Modelagem de eventos fisiológicos em cultura de células 2D vs. 3D

Modelagem de eventos fisiológicos em cultura de células 2D vs. 3D

As técnicas tradicionais de cultivo celular 2D são amplamente aplicadas na pesquisa para o entendimento das funções e mecanismos envolvidos nas respostas celulares, entretanto, este modelo de cultura não possui a complexidade encontrada em organismos vivos. Com o intuito de mitigar esta limitação, e ampliar o arranjo espacial, a utilização de cultura em modelo 3D pode agregar completude ao estudo das respostas bioquímicas esperadas pelas células, bem como da influência do microambiente na farmacodinâmica e farmacocinética de uma população celular. Porém, o modelo 3D também apresenta desafios, principalmente quanto à construção da interface tecido-tecido, controle das distribuições espaço-temporais de oxigênio e dióxido de carbono, nutrientes e resíduos e também quanto à customização de outros fatores microambientais que regulam as atividades in vivo (HUH; HAMILTON; INGBER, 2011). Assim, os objetivos deste artigo foram fornecer uma visão geral dos diferentes métodos de cultura 2D e 3D com uma revisão sobre os benefícios e desvantagens de cada modelo, além de discutir técnicas atuais, desafios imediatos e as diferenças nos resultados ​​em 2D e 3D e suas implicações.

As técnicas adaptadas para o cultivo em 2D são utilizadas como métodos alternativos que possibilitam a cultura e análise de células que não sobreviveriam no modelo 2D tradicional, entre estas técnicas são citadas a cultura em sanduíche, a formação de micro padrões em placas e a alteração da rigidez dos substratos, todas essas modificações promovem diferenciação e alteração na morfologia celular que não são possíveis no método tradicional. As técnicas em 3D são baseadas na capacidade de adesão da célula à matriz e de adesão célula-célula. Entre os métodos citados para a criação de esferoides está o hanging drop, as placas modificadas para hanging drop e as placas com materiais não aderentes, o que permite o cultivo de células em suspensão promovendo o agregamento celular. A construção de uma matriz extracelular pode ser realizada através da utilização de biopolímeros que promovem o encapsulamento de células, podendo ser fabricadas de forma natural através do uso de tecidos animais ou de forma sintética. Essas matrizes podem possuir uma microarquitetura personalizável, dependendo do material e do processamento de criação realizado, e sua porosidade está intimamente ligada à capacidade de celularização, proliferação e movimentação celular.

Outra forma de se realizar cultura em 3D é por meio da utilização de biorreatores que permitem o cultivo de células semi aderentes ou em suspensão, a construção de folhas de células que permite o cultivo em 3D sem a utilização de uma matriz complexa e a fabricação de dispositivos como órgãos em chip. As culturas de células 3D diferem muito do padrão 2D na interação célula-célula, mecânica celular e acesso a nutrientes. Existem diferenças também nos comportamentos de proliferação celular, diferenciação, apoptose e movimento celular. Algumas características de células tumorais não são devidamente modeladas em 2D, embora exista uma maior taxa de proliferação e expressão de níveis mais altos de proteínas do citoesqueleto e da matriz extracelular do que aquelas cultivadas em culturas 3D. É importante destacar o desafio do processo de escolha para um modelo uma vez que, quanto à proliferação e diferenciação celular, muitas diferenças são específicas da linhagem celular trabalhada. Foi apontado a diferença na expressão gênica que ocorre ao comparar modelos de cultura 3D e 2D em um mesmo tipo de linhagem celular, como a exemplo do GATA4 (fator de transcrição miocárdico) que está expresso em maior quantidade em modelos de técnicas 3D. Em um sistema 2D, as células são cultivadas em monocamada o que as tornam mais suscetíveis às interações com drogas. Em um sistema 3D, entretanto, é necessário que haja difusão da droga na matriz, o que faz com as células nesta conformação sejam menos suscetíveis.

Essa diferença na suscetibilidade promove uma maior morte de células na cultura em 2D o que demonstra uma maior fidelidade do modelo em 3D para o modelo in vivo. Quanto à migração, fibroblastos migram mais rápido em cultura 3D comparados com sua cultura em 2D, assim, aquele modelo é mais realista para avaliar migração celular e a ajudar no entendimento de metástases de câncer ou de doenças afetadas pela migração. Já para avaliação de respostas mecânicas, a avaliação em cultura 2D é significantemente mais fácil. O modelo 2D é clássico e muito utilizado ainda hoje, porém, o 3D tem se tornado mais necessário, pois imita o ambiente in vivo com um grau de precisão mais aceitável. Os métodos 3D mais atuais e populares são hidrogéis e biorreatores, pois proporcionam um ambiente mais fisiologicamente relevante na investigação do comportamento de células e tecidos. Mas a falta de uma abordagem padrão em culturas 3D revela-se um obstáculo ainda a ser superado. Desta forma, é possível concluir que cada interesse investigado exigirá a utilização de um modelo. Em determinados casos, cultura em 2D será mais viável e proporcionará resultados significativos, já em outros, em 3D apresentará resultados mais precisos e ainda poderá ser realizada em uma combinação com a 2D.

Autoras: Fernanda Rafaelly de Oliveira Pedreira e Kamila Thayssa Tortoza Deleprani

Revisão e responsável da disciplina: Graziela Domingues de Almeida Lima

Coordenação do projeto de extensão: Juciano Gasparotto

Referências

DUVAL, K. et al. Modeling Physiological Events in 2D vs. 3D Cell Culture. Physiology, Bethesda, v. 32, n. 4, p. 266–277, July. 2017.

HUH, D.; HAMILTON, G. A.; INGBER, D. E. From 3D cell culture to organs-on-chips. Trends Cell Biol, Cambridge, v. 21, n. 12, p. 745–754, Dec. 2011.