A conquista do voto feminino no Brasil

Laís Navarro da Cunha¹

 

“Recusar à mulher a igualdade de direitos em virtude do sexo é denegar justiça a metade da população”.
Bertha Lutz

Bertha Lutz na Conferência que aprovou a Carta da ONU em 1945 nos Estados Unidos da América. (Foto: arquivo/Laís Navarro da Cunha)

Quando falamos sobre os direitos políticos femininos, a palavra certa a ser usada é: conquista. Aqui, vamos fazer uma breve reconstituição da luta feminina pelo voto no Brasil e dar ênfase às trajetórias de algumas mulheres que se destacaram no processo de conquista desse direito fundamental para o bem-estar social de todas nós. Acima, a educadora e sufragista Bertha Lutz (1894-1976) falava sobre as mulheres serem a metade da população brasileira da época. Hoje, já somos mais da metade da população e, ainda assim, de acordo com estatísticas do último processo eleitoral, representamos apenas 34% das candidaturas e 18% das eleições. Do ano de 1932 até o momento atual, conquistamos um amplo espaço na vida pública do país; porém, ainda há muito a ser conquistado.

O Código Eleitoral de 1932, que criou a Justiça Eleitoral durante o governo do presidente Getúlio Vargas, considerou como eleitores todos os cidadãos maiores de 21 anos, sem distinção de gênero. Entretanto, para as mulheres o voto era censitário: somente diante da comprovação de renda e de alfabetização poderiam ser consideradas aptas a votarem. Esses requisitos retiravam o direito ao voto de mulheres pretas, pobres e indígenas que, em sua maioria, não tinham acesso à educação e não possuíam renda, visto que havia se passado menos de 50 anos da abolição da escravização no Brasil.

Bertha Lutz no avião em que foram lançados panfletos em apoio ao voto feminino, no Rio Grande do Norte. (Arquivo: Laís da Cunha)

Por volta de 100 anos, antes do Código Eleitoral de 1932, em especial durante o século XIX, mulheres brasileiras já se aproximaram das ideias do movimento sufragista, que reivindicava o voto feminino em outros países. A educadora Nísia Floresta, por exemplo, foi uma dessas mulheres. Em seu livro intitulado Direito das mulheres e injustiça dos homens (1832) – fortemente influenciado pela escritora inglesa Mary Wortley Montagu (1689-1762) -, Floresta refletia: “Por que [os homens] se interessam em nos separar das ciências a que temos tanto direito como eles, senão pelo temor de que partilhemos com eles, ou mesmo os excedamos na administração dos cargos públicos, que quase sempre tão vergonhosamente desempenham?”. Neste trecho percebemos como a educadora entendia que o direito à educação levaria às mulheres a ocuparem o espaço público e político, à época, somente ocupado por homens. Nísia Floresta ficaria orgulhosa em saber que nós, mulheres, somos a maioria dos estudantes de graduação e pós-graduação na UNIFAL-MG, nossa Universidade.

Posse de Alzira Soriano como prefeita, em 1929. (Foto: arquivo/Laís da Cunha)

No início do século XX, em 1919, Bertha Lutz fundou a Liga pela Emancipação Intelectual da Mulher, que tinha como uma das pautas a defesa do sufrágio feminino. Em 1926, a legislação eleitoral do Rio Grande do Norte previa que: “poderão votar e ser votados, sem distinção de sexos, todos os cidadãos que reunirem as condições exigidas por lei”. Dessa forma, vislumbrando chances de uma candidatura feminina, Lutz viajou por todo o estado e, na cidade de Lajes, conheceu Alzira Soriano (1896-1963), viúva e administradora de uma fazenda. Em Soriano, Bertha Lutz viu grande potencial de gestão e, então, a convenceu a concorrer ao cargo de prefeita nas eleições de 1928. Alzira Soriano foi eleita e tomou posse em 1929, como a primeira prefeita eleita, não só no Brasil, mas também na América Latina. É importante destacar que a primeira eleitora mulher também foi uma nordestina: a educadora Celina Guimaraes Vianna (1890-1072), que exerceu seu direito ao voto na eleição de 1928, na cidade de Mossoró, no interior do Rio Grande do Norte.

Celina Guimarães Vianna votando na cidade de Mossoró, em 1928. (Arquivo: Laís da Cunha)

No dia 24 de fevereiro de 1932 foi promulgado o Código Eleitoral que, finalmente, trouxe o direito ao voto das mulheres expresso em uma lei nacional que foi inserida na Constituição de 1934, durante o governo Vargas. Nesse contexto, não se pode deixar de enfatizar a importante participação da educadora e escritora

A educadora Antonieta de Barros, primeira mulher preta a ser eleita deputada. (Arquivo: Laís da Cunha)

brasileira Antonieta de Barros (1901-1952) em todo processo de luta pelo o voto feminino. Barros foi eleita em 1934, sendo a primeira mulher e a primeira mulher preta deputada estadual da Assembleia Legislativa de Santa Catarina. A educadora se dedicou à luta pela emancipação feminina e pela educação de qualidade para todos.

O maior número de mulheres eleitas, no entanto, se deu na Assembleia Constituinte de 1987-1988, quando deputadas e senadoras formaram uma aliança suprapartidária, por meio do “Lobby do Batom”, defendendo vários direitos civis, como a igualdade jurídica e de salários entre homens e mulheres, a igualdade de responsabilidades na família, a proibição da discriminação feminina no mercado de trabalho, a licença-maternidade de 120 dias e mecanismos para combater e prevenir a violência doméstica. Nem todas as demandas foram conquistadas, mas a luta pela ampliação da representatividade feminina continua para que essas e outras reivindicações se convertam em direitos efetivos. Nos dias atuais, somos 53% do eleitorado brasileiro, mas cerca de 17% dos parlamentares no Congresso Nacional.

Líderes do movimento que ficou conhecido como Lobby do Batom, em encontro com Tancredo Neves. Foto: Sergio Falci. (Arquivo: Laís da Cunha)

Ainda há um longo caminho a ser percorrido quando falamos sobre a participação ativa das mulheres na política institucional. A conquista do voto feminino deve ser muito celebrada. Todavia, esperamos que ela seja entendida como um processo de muitas lutas e esforços femininos, além de um incentivo para que continuemos esperançosas e ativas na busca por maior influência na política de nosso país e em defesa dos direitos das mulheres plurais.


Referências Bibliográficas:

CAMPOI, Isabela Candeloro. O livro “Direitos das mulheres e injustiça dos homens” de Nísia Floresta: literatura, mulheres e o Brasil do século XIX. História: São Paulo, v. 30, 2011, p. 196-213. Disponível em: https://www.scielo.br/j/his/a/rxXDkxX8hshjGT9vsDwbndx/. Acesso em: 17 de janeiro de 2024.

JUSTIÇA ELEITORAL. Estatísticas. TSE Mulheres, 2019. Disponível em: https://www.justicaeleitoral.jus.br/tse-mulheres/#estatisticas Acesso em: 17 de janeiro de 2024.

JUSTIÇA ELEITORAL. Voto feminino completa 90 anos no Brasil. YouTube, 2022. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=kajgXbn6CXg .Acesso em: 17 de janeiro de 2024.

SALGADO, Ivanei. Mulheres são maioria nos cursos de graduação e pós-graduação da UNIFAL-MG; 60% do corpo discente é composto por universitárias, superando o percentual nacional. UNIFAL-MG, 2022. Disponível em: https://www.unifal-mg.edu.br/portal/2022/03/31/mulheres-sao-maioria-nos-cursos-de-graduacao-e-pos-graduacao-da-unifal-mg-60-do-corpo-discente-e-composto-por-universitarias-superando-o-percentual-nacional/ Acesso em: 17 de janeiro de 2024.

TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL. Dia da Conquista do Voto Feminino no Brasil é comemorado nesta segunda (24). TSE, 2022. Disponível em: https://www.tse.jus.br/comunicacao/noticias/2020/Fevereiro/dia-da-conquista-do-voto-feminino-no-brasil-e-comemorado-nesta-segunda-24-1 Acesso em: 17 de janeiro de 2024.

 



¹ Laís Navarro da Cunha é graduada em História pela Universidade Federal de Alfenas (UNIFAL-MG) e mestranda no Programa de Pós-graduação em História Ibérica pela mesma universidade. É professora do Ensino Básico de Minas Gerais, na Escola Estadual Cesário Coimbra.

 

 

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