Combate ao desemprego diante da pandemia do novo coronavírus

Quinta-feira, 16 de abril de 2020

O desemprego é uma situação preocupante, uma vez que coloca em risco a subsistência dos(as) trabalhadores(as) e de suas famílias, ao comprometer a regularidade da renda familiar. A taxa de desemprego é o indicador que reflete a dimensão do número de desempregados(as) em relação à População Economicamente Ativa (PEA). Este indicador acompanha o nível de atividade econômica.

De acordo com o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE)1, a economia brasileira apresentou baixos índices de crescimento no período recente (1,1% em 2019)2 acompanhados de altas taxas de desemprego. Conforme os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD)3 Contínua, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a taxa de desemprego aberto no Brasil passou de 6,9% no último trimestre de 2012 para 11,0% no último trimestre de 2019, o que implica um patamar de 11,6 milhões de brasileiros(as) economicamente ativos(as) em situação de desocupação, neste último ano.

No período atual, a Organização Mundial da Saúde (OMS)4 recomenda medidas de distanciamento social como estratégia de combate à pandemia do novo coronavírus.  Esta estratégia é indiscutivelmente válida, louvável e necessária para a preservação da vida humana. Todavia, é notório que o cenário que se forma afeta o desempenho da economia. Por consequência, os(as) trabalhadores(as) serão fortemente atingidos(as), fato que se acirra com a omissão do papel do Estado, que tem agido minimamente e com grande atraso cronológico. Desta maneira, é provável que exista um grande contingente de desempregados(as) no período pós-pandemia.

Apesar disto, algumas medidas têm sido tomadas para conter os danos às famílias. Entre estas medidas destaca-se o Projeto de Lei (PL) 9.236/20175 que consiste em um benefício de R$600,00 em caráter de emergência destinado aos(às) trabalhadores(as) maiores de 18 anos, com limite de dois benefícios por família, chegando a R$1.200,00 também para as famílias chefiadas por mulheres. Outras ações são as Medidas Provisórias (MP) 927/20e (MP) 936/207, que dispõem de medidas trabalhistas e permitem a suspensão do contrato de trabalho por parte dos empregadores. Por suas limitações, estas ações por si só são insuficientes para o enfrentamento da situação, pois não garantem a manutenção plena da renda, tampouco do nível de emprego. Por este motivo, apresentamos neste texto uma alternativa eficaz no combate ao desemprego. Tal alternativa é válida não somente em tempos de crises, como a atual, mas em conjunturas de “normalidade” econômica.

A Teoria crítica de Minsky8 acerca do desenvolvimento capitalista nos ensina que é possível eliminar o desemprego estrutural por meio da atuação do Estado como “Empregador de Última Instância” (ERI). Esta política pós-keynesiana advoga pela responsabilidade do Estado em contratar todas as pessoas aptas a trabalhar a um determinado salário. Este programa, portanto, conduziria a economia para o pleno emprego, sem a necessidade de crescimento econômico.

O emprego gerado pelo ERI seria o “emprego básico do setor público” e as atividades desempenhadas pelos(as) trabalhadores(as) desse programa seriam diferentes das atividades executadas no setor privado, isto é, não teriam como objetivo concorrer com o setor privado. Os(as) novos trabalhadores(as) do Estado desempenhariam tarefas ligadas à limpeza, reciclagem, restauração de infraestrutura pública, de escolas e de hospitais, dentre outras. Ademais, seriam garantidas, por meio dessas ocupações, boas condições de trabalho e o pagamento de uma renda remuneradora, garantida pelo “salário básico do setor público”, atrelado ao salário mínimo9.

A defesa política do ERI exige, de maneira imprescindível, a ressalva de que esse projeto não requeira rupturas institucionais para que o Estado assuma a função de empregador. Não se trata, portanto, de mudanças em marcos estruturais ou de socialismo, mas de um projeto capitalista democrático9.

Espera-se que a proposta de ERI receba críticas dos economistas ortodoxos que pedem a flexibilização das leis trabalhistas como via de aumento do emprego. Uma das principais críticas é que o programa iria conduzir a economia a um processo inflacionário. No entanto, a execução do ERI aumentaria a oferta agregada com a ampliação de bens e serviços públicos, o que tornaria o setor privado mais eficiente. Esse aumento da oferta iria compensar a demanda agregada gerada pelo aumento do emprego, de modo que os preços não seriam pressionados.

Outra crítica diz respeito ao financiamento do ERI, que poderia causar deterioração do orçamento público. O financiamento via emissão de dívida provocaria um aumento da relação Dívida pública/PIB e, via emissão monetária, causaria inflação. No entanto, não haveria aumento da Dívida pública/PIB se a taxa de juros real estivesse em um patamar abaixo do crescimento econômico real promovido pelo aumento da oferta agregada. Além disso, com a implementação do ERI, haveria redução dos gastos com outros programas sociais9.

O ERI se justifica pelos benefícios econômicos e sociais que promove, de maneira que as implicações críticas ao programa são de ordem política e não técnica9. Deste modo, em momentos de crise econômica, tal como esta pela qual passamos, o ERI torna-se uma importante ferramenta de combate ao desemprego e de retomada do crescimento econômico. Em síntese, o ERI pode ser implementado no período pós-pandemia do novo coronavírus, de maneira a solucionar o problema do desemprego no Brasil.

Referências

1DIEESE. Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos. A pandemia do coronavírus e a anemia da economia brasileira. Nota Técnica Número 223 – A, 2020. [acesso em 03 de março de 2020]. Disponível em: https://www.dieese.org.br/notatecnica/2020/notaTec223APacoteCoronaVirus.html.

2IBGE. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. [acesso em 03 de março de 2020]. Disponível em https://www.ibge.gov.br/explica/pib.php.

3PNAD. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios. [acesso em 03 de março de 2020]. Disponível em: https://www.ibge.gov.br/estatisticas/sociais/trabalho/9173-pesquisa-nacional-por-amostra-de-domicilios-continua-trimestral.html?=&t=series-historicas&utm_source=landing&utm_medium=explica&utm_campaign=desemprego.

4OMS. Organização Mundial da Saúde. [acesso em 03 de março de 2020]. Disponível em: https://www.who.int/emergencies/diseases/novel-coronavirus-2019/advice-for-public.

5BRASIL. Projeto de Lei (PL) 9.236/2017. Disponível em: <https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=7206EF82EAC8F2764A5686E4841EC8B6.proposicoesWebExterno2?codteor=1691535&filename=Avulso+-PL+9236/2017>. Acesso em: 03 de março de 2020.

6BRASIL. Medida Provisória (MP) 927/20. [acesso em 03 de março de 2020]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2020/Mpv/mpv927.htm.

7BRASIL. Medida Provisória (MP) 936/20. [acesso em 07 de março de 2020]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/CCIVIL_03/_Ato2019-2022/2020/Mpv/mpv936.htm.

8Minsky HP. Stabilizing an unstable economy. New Haven: Yale University Press, 1986.

9Gomes ZB, Lourenço ALC. O Estado como Empregador de Última Instância: Uma proposta de pleno emprego, estabilidade e condições dignas de trabalho para o Brasil. Economia e Sociedade. 2012;21(3):485-519.

 

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Autoras: Débora Juliene Pereira Lima e Ana Márcia Rodrigues
Professoras do Instituto de Ciências Sociais Aplicadas