Aleitamento materno proporciona melhor desenvolvimento a recém-nascidos e traz benefícios para saúde de mães; confira o que profissionais da UNIFAL-MG dizem em entrevista especial da campanha “Agosto Dourado”

O mês de agosto se dedica à conscientização da importância do aleitamento materno, que deve ser exclusivo até os 6 meses de idade, conforme indica a Sociedade Brasileira de Pediatria. Com a campanha “Agosto Dourado”, discutem-se os benefícios do leite, alimento mais completo para os bebês, quanto à melhora no crescimento e desenvolvimento, à prevenção de doenças alérgicas e infecciosas e à redução da mortalidade infantil. Para as mães, o aleitamento pode evitar óbitos por hemorragia, prevenir doenças cardiovasculares e câncer de mama, ovário e endométrio e aumentar o vínculo com o recém-nascido.

A fim de destacar o tema, a Diretoria de Comunicação Social da UNIFAL-MG entrevistou a enfermeira e professora Christianne Alves Pereira Calheiros, da Escola de Enfermagem, a nutricionista e professora Daniela Braga Lima, da Faculdade de Nutrição, e a pediatra atuante em terapia intensiva neonatal na Santa Casa de Alfenas Naiara Silva Cosmo de Araújo, professora da Faculdade de Medicina. Os temas das entrevistas contemplam desde indicações de cuidados para saúde nutricional das mães até dúvidas sobre a presença de anticorpos contra o coronavírus em bebês cujas mães já se vacinaram. Confira: 

1 – Quais os benefícios do aleitamento para a saúde da mãe e o desenvolvimento do bebê?

Profa. Christianne Alves Pereira Calheiros: São várias as vantagens para a mãe: evita mortes por hemorragia; aumenta a perda de peso; previne o câncer de mama, ovário e endométrio; previne doenças cardiovasculares, inclusive o infarto agudo do miocárdio (IAM); e protege contra a osteoporose. Pensando no recém-nascido, o leite já vem pronto, na temperatura certa, e a mãe não precisa preparar. A amamentação, então, diminui gastos econômicos, não gera lixos – já que não produz latas e mamadeira de plástico – e apresenta menos riscos de contaminação, pois o leite é levado direto da mãe para o filho. O processo também aumenta vínculo e afetividade mãe e bebê, devido ao fato de estarem juntos na primeira hora de vida; previne asma, doenças alérgicas, diabetes, diarreia; evita a mortalidade infantil; desenvolve, estimula e fortalece a arcada dentária; diminui cólicas e melhora a digestão. 

Profa. Naiara Silva Cosmo de Araújo: São vários os benefícios do aleitamento materno. Para o bebê, proporciona um melhor crescimento e desenvolvimento, bem como maior contato com a mãe, estabelecendo um vínculo afetivo intenso; previne doenças infecciosas, como diarreias; diminui o risco de alergias futuras; melhora o desenvolvimento cognitivo e inteligência da criança a longo prazo; estimula o desenvolvimento da arcada dentária. Leite materno é sem dúvida o alimento mais completo para o bebê.

2 – A partir de que momento a amamentação deve se iniciar? Quais os cuidados devem ser tomados?

Profa. Christianne Alves Pereira Calheiros: A partir da “Golden Hour”, hora dourada, primeira hora após o nascimento. Quando a amamentação se inicia nesse momento, quer dizer, conforme pesquisas, que ela terá uma tendência maior de dar certo.

3 – Em que medida se torna relevante falar sobre a amamentação materna neste mês da campanha “Agosto Dourado” e também durante todo o ano?

Profa. Christianne Alves Pereira Calheiros: O agosto dourado é uma campanha que acontece promovida pela Aliança Mundial de Ação Pró-Amamentação (WADA) em 120 países, com a produção de material informativo em 14 línguas, que tem como objetivo estimular e conscientizar sobre o processo de amamentação no mundo. É relevante pois busca o padrão ouro para a amamentação, assim como busca diminuir milhões de mortes infantis, de 0 a 5 anos de idade, e milhares de mortes maternas no mundo.

Profa. Daniela Braga Lima: Embora existam, atualmente, no Brasil, vários programas e estratégias para a contribuição do aumento na duração da prática de aleitamento materno, como Programa Nacional de Incentivo ao Aleitamento Materno, iniciativa do Hospital Amigo da Criança, a Estratégia de Saúde da Família e a Estratégia Amamenta e Alimenta Brasil, a prevalência do aleitamento materno exclusivo em crianças menores de seis meses, de acordo com o Estudo Nacional de Alimentação e Nutrição Infantil (ENANI) 2019, ainda é insatisfatória. A prevalência de AME foi de 45,7% no Brasil, sendo essa prática mais frequente na região Sul (53,1%) e menos na região Nordeste (38,0%). Esses achados apontam que, apesar do aumento da prevalência da amamentação nos últimos anos, o desmame precoce ainda é um importante problema de saúde pública no Brasil. Sendo assim, incentivar a promoção e apoio ao aleitamento materno são medidas de intervenção necessárias para reduzir o desmame precoce e para minimizar as suas consequências.

Profa. Naiara Silva Cosmo de Araújo: Agosto dourado é um mês em que nós, pediatras, intensificamos as divulgações sobre os benefícios da amamentação, mas não podemos nos esquecer de apoiar a amamentação sempre, o ano todo. Acredito que a informação sobre o aleitamento materno é a nossa maior arma no sucesso da amamentação.

4 – Há muitos desafios que se impõem às mães. Quais seriam os mais recorrentes? Como é possível ajudá-las?

De acordo com a Profa. Christiane Calheiros, o aleitamento traz benefícios tanto para a mãe quanto para o recém-nascido. (Foto: Arquivo Pessoal/Profa. Christianne Alves Pereira Calheiros)

Profa. Christianne Alves Pereira Calheiros: Os maiores desafios verificados hoje, em primeiro lugar, são a crença de que o leite não é forte, de que o leite não está sendo suficiente para nutrir o recém-nascido e, em segundo lugar, de que o processo de amamentação é dolorido para a mama. Temos que começar a trabalhar a amamentação em todos os espaços do mundo, pois amamentação é uma responsabilidade de todos, além de orientar a gestante no pré-natal, pré-parto, parto e puerpério imediato e tardio por meio da visita domiciliar, quando a puérpera retorna a sua casa, sua área de abrangência. Além disso, ensinar e supervisionar a pega, a posição para amamentar, à mãe e a familiares, bem como estimulá-la a amamentar exclusivamente até os seis meses de vida do recém-nascido e até dois anos com introdução de novos alimentos.

5 – Como a profissional da enfermagem se insere no contexto de apoio às mães, principalmente durante amamentação do primeiro filho?

Profa. Christianne Alves Pereira Calheiros: Inicialmente, na primeira hora, instituir a hora dourada, levando-o do nascimento para o peito, para o abraço! Inserir mãe, recém-nascido e familiares no alojamento conjunto, para que possam ser acompanhados por uma equipe multi e interdisciplinar especializada em promoção do aleitamento materno. É importante que a mulher possa ter suas primeiras experiências com o bebê assistida por uma equipe que a auxiliará nesse momento novo, e que também possa ter o apoio de outras mulheres que amamentaram e tiveram êxito. Enfim, o profissional de enfermagem deve acompanhar a mãe em sua residência, por meio da visita domiciliar, nos primeiros 7 dias, pois, assim, é possível esclarecer duvidas, verificar a evolução do processo de amamentação e interferir para prevenção de complicações e para garantir uma amamentação padrão ouro.

6 – Do ponto de vista nutricional, qual a importância do aleitamento tanto para a saúde da mãe e quanto do bebê?

“O aleitamento materno é a forma ideal de alimentar a criança pequena; é considerado um dos pilares fundamentais para a promoção e proteção de saúde das crianças”, reforça a Profa. Profa. Daniela Braga Lima. (Foto: Arquivo Pessoal/Profa. Daniela Braga Lima)

Profa. Daniela Braga Lima: A amamentação é uma etapa importante no crescimento e desenvolvimento da criança, além de ser de extrema relevância para o binômio mãe e filho. O aleitamento materno é a forma ideal de alimentar a criança pequena; é considerado um dos pilares fundamentais para a promoção e proteção de saúde das crianças. O leite materno previne o desenvolvimento de morbidades e mortalidade infantil. Ainda, apresenta compostos imunológicos e probióticos que vão agir sobre a microbiota intestinal da criança conferindo proteção contra bactérias e infecções. Leite materno é alimento completo, seguro e ideal, possui calorias, gorduras, proteínas, vitaminas, água e outros nutrientes essenciais na dose certa para o crescimento e o desenvolvimento adequado das crianças. O leite materno nunca é fraco.

A cor e a composição do leite podem variar dependendo da alimentação da mãe e, também, do momento da mamada. Em uma mamada, o leite que é liberado primeiro pode parecer “ralo” ou “fraco”, por ser mais transparente, mas esse leite é rico em água, importante para a hidratação da criança, e anticorpos, para protegê-la de infecções. Depois de a criança mamar por algum tempo, o leite pode ficar mais esbranquiçado ou amarelado, por conter mais gorduras. Há alteração do sabor e do cheiro do leite materno de acordo com a duração da mamada e a alimentação da mãe, o que influencia o desenvolvimento do paladar da criança, tornando-a mais propensa a aceitar uma variedade maior de sabores partir do 6 meses. O ato de amamentar traz também benefícios para a mãe, como o fortalecimento do laço afetivo, bem como na recuperação pós-parto, além de prevenir o câncer de mama e de ovário.

7 – O leite materno, realmente, substitui outros alimentos durante os período inicial da vida do bebê? Essa é uma afirmação que vemos com frequência e, à primeira vista, pensamos que isso não é possível. Como é, de fato, essa questão na boa nutrição do bebê?

Profa. Daniela Braga Lima: A recomendação atual da Organização Mundial de Saúde e do Ministério da Saúde é que a criança seja amamentada já na primeira hora de vida e por 2 anos ou mais. Nos primeiros 6 meses, a recomendação é que ela receba somente leite materno, pois ele é completo, seguro e ideal para atender todas suas necessidades. Quando isso ocorre, dizemos que a criança está em amamentação exclusiva. Nenhum outro tipo de alimento necessita ser dado ao bebê enquanto estiver em amamentação exclusiva: nem líquidos, como água, água de coco, chá, suco ou outros leites; nem qualquer outro alimento, como papinha e mingau. Mesmo em regiões secas e quentes, não é necessário oferecer água às crianças alimentadas somente com leite materno, pois ele possui toda a água necessária para a hidratação nesse período. Em dias quentes, a criança poderá querer mamar com mais frequência para matar a sede.

A oferta de outros alimentos antes dos 6 meses, além de desnecessária, pode ser prejudicial, porque aumenta o risco de a criança ficar doente e pode prejudicar a absorção de nutrientes importantes existentes no leite materno, como o ferro e o zinco. Além disso, em geral, o trato gastrointestinal da criança encontra-se apto, ou seja, em pleno desenvolvimento, para receber só outros alimentos em torno dos 6 meses. “Se fosse possível dizer em uma frase por que o leite materno e a amamentação são tão importantes, a frase seria ‘amamentar é muito mais que alimentar uma criança’. O leite materno é o primeiro contato das crianças pequenas com uma comida de verdade e o período da amamentação é especial, cercado de afeto e cuidado” (Ministério da Saúde, 2019). Sendo assim, não existe outro leite igual, nem parecido, apesar dos esforços da indústria em modificar leites de outros mamíferos, como o da vaca, para torná-los mais adequados ao consumo por crianças pequenas.

8 – Pensando na alimentação materna e na produção de leite, que alimentos são recomendados e não recomendados? Há indicação de cuidados especiais não só em relação à alimentação, mas também à prática de atividades físicas?

Profa. Daniela Braga Lima: A quantidade de leite que a mulher produz depende, principalmente, de quanto de leite está sendo consumido pela criança. Logo, quanto mais vezes a criança sugar e mais leite consumir, mais leite a mulher vai produzir. Isso explica por que as mulheres podem doar leite sem que isso prejudique a amamentação de seus filhos, assim como mães de gêmeas ou gêmeos são capazes de alimentar as crianças exclusivamente com o seu leite. A saúde física e mental da mulher é muito importante; cuidar dela é fundamental. Há aspectos particulares da saúde da mulher, como a alimentação, a hidratação e o descanso, que merecem atenção redobrada, bem como a realização de atividade física orientada por um profissional da área.

As nutrizes ou lactantes devem consumir uma alimentação saudável, visando à manutenção da saúde e à produção de leite humano em quantidades suficientes e com adequada concentração de nutrientes. Durante a lactação, não é o momento mais adequado para fazer dietas restritivas e nem para comer descontroladamente. O ideal é que a mulher, desde a gestação, inclua os alimentos in natura, ou minimamente processados, à base da sua alimentação; deve utilizar óleos, gorduras, sal e açúcar em pequenas quantidades; limitar o uso de alimentos processados; evitar o consumo de alimentos ultraprocessados. As refeições devem ser feitas em clima de tranquilidade, mastigando bem os alimentos. A mulher também deve ser encorajada a beber água regularmente e com frequência; consumir com moderação cafés e outros produtos cafeinados. Não existe comprovação de que alguma comida ou bebida aumente ou reduza a produção de leite materno.

A Profa. Naiara Silva reforça a importância dos profissionais da saúde para acolher e esclarecer dúvidas das mães. (Foto: Arquivo Pessoal/Profa. Profa. Naiara Silva Cosmo de Araújo)

9 – De acordo com estudo desenvolvido pelo Instituto da Criança e do Adolescente (ICr), da USP, observou-se a presença de anticorpos contra o coronavírus no leite de mães que tomaram a Coronavac. Você poderia explicar um pouco essa questão, professora, pensando na saúde dos bebês e até mesmo nos riscos que as novas variantes do coronavírus podem trazer às mais diversas idades?

Profa. Naiara Silva Cosmo de Araújo: As mães vacinadas contra a Covid-19 transferem proteção aos seus bebês durante a amamentação. As vacinas do mRNA estimulam bem o sistema imunológico, e os anticorpos estão presentes no leite materno, especialmente o IgG. O IgA também, mas em proporções menores. Os estudos mostram que há a produção do anticorpo e que ele passa para o leite, mas não quanto tempo o anticorpo passado pelo leite materno protege o bebê. Dessa forma, não exime a mãe de se proteger adequadamente. Então, continua indicado o uso de máscara, higienização das mãos e distanciamento social, principalmente nesse momento com as novas variantes.

10 – Em sua experiência acadêmica e profissional, de consultório e hospitais, você já se deparou com situações que o aleitamento materno causa dor e angústia à mãe? Nesse caso, qual a sua recomendação?

Profa. Naiara Silva Cosmo de Araújo: Sim! Em vários momentos. Após o parto, a mãe pode atravessar muitas barreiras, e uma delas é relacionada à amamentação, fazendo com que se sinta angustiada, principalmente aquelas mães que não têm uma rede de apoio nesse momento. Muitas se sentem incapazes, pois não estão conseguindo amamentar. Nesses momentos, eu sempre deixo claro que nós, profissionais de saúde, estamos prontos para acolher e esclarecer todas as dúvidas daquelas mães, proporcionando informações sobre a descida do leite, sobre a importância do aleitamento materno, sobre a pega correta do bebê no seio materno, a importância de uma rede de apoio familiar.

11 – A universidade, como um espaço para diálogos e troca de conhecimentos/experiências, deve trazer para o debate a questão do aleitamento materno. De que modo promover isso, principalmente se considerarmos a conscientização sobre a importância dos direitos e da saúde física e mental da mãe, bem como a saúde do bebê?

Profa. Christianne Alves Pereira Calheiros: A universidade é outro espaço que tem responsabilidade de incentivar a amamentação e oferecer um espaço para que as mães amamentem, responsabilidade esta que já era preocupação da UNIFAL-MG antes da pandemia, a fim de que discentes pudessem ter um ambiente com conforto e segurança para amamentar, receber filhos, e também para a amamentação não se tornar uma barreira para que a mãe não pudesse estudar e garantir o alimento ao bebê. A universidade também deve levar todo o conhecimento sobre amamentação a toda a comunidade acadêmica, para todos os cursos, independente se da saúde ou não. Deve estar inserida em espaços em que haja possibilidade de criação ou implementação de políticas públicas que protejam a amamentação, levando a toda a comunidade, interna e externa, o conhecimento de que a amamentação é uma responsabilidade de todos!

Profa. Daniela Braga Lima: É importante salientar que, quando falamos sobre aleitamento materno, deve-se mencionar que não se trata apenas das necessidades do binômio mãe e bebê, mas de todo contexto social, econômico, emocional e cultural que envolve essa ação. Apesar de fisiológico, não é um processo simples, e a lactante pode enfrentar intercorrências durante o aleitamento, o que dificulta sua continuidade. Assim, a extensão universitária pode agir em prol da promoção do aleitamento materno por meio, por exemplo, do desenvolvimento de programas e projetos com rodas de conversas, eventos e palestras, que são considerados importantes dispositivos de incentivo à amamentação. Essas ações permitem uma grande troca entre profissionais em formação, sociedade e profissionais da saúde. A intenção primordial dessas ações de extensão é promover o conhecimento baseado em evidências científicas e, por meio das discussões, esclarecer e desmistificar conceitos populares que colocam o ato de amamentar em risco de insucesso, destacando os efeitos sustentáveis dessa ação que trazem vantagens a todo o planeta. Ainda, buscar relacionar a importante contribuição da amamentação como um componente-chave do desenvolvimento sustentável para atingir os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). A extensão é, de fato, presente na vida de muitos universitários brasileiros, visto que faz parte do conhecido tripé acadêmico ensino-pesquisa-extensão, que são ações diferentes entre si, porém indissociáveis (FORPROEX, 2012).

Profa. Naiara Silva Cosmo de Araújo: Primeiro, temos que conscientizar os nossos alunos dessa importância do aleitamento materno, e, com isso, promover campanhas e debates para a população. Buscar identificar e promover informações nos nossos ambulatórios na Clínica de Especialidades Médicas (CEM), nos PSF e hospitais, promover encontros com gestantes e ensinar, palestrar sobre o tema.