Especialista da UNIFAL-MG explica comportamento da nova variante Ômicron, alerta para os cuidados com a proximidade das festas de final de ano e aponta perspectivas para a volta à chamada “vida normal”

Em novembro foi identificada uma nova variante do novo coronavírus, a Ômicron, cujo alto grau de transmissibilidade causou preocupação imediata na comunidade científica mundial. Para entender os possíveis cenários e impactos com a chegada da variante no Brasil, a equipe de Diretoria de Comunicação Social conversou com o professor da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da UNIFAL-MG, Sinézio Inácio da Silva Júnior. O pesquisador é epidemiologista e coordenador dos projetos “Perfil Epidemiológico e Indicadores de Saúde (Indcovid)” e “Informação sobre covid-19 para a comunidade (Infocovid)”. 

Confira a seguir, como o especialista explica o surgimento da nova cepa; o comportamento da nova variante no organismo; os cuidados com a proximidade das festas de final de ano e a perspectiva para voltar à chamada “vida normal”. 


— O mundo todo está de olho nas notícias sobre a nova variante Ômicron e tentando entender a dimensão da nova ameaça. Muitos especialistas analisam a falta de vacinas na África como fator que impulsionou o surgimento dessa nova cepa. Como surgem as variantes?

Prof. Sinézio Inácio da Silva Júnior: A falta de responsabilidade e solidariedade sanitária, de fato, é fator complicador para o controle da pandemia. Mas, a variante ômicron pode não ter  necessariamente surgido na África, mas teve facilidade de se espalhar por lá, por ser um continente desassistido de atenção sanitária, e foi identificada pelo grande trabalho de mapeamento genômico de variantes que a África do Sul vem fazendo. O surgimento de variantes de preocupação será facilitado enquanto mantivermos o ritmo de contágio no nível epidêmico em que ele se encontra atualmente. Isso, associado com maior número de pessoas que já foram infectadas e mesmo vacinadas, promove uma pressão evolucionária sobre o vírus. Quer dizer, diante da dificuldade, o vírus tende a prevalecer sob formas mutantes que não apenas possam entrar mais fácil nas nossas células, mas também escapar de defesas imunológicas já criadas pelas pessoas. 

(Foto: Reprodução/Freepik)

— Até o momento, o que se sabe sobre o comportamento da Ômicron e quais as principais preocupações dos especialistas?

Prof. Sinézio Inácio da Silva Júnior: O mais relevante é que ela apresenta modificações em regiões da molécula da proteína S (que o vírus usa para se ligar e entrar nas nossas células) que facilita a infecção nos humanos e outras modificações nessa proteína que ajudam o vírus a escapar mais fácil do sistema imunológico de quem já teve a doença ou foi vacinado. Isso porque a variante tem outras modificações na composição e estrutura da proteína S em locais da molécula que as defesas imunológicas, criadas pelas vacinas e por quem já foi infectado por variantes anteriores, usam para reconhecer o vírus e neutralizá-lo. Com isso tudo, a ômicron tende a ser mais contagiosa, ou seja, provocar mais facilmente infecções e se espalhar.

“Um aumento no ritmo de novos casos pela ômicron, especialmente em países com pouca vacinação, pode facilitar novas mutações de preocupação para o mundo todo”, afirma o especialista.

A maior preocupação é o grau desse escape imunológico e o quanto ela pode servir de “plataforma” para o vírus poder evoluir e se especializar em invadir mais de um tipo de célula do nosso organismo, além daquelas que têm o receptor ECA2 (uma proteína da parte externa de algumas células do corpo que ele usa para se ligar, entrar e começar a se multiplicar). Além disso, um aumento no ritmo de novos casos pela ômicron, especialmente em países com pouca vacinação, pode facilitar novas mutações de preocupação para o mundo todo.

— Em comparação com a variante Delta, quais são as características similares e as que mais se  diferem em relação à transmissão e manifestação?

Prof. Sinézio Inácio da Silva Júnior: A delta e a ômicron apresentam mutações semelhantes que lhes dão capacidade de se ligarem mais e melhor nas nossas células e apresentarem algum grau de escape imunológico (serem mais resistentes a defesas criadas por quem já foi vacinado ou teve a doença). Então, são variantes mais transmissíveis que as anteriores.
Mas, até agora, os estudos indicam que a ômicron é um pouco mais transmissível e, principalmente, se destaca por apresentar maior escape imunológico. Isso porque ela tem mutações em locais da proteína S que as nossas células de defesa já criadas usam para identificar o vírus como um intruso e combatê-lo. Além disso, ela tem uma mutação numa região que facilita ao vírus usar uma enzima das nossas células (a furina) para formar um “condomínio viral”, tecnicamente um sincício. O sincício é uma massa de células que se juntam formando uma grande célula, com vários núcleos. Isso pode levar a um dano ao organismo (gravidade do caso) maior; facilita a multiplicação do vírus dentro dessa “super célula”, prejudica sua detecção pelo sistema imunológico e pode colaborar com a velocidade da infecção.

— No Brasil foram identificados 11 casos até agora. Quem já foi infectado pode voltar a ter covid pela Ômicron ou as vacinas têm se mostrado eficazes também contra essa variante?

“Já sabíamos que com apenas uma dose a proteção contra a delta já diminuía, agora com a ômicron os testes preliminares com as vacinas indicaram que mesmo com duas doses a proteção é menor do que contra a delta, sendo mais necessário ainda tomar a dose de reforço.”

Prof. Sinézio Inácio da Silva Júnior: Mesmo em relação à delta a reinfecção pode ocorrer. Com a ômicron esse risco tende a ser maior. Já sabíamos que com apenas uma dose a proteção contra a delta já diminuía, agora com a ômicron os testes preliminares com as vacinas indicaram que mesmo com duas doses a proteção é menor do que contra a delta, sendo mais necessário ainda tomar a dose de reforço. Mas é importante lembrar que em algum grau as vacinas atuais protegem contra a ômicron e, sem dúvida, um maior agravamento dos casos está sendo e será diminuído graças à vacinação com as vacinas atualmente usadas. Porém, já era previsto, precisaremos de vacinas desenvolvidas a partir das novas cepas, o que já está sendo feito.

— Sabemos que a vacinação permitiu o relaxamento das medidas de restrições. O surgimento da  nova cepa e a alta transmissibilidade sinalizam necessidade de retomar as medidas de restrições e distanciamentos? Quais são as recomendações para a realização das festas de final de ano?

Prof. Sinézio Inácio da Silva Júnior: A vacinação é nossa principal arma para acabar com a pandemia, com o menor sofrimento. Mas, não é a única. Mesmo sem a ômicron, nós devemos continuar a usar as chamadas medidas não farmacológicas (distanciamento físico, uso de máscara, higienização das mãos). Porque, apesar do avanço da vacinação, ainda estamos num ritmo de contágio epidêmico. Isso quer dizer que estamos dando chance para o vírus produzir mutantes de preocupação. E num contexto, parece ironia, em que, quanto mais ele puder circular, mais chance tem de encontrar pessoas que já foram infectadas e vacinadas e aprender no organismo delas a driblar defesas imunológicas criadas. Isso ele nos ensinou. É bom lembrar que as vacinas são mais eficientes em evitar casos graves e mortes do que a infecção. Quer dizer, pessoas vacinadas podem transmitir. Isso somado à parcela não vacinada ou ainda sem todas as doses tomadas, facilita o contágio dos mais vulneráveis: pessoas imunocomprometidas e idosos, que tendem a ter uma resposta menos vigorosa às vacinas. Além das crianças abaixo de 12 anos que ainda nem começaram a ser vacinadas.

(Foto: Reprodução/Freepik)

Natal, Ano Novo, Réveillon, junto com o carnaval são, das chamadas “oportunidades de contágio”, as ocasiões de maior risco. As pessoas vão se aproximar, podem cantar, falar alto, usar bebida alcoólica, o que facilita aumentar a frequência respiratória e o contágio. Assim, nas festas de final de ano o ideal ainda seria não expandir muito o círculo de contato que já se tem, ficar com amigos e parentes mais próximos. Garantir que todos estejam vacinados, manter ambientes arejados, procurar moderar o volume do som (se não as pessoas tendem a falar mais alto) e moderar o uso do álcool – que nos torna naturalmente mais descuidados – e não compartilhar copos e talheres. O álcool, nos primeiros estágios da embriaguez, aumenta a frequência respiratória, por exemplo, e a covid é uma doença que se transmite pelo ar a partir do vírus que sai pelas vias respiratórias e entra por elas.

“Nas festas de final de ano o ideal ainda seria não expandir muito o círculo de contato que já se tem, ficar com amigos e parentes mais próximos. ”

Agora, especialmente diante da dúvida sobre a ômicron e pelo fato de que ainda não acabamos com a pandemia, as aglomerações de carnaval deveriam ser evitadas. É hora de prioridades. E a prioridade deve ser manter as atividades econômicas já retomadas e, principalmente, não retroceder da volta das crianças às escolas. 

— Na sua opinião, corremos risco de viver novas ondas de casos e o país entrar em lockdown?

Prof. Sinézio Inácio da Silva Júnior: Uma chamada “nova onda”, agora com a ômicron, não é algo a ser descartado. Embora, pelo avanço da vacinação e número de infectados até o momento, poderia ser uma reescalada de casos bem menor do que no passado. O lockdown, portanto, seria possibilidade mais remota. Mas, é bom lembrar que durante a pandemia temos observado disparidades entre o quadro epidemiológico de diferentes lugares. Quer dizer, dependendo do cenário e local, medidas mais restritivas e temporárias poderiam ser necessárias. De toda forma, cautela é fundamental. O vírus já nos deu muitas surpresas e ele evoluiu completamente alheio ao que a gente acha ou gostaria que fosse.

— Há alguma perspectiva para esse cenário pandêmico terminar e voltarmos à chamada vida normal? O que é preciso acontecer para mudar esse cenário?

“O fim do cenário pandêmico, no nível individual depende da adesão à vacinação, evitar aglomerações, usar máscara e higiene de mãos. No nível de governos, acelerar a vacinação, inclusive antecipando ao máximo a dose de reforço; orientar e dar suporte ao uso correto das máscaras; exigir o comprovante vacinal para algumas atividades e locais; controlar mais e melhor a entrada internacional, por aeroportos principalmente.”

Prof. Sinézio Inácio da Silva Júnior: Nós vamos ter um grande teste pela frente. As festas de final de ano e carnaval. Isso com o ingrediente da nova variante de preocupação. Não fosse ela, poderíamos supor, pelo avanço da vacinação e queda, embora lenta no momento, do ritmo do contágio, que no primeiro trimestre de 2022 poderíamos estar retomando o normal mais próximo do que era. Ou seja, atividades presenciais como antes, mas ainda com o uso das máscaras e demais cuidados em locais fechados. E no ritmo de vacinação atual, talvez nós não cheguemos a 14 dias do Natal com pelo menos 85% da população total vacinada com as duas doses. Esses 14 dias porque é o prazo mínimo para que se observe uma resposta imunológica mais robusta à vacina.

Mais do que o controle, o fim do cenário pandêmico, no nível individual depende da adesão à vacinação, evitar aglomerações, usar máscara e higiene de mãos. No nível de governos, acelerar a vacinação, inclusive antecipando ao máximo a dose de reforço; orientar e dar suporte ao uso correto das máscaras (inclusive com distribuição de modelos eficientes para a população mais pobre, pelo menos); exigir o comprovante vacinal para algumas atividades e locais; controlar mais e melhor a entrada internacional, por aeroportos principalmente (exigir comprovante de vacinação, pelo menos).

(Foto: Reprodução/Freepik)

E acima de tudo ter a consciência, com consequência, de que a pandemia é um problema coletivo, foi gerada por um processo coletivo e só vai ser resolvida coletivamente. Trata-se da maior emergência sanitária da história humana. Isso pelas mortes que aconteceram no espaço de tempo em que aconteceram e pelo domínio geográfico, social, econômico, social e até cultural que a pandemia alcançou. É fruto de um modo de reprodução material da vida que se mostra ameaçador à própria vida. E, se queremos sobreviver ao desafio, temos que nos importar com a vida em todos os países e povos. Solidariedade não é simples questão de bondade, hoje é uma questão de inteligência para nossa espécie.