturas, artes, filosofias e saberes indígenas. Com a fundação da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) em 2005 como resultado do primeiro ATL, passa a ser fundamental que, no diálogo com a sociedade nacional, não apenas o 19 de Abril – Dia do Índio seja o momento de mobilização política, mas todo o mês de abril e a agenda de lutas e eventos que são projetados por todo o ano até o próximo abril indígena.

Na UNIFAL-MG, a mobilização do Abril Indígena -2023 foi iniciada através da “Mostra de Cinema Indígena”, coordenada pela profa. dra. Carmem Lúcia Rodrigues, com a curadoria de Luiz Medina Guarani (Unicamp). Nos dias 26 e 27/04/2023, a UNIFAL-MG receberá cerca de 80 convidados (as) indígenas, entre estudantes, professores e lideranças de diferentes etnias para a realização de mesas de debate sobre vestibular indígena e educação indígena, para a feira cultural indígena, oficina de pintura tradicional, lançamento de livro e rodas de conversa. O evento está sendo organizado pelo Grupo de Estudos Indígenas (GEI) do Núcleo de Estudos Afrobrasileiros e Indígenas (NEABI) e é parte do projeto de extensão “Afirmação indígena e Quilombola na UNIFAL-MG” (PREAE 6280).

Em 2023, o Abril Indígena e o ATL ganharam nova força com a criação do Ministério dos Povos Indígenas em janeiro e que tem como objetivos principais promover a garantia do acesso dos indígenas à educação e à saúde, demarcar as terras indígenas e combater o genocídio da população indígena. Eleita deputada federal pelo estado de São Paulo, Sônia Guajajara assumiu a frente do ministério que terá um papel centrar na reconstrução e articulação das políticas voltadas aos povos indígenas. Deve ser mencionada também a importância da eleição de Célia Xakriabá para deputada federal pelo estado de Minas Gerais, o que representará um mandato crítico e de luta pela efetivação dos direitos indígenas na Câmara dos Deputados.

Foi fundamental também a nomeação da ex deputada federal, Joênia Wapichana, para a presidência da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (FUNAI). A nova FUNAI é marcada já pela alteração do nome do órgão indigenista, antes denominado Fundação Nacional do Índio. Após anos de enfrentamento do desmonte das políticas voltadas aos povos indígenas, promovido pelo governo Bolsonaro, Joênia Wapichana assume a tarefa de reestruturação da FUNAI, cuja missão e capacidade de atuação foram seriamente comprometidas. Outro desafio é o fato de haver conflitos, ameaças, invasões, danos à saúde e degradações socioambientais em 11 das 13 Terras Indígenas em processo de homologação, de acordo com o Mapa de Conflitos Ambientais e de Saúde no Brasil (FIOCRUZ/FASE, 2023).

Na saúde indígena, Weibe Tapeba assumiu o cargo de secretário da Secretaria Especial de Saúde Indígena (SESAI-MS). O orçamento da saúde indígena, hoje em torno de 1,5 bilhões, é 24% menor do que o orçamento destinado pelo governo federal em 2014, o que culmina em desassistência e situações de crise sanitária (FERNANDES, Samuel. Orçamento para a saúde indígena no país é o menor dos últimos dez anos, Folha/UOL, 17/02/2023, disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/equilibrioesaude/2023/02/orcamento-para-assistencia-a-saude-indigena-no-pais-e-o-menor-dos-ultimos-dez-anos.shtml). A recomposição do orçamento da SESAI torna-se fundamental para que seja revertida a desestruturação da política de saúde para os povos indígenas da gestão anterior, seja possível ao Estado dar respostas efetivas para a superação das situações de grave emergência sanitária que assolam os povos Yanomami, Ye’kwana, Hupd’äh e Yuhupdëh, dentre outros. A desassistência em saúde, o garimpo ilegal em Terras Indígenas, as muitas epidemias e endemias, que não foram combatidas nos últimos anos, geraram o agravamento das situações sanitárias desses povos, sendo possível a reversão desse quadro apenas com investimento de recursos de longo prazo para a atuação de equipes de saúde baseadas em perspectivas interculturais e de intermedicalidade.

Além dos desafios colocados à frente dessas grandes lideranças indígenas, há também mudanças importantes quanto aos dados referentes às populações indígenas no Brasil. O balanço parcial do censo do IBGE (2023) aponta para um aumento de 66 % da população indígena de 2010 até 2023, passando de 900 mil pessoas em 2010 para 1.4 milhão de pessoas indígenas em 2023 (G1 – Jornal Nacional, 19/01/2023, disponível em: <https://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2023/01/19/balanco-parcial-do-censo-mostra-aumento-da-populacao-indigena.ghtml>).

Desse modo, é possível perceber as grandes transformações e desafios que se colocam para os povos indígenas no Brasil. O protagonismo indígena com lideranças como Sônia Guajajara, Joênia Wapichana, Célia Xakriaba, Weibe Tapeba ocupando cargos de ministra, presidenta da FUNAI, deputada federal e secretário de saúde indígena aponta para uma grande transformação que certamente levará à reestruturação das políticas voltadas aos povos indígenas e a maiores garantias quanto à efetivação de seus direitos. Há muito a comemorar no Abril Indígena-2023, mas também há a urgência da articulação e mobilização para o enfrentamento dos  problemas graves que acometem a população indígena, tendo muitos deles sido agravados pelo bolsonarismo.