Fruto da tese de doutorado do professor Walter Francisco Figueiredo Lowande, do Instituto de Ciências e Letras (ICHL), defendida no Programa de Pós-Graduação em História da Unicamp, a obra, Do americanismo ao interamericanismo: uma história transnacional da constituição de mundos modernos no Brasil, parte de um desentendimento ocorrido entre o escritor Mário de Andrade e Heloisa Alberto Torres, diretora do Museu Nacional da Quinta da Boa Vista, no Rio de Janeiro, em 1936, em relação à criação Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN), atual Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), após a proposta do autor de “Pauliceia Desvairada” de criação de um Museu Nacional que separava etnografia de antropologia, entendida à época como antropologia física ou biológica.
A discordância entre os dois intelectuais, mediada pelo jurista Rodrigo Mello Franco de Andrade, amigo de ambos, transcendia a divergência conceitual e adentrava em projetos políticos de nação. “O livro tenta mostrar como essas divergências se alimentam de redes intelectuais transnacionais, isto é, como as flutuações internacionais nas definições dos conceitos de cultura e civilização impactaram nas disputas inter-regionais no Brasil pela condução do nosso processo de modernização”, explicou o autor.
O prólogo do livro destaca a troca de correspondências de Heloisa Alberto Torres e Mário de Andrade com Rodrigo de Andrade sobre o projeto de criação do SPHAN. A proposta do escritor, que ainda não possuía o “H” de Histórico, não contemplava a dimensão antropológica esperada pela diretora do Museu Nacional. Essa “separação” gerou críticas ao anteprojeto proposto e, de acordo com o professor Walter Lowande, abriu uma “fenda” para compreensão de uma disputa intelectual/política muito mais ampla.
De acordo com o autor da obra, as cartas evidenciam uma divergência que, posteriormente, se tornou insustentável durante a criação do órgão federal de patrimônio histórico e artístico, por Getúlio Vargas. “O que eu mostro na tese é que essa divergência era muito mais abrangente, perpassava diversas outras instituições e estava associada a uma complexa rede intelectual transnacional. Isto é, não era apenas um conflito institucional, mas uma divergência em relação a projetos de modernidade nacional que remonta ao século XVIII. O objetivo do livro é mostrar como essa controvérsia específica está relacionada a uma transformação mais abrangente do mundo ocidental, isto é, à constituição de formas específicas de relações modernas de poder”.
Partindo dessa controvérsia, a obra, conforme explicação do professor Walter Lowande, “explora a produção de sujeitos e objetos de projetos modernizadores dentro de uma extensa rede transnacional, que se expandiu e se adaptou rizomaticamente a novos e diferentes cenários”. Buscando a compreensão desse processo, o autor investiga uma vertente da circulação transnacional dos conceitos de “civilização” e “cultura” que atravessou o Brasil, os Estados Unidos e alguns países da Europa. “O argumento é que, no caso investigado, essa circulação produziu duas configurações relacionais distintas, a americanista e a interamericanista, as quais marcaram profundamente o modo como interpretamos a nossa própria ‘identidade nacional’”, destacou Walter Lowande.
No livro, o professor da UNIFAL-MG, analisa documentos presentes em arquivos no Brasil e nos Estados Unidos, possibilitando relato detalhado que vai além das concepções mais nacionalistas da historiografia brasileira. A tese foi defendida em março de 2018 e o livro foi lançado em agosto de 2020, por indicação do Programa Pós-Graduação em História da Unicamp.
Para a publicação da obra, o professor Walter Lowande focou nas descrições das redes transnacionais analisadas e menos nas discussões teórico-metodológicas, embora essas últimas reflexões tenham sido mantidas. Ele viu a adaptação da tese para o formato e-Book como uma oportunidade de tornar os argumentos mais claros e dedicar-se mais à escrita.
”Além disso, esse tipo de trabalho nos coloca diante de outras questões, isto é, problemas que se tornaram relevantes agora e que não estavam claros o suficiente no momento da defesa. Por fim, o trabalho junto aos profissionais de diagramação nos permite pensar em como nossas pesquisas podem se tornar mais significativas e atrativas para um público mais abrangente. E, por esse motivo, eu acredito que é importante aproveitar essas oportunidades de publicação quando elas surgem”, concluiu Walter Lowande.
O e-Book, com 579 páginas, foi publicado pela Unicamp e está disponível para download gratuito em: O americanismo ao interamericanismo: uma história transnacional da constituição de mundos modernos no Brasil
Para saber mais sobre o livro, assista a entrevista do professor Walter Lowande ao Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, da Unicamp: