Em entrevista, coordenadores do projeto Cursinho Preparatório para o Enem, da UNIFAL-MG, esclarecem dúvidas a respeito das mudanças propostas pelo governo para o Enem 2024

No dia 14/3, o Conselho Nacional de Educação (CNE) aprovou as recomendações que passam a valer a partir de 2024 para o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). De acordo com o parecer, a primeira etapa da prova será única e obrigatória para todos os estudantes. As questões serão interdisciplinares e vão avaliar a capacidade de raciocínio e argumentação do participante. No segundo dia de aplicação do exame, será feita uma referência aos itinerários formativos do Novo Ensino Médio.

As provas serão de quatro áreas diferentes, e o aluno terá o direito de escolha de uma delas, conforme o curso de ensino superior que desejar ingressar. Serão elas: Linguagens, Ciências Humanas e Sociais Aplicadas; Matemática, Ciências da Natureza e suas Tecnologias; Matemática, Ciências Humanas e Sociais Aplicadas; e Ciências da Natureza, Ciências Humanas e Sociais Aplicadas.

Para esclarecer o assunto, a Diretoria de Comunicação Social entrevistou os coordenadores do Cursinho Preparatório para o Enem da UNIFAL-MG. Os entrevistados foram Profa. Andrea Cardoso, coordenadora geral do Programa de Extensão de Cursinho Preparatório para o Enem, Prof. Antônio Donizetti Gonçalves de Souza, coordenador do cursinho Saberes (Poços de Caldas), Prof. Elias Ribeiro da Silva, coordenador do cursinho Êxito (Alfenas) e a equipe gestora do cursinho Aprendendo a Aprender (Varginha), coordenada pelo professor Prof. Dimitri Augusto da Cunha Toledo.

  • Na sua opinião, como as mudanças feitas no Enem podem influenciar na elaboração dos planejamentos curriculares dos cursinhos preparatórios?

Profa. Andrea Cardoso: O exame sofreu grande mudança em 2005, e isso impactou a organização curricular dos cursos preparatórios. Sendo assim, é esperado que a mudança programada para ser implementada até 2024 direcione o planejamento dos cursinhos. Entretanto, não é possível neste momento precisar quais serão estes direcionamentos, uma vez que não há definição exata de como a mudança prevista será de fato executada. A coordenação do Curso Preparatório para o Enem da UNIFAL-MG acompanha as discussões e discutirá coletivamente as adequações necessárias.

Prof. Antônio Donizetti: Creio que, com as mudanças do Enem a partir de 2024, teremos que discutir algumas elementos no planejamento dos cursinhos, sobretudo relacionados a inserção de questões dissertativas na segunda etapa do exame, o que não ocorre atualmente.

Prof. Elias Ribeiro: Inicialmente, é preciso destacar que as mudanças que foram anunciadas pelo Ministério da Educação (MEC) e divulgadas pela imprensa somente serão implementadas na edição 2024 do Enem. Ou seja, as edições de 2022 e 2023 ocorrerão segundo seu formato atual.

“O impacto inicial será significativo, uma vez que se trata de um contexto de reformulação/adaptação, e os discentes serão impactados pelas novas mudanças.”, frisou a equipe do cursinho Aprendendo a Aprender

Também é importante destacar que as mudanças propostas ainda estão em fase de estudo pela equipe técnica responsável pelo Enem e que, portanto, algumas podem não ser implementadas. Em linhas gerais, está em discussão a realização de uma segunda fase do exame com foco nos itinerários formativos previstos no Novo Ensino Médio, que começou a ser implementado em 2022. Os candidatos realizariam provas segundo o itinerário formativo escolhido no Ensino Médio (Linguagens, Ciências Humanas e Sociais Aplicadas; Matemática, Ciências da Natureza e suas Tecnologias; Matemática, Ciências Humanas e Sociais Aplicadas; Ciências da Natureza, Ciências Humanas e Sociais Aplicadas) e há a possibilidade de essas provas serem dissertativas e não de múltipla escola.

Caso se confirme a introdução de questões dissertativas em uma segunda fase do Enem, creio que os cursos precatórios terão um grande desafio a enfrentar. Para realizar o Enem em sua versão atual, o candidato precisa ampliar suas competências quanto ao conteúdo das áreas do conhecimento focalizadas nas provas e quanto à sua competência em interpretação dos textos variados – textos dissertativos, visuais, gráficos, tabelas, infográficos etc. – que constituem o ponto de partida das questões. Até agora, os cursos preparatórios vinham focalizando esses dois pontos que destaquei. Com a possível introdução de questões dissertativas, os candidatos também terão que desenvolver e ampliar sua competência escrita, ou seja, terão que desenvolver a capacidade de ler/interpretar os enunciados das questões e os textos nos quais elas baseiam-se, de mobilizar conhecimentos disciplinares para resolver as questões e, por fim, de formular uma resposta escrita. Esse último ponto será ou poderá ser um grande desafio para os candidatos ao Enem e para as instituições que se dedicam a prepará-los.

Equipe gestora do cursinho Aprendendo a Aprender (Varginha). (Foto: Arquivo Pessoal)

Equipe do cursinho Aprendendo a Aprender: Algumas considerações se fazem importantes antes de respondermos as questões que foram levantadas. A primeira delas é que as respostas foram elaboradas a várias mãos, pela equipe gestora do cursinho popular Aprendendo a Aprender do PET BICE: Prof. Dimitri Toledo, Profa. Ana Carolina Guerra e os discentes do PET BICE, Ana Júlia, Amanda e Guilherme. Outra é que entendemos que essas alterações do Enem, tais quais as mudanças do Ensino Médio, devem ser fruto de um amplo debate envolvendo toda a sociedade. Setores estratégicos, como os envolvidos diretamente com a educação – estudantes, professores, pais e mães etc. – e suas entidades representativas precisam ter voz e precisam participar do processo de construção dessas mudanças.

Prof. Dimitri Augusto da Cunha Toledo, coordenador da equipe gestora do cursinho Aprendendo a Aprender. (Foto: Arquivo Pessoal)

Com a reformulação do Enem, denominada de Novo Enem, todas as instituições de ensino e os “cursinhos” populares da UNIFAL-MG, em particular o Aprendendo a Aprender, terão que adotar uma nova roupagem, um novo planejamento curricular, para que estejam adequadamente preparados para o formato que o Novo Enem passará a possuir. Uma primeira mudança é a modificação do formato dos simulados, inserindo questões discursivas e interdisciplinares. Além disso, a criação de disciplinas e/ou aulas que englobem a interpretação de textos em uma perspectiva interdisciplinar, auxiliando os alunos(as) a compreender melhor essas questões e a ter um bom desempenho ao respondê-las corretamente. As demais mudanças, que certamente poderão ser implementadas nas estruturas curriculares dos cursinhos, serão conhecidas ao longo do percurso até a aplicação do Novo Enem, prevista para o ano de 2024. Até lá, certamente, muitas outras adequações serão implementadas.

  • Qual o impacto dessas mudanças para os alunos que se preparam para o Exame?

Profa. Andrea Cardoso: A principal mudança refere-se à interdisciplinaridade por área do conhecimento e ao itinerário formativo. Ainda não foi definido como o Enem tratará a questão das diferentes formações dos estudantes no Novo Ensino Médio. Assim, a preparação para o Exame deverá ser avaliada de acordo com a escolha do itinerário formativo. O desafio maior será a questão do foco na especialização precoce e, principalmente, se houver mudança na escolha do estudante no decorrer do processo.

“A proposta de se introduzir uma segunda fase do Enem com foco nos itinerários formativos pode, a meu ver, ser um ganho para os estudantes, os quais farão provas com foco em sua área de interesse. Lembro, contudo, que essa é uma hipótese a se verificar após uma possível implementação da nova versão do exame.”, destacou o Prof. Elias Ribeiro

Prof. Antônio Donizetti: As mudanças podem impactar os estudantes no sentido de demandar uma escolha mais precoce da sua área de interesse. A escolha do itinerário formativo para a 2ª etapa da prova indica esta demanda.

Prof. Elias Ribeiro: A proposta de se introduzir uma segunda fase do Enem com foco nos itinerários formativos pode, a meu ver, ser um ganho para os estudantes, os quais farão provas com foco em sua área de interesse. Lembro, contudo, que essa é uma hipótese a se verificar após uma possível implementação da nova versão do exame. Por outro lado, caso se confirme a introdução de questões dissertativas nas provas, os candidatos terão, como apontei na resposta anterior, que desenvolver a habilidade de formalizar por escrito as respostas/resoluções das questões, o que pode ser uma tarefa difícil para muitos, tendo em vista as dificuldades no alunado brasileiro quanto à leitura e, principalmente, à escrita.

Equipe do cursinho Aprendendo a Aprender: O impacto inicial será significativo, uma vez que se trata de um contexto de reformulação/adaptação, e os discentes serão impactados pelas novas mudanças. Assim, em um primeiro momento, podemos pensar que, como não há precedentes de provas aplicadas, certamente, a escassez de materiais e bancos de questões de edições passadas do exame abrirá uma lacuna para a revisão, o estudo e o preparo, o que poderá gerar certa expectativa e, em alguma medida, insegurança nos discentes. É possível também que alguns discentes sejam prejudicados devido ao fato de muitas escolas ainda não terem aderido ao Novo Ensino Médio, o qual será baseado em dois eixos: Formação Geral e os Itinerários Formativos. Com isso, os egressos que não tiveram seu período formativo hipotecado ao Novo Ensino Médio estarão em assimetria de chances no intento de alcançarem o ensino superior se comparados aos discentes que forem preparados nesse novo contexto.

  • Como você, professor(a), interpreta o trabalho de questões interdisciplinares na primeira etapa do Enem? Isso é positivo?

Profa. Andrea Cardoso: A interdisciplinaridade vem sendo defendida e recomendada nos documentos oficiais da Educação Brasileira desde a aprovação da LDB e dos Parâmetros Curriculares Nacionais, inclusive, a mudança no Enem, implementada em 2005, leva isso em conta quando define as quatros grandes áreas: Ciências da Natureza e suas Tecnologias, Ciências Humanas e suas Tecnologias, Linguagens e suas Tecnologias e Matemática e suas Tecnologias. Porém, a realidade é que a interdisciplinaridade encontra dificuldades técnicas, orçamentárias e culturais para ser posta em prática nas escolas brasileiras. Por outro lado, os estudantes brasileiros apresentam dificuldades na resolução de problemas e tomada de decisão, de acordo com os dados de avaliações nacionais e internacionais.

Prof. Elias Ribeiro da Silva, coordenador do cursinho Êxito. (Foto: Arquivo Pessoal)

Assim, a meu ver, a interdisciplinaridade pode contribuir para uma formação mais abrangente com foco na cidadania e na preparação da inserção produtiva do jovem na sociedade e no mercado de trabalho. Nesse sentido, há desafios enormes a serem vencidos. Quanto às questões interdisciplinares inseridas na primeira etapa do Enem, é positivo, pois irá estimular o trabalho interdisciplinar nas escolas. No entanto, o movimento deveria ser em outra ordem: primeiro implementa-se a mudança nas escolas e depois cobra-se num exame de avaliação. Me preocupo com a questão da inclusão, pois, se não houver investimento na formação de professores e aporte financeiro nas escolas públicas para o necessário direcionamento, os estudantes mais carentes serão mais uma vez prejudicados na disputa por uma vaga no ensino superior. Em resumo, quanto à ideia, vejo como positiva, mas, quanto à forma, está longe de ser a ideal.

Prof. Antônio Donizetti: Vejo de forma positiva as questões interdisciplinares previstas para a 1ª etapa. Isto é cada vez mais necessário em sistemas avaliativos, uma vez que visam integrar  os conhecimentos  trabalhados no Ensino Médio.

Prof. Elias Ribeiro: A interdisciplinaridade é uma tendência no mundo contemporâneo e, portanto, é natural que diferentes tipos de exames passem a exigir de seus candidatos a capacidade de mobilizar saberes interdisciplinares na resolução das provas. Alguns dos grandes exames internacionais de proficiência, por exemplo, já exigem essa competência há alguns anos. Os fenômenos físicos, químicos, mecânicos, matemáticos, sociológicos, linguísticos, artísticos, entre tantos outros, com os quais lidamos cotidianamente são de natureza complexa e, portanto, exigem uma abordagem inter/multidisciplinar. Nesse sentido, vejo essas questões com bons olhos.

  • É possível traçar relações entre a mudança do Enem e a reforma do Ensino Médio?

Profa. Andrea Cardoso: Sim, a mudança proposta para o Enem está atrelada ao Novo Ensino Médio. As controvérsias relativas à reforma do Ensino Médio refletem na mudança no Enem. A meu ver, é desejável analisar, primeiramente, a implantação da mudança no ensino e corrigir os problemas antes de mudar a avaliação.

“O desafio maior será a questão do foco na especialização precoce e, principalmente, se houver mudança na escolha do estudante no decorrer do processo.”, salientou a Profa. Andrea Cardoso

Prof. Antônio Donizetti: Sim, com as alterações no novo Ensino Médio, era esperada alguma alteração no Enem. No Novo Ensino Médio, as disciplinas passarão a ser áreas do conhecimento, como é feito na divisão do Enem, portanto, as mudanças divulgadas têm relação direta com a implementação do Novo Ensino Médio.

Profa. Andrea Cardoso, coordenadora geral do Programa de Extensão de Cursinho Preparatório para o Enem. (Foto: Arquivo Pessoal)

Prof. Elias Ribeiro: A meu ver, a proposta de se introduzir uma segunda fase no Enem com foco nos itinerários formativos tem o objetivo claro de consolidar a reforma do Ensino Médio atualmente em curso. É importante lembrar, nesse sentido, que a função principal do Enem é avaliar o desempenho de egressos do Ensino Básico e, por isso, o exame deve necessariamente dialogar com a organização curricular desse nível de ensino. Uma vez que a trajetória acadêmica dos estudantes secundaristas deve, a partir da Reforma do Ensino Médio, ser organizada com base em itinerários (que são, em alguma medida, excludentes), o exame que os avalia deve ser coerente com essa estrutura curricular. Ou seja, deve haver coerência entre a organização curricular do Ensino Médio e o Exame Nacional desse nível de ensino.

Equipe do cursinho Aprendendo a Aprender: Sim, é possível traçar uma relação direta entre a mudança do Enem e a reforma do Ensino Médio. Isso porque a implementação no novo Ensino Médio foi projetada a partir de dois eixos. O primeiro deles é a formação geral básica, com ênfase em Língua Portuguesa e Matemática, que todos os alunos terão em comum, se assimilando com o primeiro dia do Enem. Fazem parte do outro eixo os Itinerários Formativos, que os discentes escolherão conforme suas aptidões e pretensões futuras, assim como será o segundo dia do Enem, no qual os alunos deverão escolher áreas do conhecimento em que possuírem mais afinidade e pretensões de segui-las como carreira, e também de acordo com o curso superior que desejam cursar. O próprio Ministério da Educação, o MEC, ao apresentar o Novo Enem, justificou que as mudanças se devem à necessidade de adequação do exame ao Novo Ensino Médio, que deverá começar a vigorar ainda este ano.

“As alterações previstas ainda são muito recentes e as universidades devem discutir estas alterações no âmbito de seus cursos, de forma integrada, para não haver prejuízos no processo de seleção.”, explicou o Prof. Antônio Donizetti

  • Como a universidade poderá contemplar essas divisões interdisciplinares no momento da seleção de ingresso dos discentes?

Profa. Andrea Cardoso: Sinceramente, ainda não sabemos como lidar com essa flexibilidade curricular. As próprias escolas ainda estão se organizando e, sem saber exatamente qual será o novo modelo para o Enem, fica difícil pensar em estratégias. O tempo é curto.

Prof. Antônio Donizetti: As alterações previstas ainda são muito recentes e as universidades devem discutir estas alterações no âmbito de seus cursos, de forma integrada, para não haver prejuízos no processo de seleção.

Prof. Elias Ribeiro: Entendi que essa questão diz respeito aos estudantes da UNIFAL-MG que atuam como professores-bolsistas nos Cursinhos mantidos pela Pró-Reitora de Extensão da Universidade. Penso que teremos que nos debruçar sobre essa questão quando ela se tornar pertinente. Por agora, entendo que, em alguma medida, já selecionamos os candidatos a bolsistas com base em suas predileções. Geralmente, aqueles estudantes que têm predileção por Ciências da Natureza, por exemplo, se candidatam para atuar nas disciplinas dessa área de conhecimento. De toda forma, vamos nos debruçar sobre a questão oportunamente!

  • Será feito algum processo de formação com os graduandos que atuam como professores nos cursinhos, a fim de contemplar as mudanças previstas pelo novo formato do Enem?
Prof. Antônio Donizetti Gonçalves de Souza, coordenador do cursinho Saberes. (Foto: Arquivo Pessoal)

Profa. Andrea Cardoso: O Curso Preparatório para o Enem da UNIFAL-MG é um programa de extensão que tem como um de seus componentes um curso de formação de professores para atuar em cursinhos. Este curso é dinâmico e reformulado, a cada ano, para atender as demandas. Sendo assim, o curso terá papel importante na formação dos acadêmicos que atuarão como professores nos projetos.

Prof. Antônio Donizetti: Os graduandos dos cursinhos já contam com um Curso de Formação anual que visa à capacitação e à integração dos projetos locais (Alfenas, Poços de Caldas e Varginha). Neste contexto, provavelmente o Programa deve discutir alguns elementos de formação relacionados a estas mudanças neste processo formativo.

Prof. Elias Ribeiro: As equipes que coordenam os Cursinhos da UNIFAL-MG ainda não discutiram essa questão, mas certamente o farão. O que posso afirmar neste momento é que não se trata de uma questão urgente, pois, como indiquei no início dessa entrevista, o que temos até o momento são notícias de uma proposta de mudança em estudo. De toda forma, mesmo que essas mudanças venham a ser implementadas em sua totalidade, elas apenas entrarão em vigor no Enem de 2024. Ainda temos algum tempo para refletir e nos preparar.

 

*Jaíne Reis Martins é estagiária da Diretoria de Comunicação Social da UNIFAL-MG