Entre os dias 28 e 30 de setembro de 2023 a UNIFAL-MG esteve representada, com apresentação de trabalhos científicos, no “XIV Seminario Internacional Políticas de la Memoria – Democracia 40 años: debates y reflexiones desde el presente”. O evento aconteceu no Centro Cultural da Memória Haroldo Conti, em Buenos Aires/Argentina, cujo nome homenageia o escritor argentino Haroldo Conti, sequestrado e desaparecido no período da ditadura militar no país.
Os trabalhos apresentados no seminário são resultantes dos eixos da Pesquisa e da Extensão desenvolvidos no Instituto de Ciências Sociais Aplicadas e se deram a partir de desdobramentos de estudos e projetos de docentes do ICSA, pelo PPGPS, e do ICHL, com apoio da PROEC.
Em relação à pesquisa, foi apresentado o artigo do mestre, recentemente formado pelo Programa de Pós-Graduação em Gestão Pública e Sociedade, Mateus Muniz de Souza e da professora Elisa Zwick, orientadora da dissertação. O artigo, intitulado “Neoliberalismo del Miedo: notas sobre la muerte de la democracia”, abordou interfaces entre a racionalidade neoliberal e o medo que permitem ao capitalismo assujeitar os indivíduos às exigências do mercado. Para os autores, foi uma oportunidade ímpar de discutir a precarização das relações de trabalho no contexto neoliberal diante das novas formas de emprego e da chamada “pejotização” do trabalhador, que tem produzido um direito do trabalho de exceção.
Nas palavras de Mateus, “participar do Seminário ‘40 Anos da Democracia Argentina’ foi uma experiência única e emocionante. As conversas e reflexões significativas que ocorreram lá me deixaram profundamente feliz. Foi uma honra estar no maior centro de Direitos Humanos da América Latina, onde um dia funcionou um centro clandestino de detenção, tortura e extermínio durante a ditadura Argentina. Essa experiência trouxe à tona emoções intensas e um profundo senso de significado e responsabilidade. Nossa pesquisa abordou questões teóricas sobre a corrosão progressiva dos direitos trabalhistas, destacando o fenômeno do direito do trabalho de exceção. Foi discutido como o medo é estrategicamente utilizado pela racionalidade neoliberal para assegurar a eficácia de princípios como meritocracia, resiliência, competição e individualismo. A dinâmica desta racionalidade é totalitária, reprime ao mesmo tempo em que oferece um conjunto de promessas de êxtase e gozo. Qualquer ato de resistência pode levar à invisibilidade, à impotência econômica e à impotência de espírito. O direito do trabalho de exceção produzido pela racionalidade neoliberal condena o indivíduo a viver sob certa perspectiva trágica, sendo incapaz de projetar uma vida para além de si, já que tudo lhe foi tirado. Ele sabe que quando não for mais útil para o mercado sua vida existencial será atirada para a lixeira da inaptidão e da rejeição. Destacamos que os indivíduos muitas vezes assumem um ‘contrato psicológico’ que os obriga a aderir à missão da racionalidade neoliberal, sob pena de passar fome, fracassar ou ser uma vergonha para a sociedade. Ao mesmo tempo em que a racionalidade neoliberal exige comprometimento, submissão e servidão voluntária, transfere riscos para os trabalhadores, produzindo o aumento da sensação de medo”.
O trabalho foi apresentado no EIXO 2/Mesa 3 – “Passado e presente dos direitos trabalhistas na Argentina e na América Latina: rumo a um equilíbrio entre os avanços e retrocessos nas últimas décadas”, que esteve sob a coordenação de Victoria Basualdo (pesquisadora do CONICET e Área de Economia e Tecnologia da FLACSO) e de Matías Cremonte (Presidente da Associação de Advogados Trabalhistas da América Latina).
A Extensão foi representada pelo trabalho de Lucas Magalhães Costa, Paulo César de Oliveira, Sandro Amadeu Cerveira e Fernando Batista Pereira, intitulado “Extensión universitaria y educación política: una experiencia de popularización del conocimiento democratico tras las elecciones de 2018 en Brasil”. A apresentação foi conduzida por Lucas Magalhães Costa, egresso do mestrado em História Ibérica da UNIFAL-MG e que tem estado presente em todas as edições do Curso de Filosofia Política, no projeto de extensão intitulado “Um Livro, Várias Lições”. A fala de Lucas abrangeu um relato sobre as edições do evento e a importância da formação política que a extensão da Unifal-MG tem proporcionado à comunidade interna e externa à universidade.
A exposição despertou o interesse dos ouvintes em acessar o livro alusivo ao projeto, lançado em 2020, disponível gratuitamente no site da Editora Fi . Segundo Lucas, “foi uma experiência muito especial para mostrar em âmbito sul-americano os resultados de três anos do nosso Curso de Extensão em Filosofia Política, num momento decisivo também para a nação e democracia argentina”.O trabalho foi apresentado no EIXO 6/MESA 30 – “Práticas educativas para a construção da Democracia e dos Direitos Humanos”, que esteve sob a coordenação de Luciana Morini e Francisco Scarfó.
Além das seções de apresentação, o evento também contou com uma mobilização convocada por grupos feministas, contra o avanço da direita e extrema direita na Argentina na Plaza de Mayo e na Plaza Congreso, onde foi realizada uma cerimônia. Também houve uma atividade coletiva nas dependências da antiga ESMA, incluindo um passeio pelas mostras do Centro Cultural Haroldo Conti com os curadores Federico Geller e Lupe Marín, uma conversa e visita à casa das Avós da Plaza de Mayo (Casa por la Identidad) da antiga ESMA, com Sabrina Gullino Valenzuela Negro, neta recuperada e membro da referida organização e uma visita guiada ao Museu do Sítio da ESMA, que acaba de ser declarado Património Mundial pela UNESCO.
Para a professora Elisa, as atividades proporcionaram o compartilhamento de experiências vividas e mantiveram o propósito do seminário, “de preservar a memória do passado das ditaduras na América Latina, refletindo sobre a importância de formação política para que formas de estado autoritário não ascendam”. A docente ainda ressaltou que “a dupla inserção da UNIFAL-MG neste importante evento internacional adquire novos rumos para projetos e programas dos estudantes e professores presentes, motivando-se novas perspectivas de leitura e que podem alimentar de modo singular o processo de internacionalização da Universidade”.
Sobre o Seminário
De acordo com a professora Elisa, “por situar-se neste que é hoje o maior centro de direitos humanos da América Latina e que atua como órgão público vinculado à Secretaria Nacional de Direitos Humanos no âmbito das políticas públicas de Memória, Verdade e Justiça, os Seminários carregam, em seus 14 anos de tradição, debates pautados pela análise crítica de questões enfrentadas pela sociedade. O evento já teve, em edições anteriores, grupos de trabalho e mesas de apresentações sobre ditaduras militares no país e na América Latina, registrando a memória dos anos de repressão. Também constou com edição sobre a Teoria Crítica de Walter Benjamin, enveredando para análises sobre os direitos humanos, justiça e verdade, bem como já tematizou questões políticas nacionais e internacionais e sobre o mundo do trabalho na ordem neoliberal. Os temas correlatos à ordem democrática voltaram à pauta na edição desse ano por ocasião do marco dos 40 anos de regimes democráticos ininterruptos na Argentina. Tratou-se de uma perspectiva importante também por ser o momento em que o país vizinho enfrenta inúmeras tensões no período pré-eleitoral que definirá a/o próxima/o ocupante da Casa Rosada e os debates se acirram no contexto da crise econômica com intensa desvalorização da moeda, fatos que não deixaram de integrar o clima do seminário deste ano”.
Informações: Elisa Zwick