Atuação Governamental e Coronavírus: Um Contraponto

Terça-feira, 26 de maio de 2020

Por Marçal Serafim Cândido (doutorando em Contabilidade pela Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade de Ribeirão Preto – USP, professor do Instituto de Ciências Sociais Aplicadas da UNIFAL-MG)

Desde abril tem sido publicada uma série de textos na página da UNIFAL-MG, em que são divulgados artigos de servidores da instituição com temáticas relacionadas às implicações sociais, econômicas e culturais da pandemia de Covid-19. Neste artigo eu (permitam-me usar a primeira pessoa) faço uma breve análise de três artigos[1][2][3] publicados por docentes da instituição, com o propósito de fazer um contraponto de algumas afirmações apresentadas naqueles trabalhos.

Nos três textos ora mencionados, as afirmações vão no sentido de que seria necessário o governo aumentar seus gastos públicos, não só com a área de saúde (uma das mais exigidas no atual momento), mas também para minimizar os efeitos econômico-sociais causados pela mesma, bem como para possibilitar um crescimento econômico após passado o período mais agudo da pandemia. Especificamente sobre os gastos diretamente relacionados à saúde, com o propósito de que haja uma estrutura de atenção neste momento é fundamental, pois vidas podem ser perdidas sem uma estrutura de saúde adequada. Ainda, com relação aos gastos para minimizar os efeitos econômico-sociais da crise, o auxílio emergencial de R$ 600 mensal para grupos mais vulneráveis tem o propósito de cumprir essa tarefa, qual seja, garantir o mínimo para subsistência às pessoas que por força da pandemia, foram obrigadas a permanecer em isolamento social.

Já com relação ao terceiro elemento comum aos textos, a necessidade de gastos públicos para reativação da atividade econômica, eu tenho um contraponto. Isso porque, a atuação do governo brasileiro (em específico, o governo federal) no processo de geração de demanda por meio dos gastos públicos encontra amplas evidências contrárias na literatura e, para ficar em uma só referência, ver o trabalho de McCloskey (2017)[4]. Nesse trabalho, a autora demonstra que os períodos de maior enriquecimento de algumas nações foram consequências não de ação estatal, mas sim de pessoas livres e que puderem criar formas de geração de renda e ideias que, por sua vez, empregaram outras pessoas. Aliás, Hayek (2010)[5] já havia demonstrado, na primeira metade do século XX, como a atuação estatal ao invés de promover melhoria de bem-estar, na verdade, por levar às situações de baixo crescimento e até mesmo a pobreza. Isso porque a atuação estatal não é capaz de coordenar atividades econômicas que, por si só, são feitas por decisões individuais, as quais são impossíveis de serem feitas por um planejamento central, dado que o sistema de preços é o elemento que direciona essas decisões individuais[6]. Nesse caso, a atuação estatal, além de não conhecer particularidades de cada decisão individual na busca de melhor alocação de recursos, pode alterar o sistema de preços que, por sua vez, altera a melhor alocação de recursos.

E para piorar, há algumas estimativas que o endividamento público brasileiro que, antes da pandemia estava em torno de 75% do PIB passe para algo em torno de 100% do PIB. Recentemente, Gustavo Franco, ex-presidente do Banco Central do Brasil chamou a atenção com relação às consequências de aumentar o gasto público além do necessário para passar por esse período da pandemia, bem como a necessidade de ser repensada a atuação do governamental. Isto porque, se houvesse um Estado com maior folga financeira (que não é o caso brasileiro há um bom tempo, dados os consecutivos déficits nos últimos anos), efeitos de pandemia como essa teriam menor impacto tanto econômico, quanto social[7]. Ainda, propostas como emissão monetária, como sugerida em um dos textos não resolve o problema de nível elevado de gastos públicos, mesmo antes da pandemia, bem como pode causar reflexos negativos, tanto econômicos quanto sociais, no longo prazo[8].

Dessa maneira, estabelecer limites para atuação governamental de forma a não se criar um problema ainda maior no futuro, mesmo quando a pandemia já estiver passada, é um ponto central na atuação de todos. Falo todos, pois inclui não só os próprios agentes públicos, mas toda a sociedade, pois as más atuações governamentais estão repletas de assimetrias, em que governantes de agora não sofrem as consequências de seus erros a posteriori[9]. E, por fim, chamo atenção para a observação trazida por Thomas Sowell[10] para descrever quando são defendidas ideias cujas consequências são sentidas de maneira bem severa: “Parecia uma boa ideia”. Sim, algumas ideias podem parecer uma boa ideia, mas quando examinadas com um olhar clínico, seus pilares caem por terra.

 

[1] “Pandemia e Economia: reflexões a partir de um vírus” de Patrick Fontaine e Fernando Batista Pereira. Disponível em: https://www.unifal-mg.edu.br/portal/pandemia-e-economia-reflexoes-a-partir-de-um-virus/

[2] “Os limites do mercado e a necessidade de atuação do Estado no enfrentamento da crise” de Nildred Stael Fernandes Martins. Disponível em: https://www.unifal-mg.edu.br/portal/os-limites-do-mercado-e-a-necessidade-de-atuacao-do-estado-no-enfrentamento-da-crise/

[3] “A Retórica da Austeridade” de Patrick Fontaine. Disponível em: https://www.unifal-mg.edu.br/portal/a-retorica-da-austeridade/

[4] McCLOSKEY, D. “Bourgeois Equality: How Ideas, Not Capital or Institutions, Enriched the World”.  Chicago: University of Chicago Press, 2017.

[5] HAEYK, F. “Caminho da Servidão”. São Paulo: LVM Editora, 2010.

[6] Sobre o assunto, ver: https://www.mises.org.br/Article.aspx?id=1665

[7] Ver: https://www.youtube.com/watch?v=ynDC0etrjXY&app=desktop. Em especial, a partir dos 12 min.

[8] Sobre o assunto, há texto de Ilan Goldfajn, ex-presidente do Banco Central do Brasil em: https://iepecdg.com.br/artigos/emissao-monetaria-resolve-nao-escapamos-de-focar-os-mais-vulneraveis/

[9] Sobre assimetrias, inclusive na atuação governamental (e claro, das pessoas que agem em seu nome) ver “Arriscando a Própria Pele” de Nassim Taleb.

[10] SOWELL, T. Fatos e Falácias da Economia. Rio de Janeiro: Record, 2017.