Atrever-se a flutuar nos braços de um mundo terrenal: percepções subjetivas sobre a musicalidade da banda Perotá Chingó, por Jaíne Martins

A música e a língua são traços humanos que oferecem três tipos de conexões muito importantes: elas se conectam entre si, nos permitem conexão interior e nos proporcionam a construção dialógica coletiva. Quem nunca indicou uma música ou banda a uma pessoa amiga para iniciar uma conversa interessante? Ou até mesmo percebeu uma letra de música que combine com aquele momento pelo qual está passando?

“Soy el verbo que da acción a una buena conversación” é uma frase metalinguística que define a afinidade, em construção, que estabeleço com a música durante o meu período de graduação em Letras na UNIFAL-MG. Nesse sentido, repito: essas manifestações de linguagem nos permitem ligações fortemente complexas tanto no âmbito interativo social quanto no íntimo.

Integrantes da banda Perotá Chingó. (Foto: Patio Hype)

Para explicar essas afirmações, venho, nesta seção, compartilhar o gosto por uma banda bastante excêntrica, da qual se retira, de uma de suas canções, a frase em espanhol citada acima. Perotá Chingó é uma banda argentina, formada originalmente pelo duo portenho Dolores Aguirre e Julia Ortiz, no ano de 2011. Além das vocalistas, o grupo conta com o percussionista brasileiro Martín Costa e o guitarrista uruguaio Diego Cotelo. 

O próprio nome da banda representa muito da primeira impressão que tive ao escutá-la. Ao serem questionadas pelo jornal El Sol de Puebla a respeito do nome da banda, as vocalistas explicaram a origem do termo. De acordo com elas, “perotá” é uma palavra usada como um bordão para dizer “bom” ou “tudo de bom”. Já “chingó”, faz parte de uma música, cantada por elas, e é como uma onomatopeia. Na definição das artistas, a palavra chingó “não quer dizer algo, é mais um som do que um sentido”. À vista disso, proponho uma reflexão a respeito de como as representações sonoras e o seu modo de organização são capazes de nos permitir a produção de sentido sobre as relações a nossa volta.

Ao ter meu primeiro contato com Perotá Chingó, por meio da música Anhelando Iruya, composta por Joaquín Aguirre, tive a sensação de estar diante de uma combinação perfeita estabelecida entre o efeito sonoro produzido pelas vozes das duas mulheres e a letra da canção. O jogo sonoro e linguístico, produzido na pronúncia das palavras, me trouxe a sensação de estar cruzando a barreira de definições entre música e linguagem. Naquele momento, houve uma fusão quase que perfeita entre essas duas manifestações humanas para mim. Escutar essa música me trouxe mais que uma percepção auditiva, mas uma experiência sensorial. O mais interessante disso é que ela ainda me causa essa sensação toda vez em que escuto.

A música me foi apresentada por uma pessoa muito querida, meu amigo Edmar Soraggi, e a letra da canção também permite uma interpretação curiosa. Quando Ed me mostrou a música, falou sobre sua letra significar o agradecimento de duas pessoas a um lugar visitado por elas. Ou seja, os visitantes do local gostaram muito da experiência vivida ali e resolveram agradecer por aquele momento.

Não verifiquei a veracidade desta informação, pois, mesmo que fosse apenas a interpretação de meu amigo, achei a cena um tanto poética. Normalmente, quando eu escutava alguma letra – principalmente como essa, que é fluida e permite diversas interpretações – relacionava às pessoas queridas e não a lugares queridos. Ou, quando fazia uma viagem, recordava as memórias que tive com pessoas e não com o espaço em que eu habitava naquele momento.

Nesse sentido, a música,  por meio de uma experiência sensorial, me fez refletir a respeito das experiências sensoriais que estabeleço nos espaços os quais visito. No meu caso, relacionei a canção tanto ao lugar em que estava quanto às pessoas queridas que passaram por minha história. E quando digo “lugar”, não falo somente do espaço físico, mas de parte de minha memória na criação dos meus processos de existência.

A partir dessa primeira percepção, me apaixonei por todas as outras músicas da banda. Sempre que escuto, consigo relacionar as letras das canções tanto com pessoas quanto com lugares e momentos visitados. Por meio de uma sonoridade simples e, ao mesmo tempo, uma combinação complexa, as músicas dessa banda, escutadas de olhos abertos ou fechados, nos levam a diferentes lugares de nossos processos existenciais. Ao pesquisar melhor sobre o grupo, descobri que o estilo musical deles é classificado, pela própria banda, como “música de viajante”, o que deixa essa história ainda mais florida.

A discografia da banda é composta pelos álbuns Un viajecito (2012), Perotá Chingó (2013), Aguas (2017) e Muta (2019), com músicas sobre simplicidade, natureza, amor, cumplicidade, resistência e diversos outros temas que permeiam a passagem humana na terra, sob uma perspectiva otimista. A diversidade de combinações sonoras estabelecidas entre as vozes das vocalistas e os instrumentos musicais nos permitem os diferentes pontos de vista e/ou escuta de suas canções.

Além disso, outra informação curiosa é que a ‘pegada latina’ nas músicas nos dá a sensação de familiaridade com o som, ao mesmo tempo que somos levados ao estranhamento perceptivo das emoções. Não trago aqui experiências baseadas cientificamente, mas minhas percepções a respeito dessa banda muito querida, no intuito de causar curiosidade para conhecer o que é produzido bem próximo de nós sem que, às vezes, não o conheçamos ainda. Chego, portanto, ao final da apresentação desse grupo desejando a você, leitor(a), uma interessante experiência sensorial a respeito das suas criações de modos de existir e entender os seus processos nos lugares por onde passar.

Onde encontrar:

Spotify e Youtube

Confira a lista de músicas mais tocadas: