Pesquisa da UNIFAL-MG que investiga o papel do Estado no combate ao feminicídio ganha repercussão em evento nacional de Administração Pública; trabalho recebeu Menção Honrosa pela abordagem

O Brasil figura entre os países com alto índice de violência contra a mulher, fato que alarma e amplia o debate sobre as políticas públicas de combate ao feminicídio. Um estudo desenvolvido na UNIFAL-MG inverteu a lógica de pesquisas sobre o tema e investigou as razões de o Estado não conseguir dar resposta eficaz ao problema do feminicídio. O artigo, de autoria dos estudantes, Caio Correia dos Santos Quina e Larissa Lemos Dias, e da docente Fernanda Mitsue Soares Onuma, do curso de Administração Pública, foi premiado no 45º Encontro da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Administração (EnANPAD), ocorrido no início de outubro.

Caio Quina e Larissa Lemos – discentes do curso de Administração Pública, autores do artigo premiado no evento. (Fotos: Arquivo Pessoal)

A pesquisa foi iniciada pelo discente Caio Quina durante o Trabalho de Conclusão do curso de Bacharelado Interdisciplinar em Ciência e Economia (BICE), sob a orientação da professora Fernanda Onuma. Atualmente, compreender o papel do Estado na proteção contra o feminicídio, sob a ótica materialista, faz parte das discussões do Grupo de Estudos sobre Estado, Mulheres e Políticas Públicas, o GENI. O grupo foi criado em 2014 visando conhecer e compartilhar estudos científicos sobre Estado, mulheres e políticas públicas.

“Os estudos do GENI acabaram se desdobrando em diferentes ações de ensino, como os próprios estudos realizados pelo grupo e também palestras realizadas junto ao público acadêmico e comunidade externa à UNIFAL-MG, além de ações extensionistas e de pesquisa”, conta Fernanda Onuma, que divide a coordenação do grupo com as colegas do Instituto de Ciências Sociais Aplicadas (ICSA), as professoras Aline Lourenço de Oliveira e Cilene Margarete Pereira.

De acordo com a coordenadora, o grupo incorporou também estudantes do Programa de Pós-Graduação em Gestão Pública e Sociedade (PPGPS), mestrado acadêmico da área Interdisciplinar e tem aprimorado suas ações de pesquisa. “No próprio EnANPAD 2021, o tema ‘Gestão da pobreza: contribuições da teoria da reprodução social aos estudos sobre trabalho, organizações e educação’, da linha temática de Estudos Organizacionais foi criado a partir de discussões realizadas pela equipe do GENI”, revela.

Fernanda Onuma – docente do Instituto de Ciências Sociais Aplicadas e uma das autoras do artigo premiado, também coordenadora do Grupo de Estudos sobre Estado, Mulheres e Políticas Públicas, o GENI. (Foto: Arquivo Pessoal)

Segundo Fernanda Onuma, o artigo premiado durante o EnANPAD 2021 busca compreender por que o Estado não consegue responder de forma eficaz no combate ao feminicídio, a partir da Teoria Materialista do Estado. “Já se tornou lugar-comum em diferentes pesquisas sobre políticas públicas de combate à violência contra mulheres, a ideia de que as mesmas não funcionam em função do Estado. Mas, afinal, o que é o Estado e qual é o objetivo deste?”, indaga a docente.

Na visão da pesquisadora, embora haja muitas pesquisas e debates sobre o Estado, não existe uma preocupação em esclarecer adequadamente o seu papel. “Fala-se muito sobre ‘Estado’, sobretudo no cotidiano, mas também, em espaços acadêmicos, como o da Administração, sem a devida clareza sobre o que é o Estado em si e para que — e a quem — ele serve”, explica. “De forma bem objetiva, eu diria que nós invertemos a pergunta que a maioria dos estudos sobre políticas públicas de combate à violência contra mulheres tem feito”, acrescenta a docente.

Essa inversão do estudo chamou a atenção do Comitê Científico do EnANPAD 2021. “A teoria materialista do Estado aponta como sexismo e racismo são exemplos de formas de controle social: ao invés de diagnósticos mais profundos do funcionamento da sociedade, essas formas de ódio social servem de justificativa e ‘válvula de escape’ para alívio ilusório de tensões sociais no capitalismo, como a intelectual brasileira Heleieth Saffioti já nos explicava desde o final da década de 1960”, aponta a pesquisadora.

Conforme a professora, essa chave teórica pode ter chamado a atenção por ser bastante explicativa no contexto atual, principalmente, quando se observa “um esvaziamento no debate sobre Estado paralelamente a um crescimento de discursos de ódio ao redor do mundo”.

Apresentação do trabalho durante o EnANPAD. (Captura de tela: Arquivo Pessoal)

Ao comentar o significado da Menção Honrosa recebida na linha temática Estudos Organizacionais durante o evento de abrangência nacional, a professora afirma ser o reconhecimento de um fruto de anos de existência e de resistência do grupo.

“Passamos por momentos realmente difíceis, sobretudo, com o acirramento de discursos de ódio, nos últimos anos, que já afetaram gravemente a equipe. Soma-se a isso o senso comum que também permeia, infelizmente, parte da academia, que segue acreditando que pesquisas sobre mulheres seriam menos ‘científicas’ e mesmo duvidando das capacidades intelectuais de mulheres, mesmo entre nossos pares. Assim, vejo a premiação como um marco de reconhecimento, incentivo e indicador de que é possível fazer pesquisa de relevância social e reconhecimento acadêmico sem deixar de lado o ensino e a extensão”, salientou.

Quem tiver interesse em ler o artigo na íntegra, acesse aqui

Outros trabalhos de pesquisa aprovados e apresentados no EnANPAD 2021
Membros do GENI e da ITCP durante o evento. (Captura de tela: Arquivo Pessoal)

O GENI participou do evento com um total de seis artigos aprovados, de autoria de discentes da graduação e de pós-graduação vinculados ao Programa de Pós-Graduação em Gestão Pública e Sociedade, que integram o grupo. As publicações foram divulgadas no Instagram do grupo: @geniunifalmg.

A Incubadora Tecnológica de Cooperativas Populares (ITCP) também teve significativa participação no evento, com dois trabalhos aprovados e apresentados no encontro, além da participação do professor Dimitri Toledo, coordenador da ITCP, como debatedor em uma das sessões de trabalhos.

Confira os temas dos artigos apresentados no evento:

  • “Quem trabalha tem que ganhar mais, não é quem fica sentado. O dono do aplicativo fica sentado, ganha mais, e não tem gasto com nada: um olhar à dinâmica da uberização no modo de produção capitalista” — Kaio Lucas da Silva Rosa, Guilherme Kenji de Melo Omura, Ana Carolina Guerra e Dimitri Augusto da Cunha Toledo (Incubadora Tecnológica de Cooperativas Populares);
  • “Observando as Práticas e a Presença do Poder Legislativo em um Município do Sul de Minas Gerais” — Rodrigo Fernandes de Moura, Joice Zentner de Brito e Ana Carolina Guerra (Incubadora Tecnológica de Cooperativas Populares);
  • “Gestión penal de la pobreza y reproducción social en el contexto neoliberal” — Fermina Aurelia Garcia Charca (Programa de Pós-Graduação em Gestão Pública e Sociedade);
  • “Maternidade no cárcere e reprodução social no Estado neoliberal brasileiro: uma análise crítica do discurso da Política Nacional de Atenção às Mulheres em Situação de Privação de Liberdade e Egressas do Sistema Prisional” — Aline Cangira Medeiros (Curso de Administração Pública);
  • “A lente teórica da reprodução social contra a miopia sexista da ‘cortina de fumaça’ da falsa dicotomia entre lutas feministas e austeridade econômica no Brasil atual” — Fernanda Mitsue Soares Onuma e Aline Lourenço de Oliveira (Programa de Pós-Graduação em Gestão Pública e Sociedade)
  • “Panorama das Medidas Públicas para Pessoas em Situação de Rua na Pandemia COVID-19 à luz da Teoria Crítica de Nancy Fraser” — Carla Sandra Aguiar Siqueira dos Santos e Fernanda Mitsue Soares Onuma (Programa de Pós-Graduação em Gestão Pública e Sociedade);
  • “Ensaio sobre a reprodução social e o trabalho dos jovens” — Alyne Gonçalves Siqueira Luz e Silva (Programa de Pós-Graduação em Gestão Pública e Sociedade);
  • “As Creches nas Políticas para Primeira Infância: Uma Análise sob o Olhar de Classe, Raça e Sexo” — Larissa Lemos Dias e Caio Correia dos Santos Quina (Curso de Administração Pública).