Varíola dos Macacos: virologista da UNIFAL-MG esclarece como acontece a transmissão e pontua diferenças entre o vírus da varíola e o coronavírus

Relatos de casos de varíola do macaco – nome popular da doença provocada pelo poxvirus, também chamado de Monkeypox vírus – tomaram as manchetes dos noticiários a partir de maio de 2022. Mais de 90 países passaram a relatar casos da doença viral, chegando, no final do mês de agosto, a mais de 41 mil casos e 12 mortes, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS). No Brasil, dados do Ministério da Saúde apontaram, no final do mês passado, 4.472 casos confirmados e duas mortes. 

Diante do crescimento dos casos, a população passou a ficar alarmada com a possibilidade de viver uma nova pandemia. Mas isso seria possível? O virologista Luiz Felipe Leomil Coelho, professor e pesquisador do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da UNIFAL-MG, responsável pelo Laboratório de Vacinas da Universidade, explica como a doença é transmitida, qual é a ação do vírus no organismo, quais são as formas de proteção e tratamento e esclarece as diferenças entre o vírus da varíola e o coronavírus.

Leia a seguir:

O que é a nova varíola e por que é chamada de varíola dos macacos?

Luiz Felipe Leomil Coelho:  Na realidade, essa doença conhecida como monkeypox não pode ser considerada nova e nem ser denominada de nova varíola. A “varíola dos macacos” é uma doença causada por um poxvirus, denominado de Monkeypox vírus. Esse vírus foi isolado inicialmente em 1958 a partir de macacos que viviam em um laboratório dinamarquês e que apresentaram sintomas semelhantes à doença varíola em humanos. Foi a partir desse episódio que o vírus foi denominado de monkeypox. Porém, sabemos que esse nome não é apropriado, pois os macacos não são os hospedeiros naturais do vírus. Esse vírus circula na natureza em outros hospedeiros, provavelmente roedores.

“Esse vírus foi isolado inicialmente em 1958 a partir de macacos que viviam em um laboratório dinamarquês e que apresentaram sintomas semelhantes à doença varíola em humanos. […] Porém, sabemos que esse nome não é apropriado, pois os macacos não são os hospedeiros naturais do vírus”.

Com a pandemia da covid-19, as pessoas ficam mais alarmadas com notícias sobre doenças contagiosas circulando na mídia. Corremos o risco de viver uma pandemia também de varíola dos macacos? Quais são as diferenças do vírus da varíola em relação ao coronavírus?

Luiz Felipe Leomil Coelho: É muito improvável que iremos viver uma pandemia nos moldes da pandemia da covid-19. Existem várias razões para isso e apesar de já existirem um número considerável de casos em diversos continentes, os especialistas estão bem certos de que não iremos viver outra pandemia da mesma magnitude. Primeiro, esse vírus apresenta uma forma de disseminação totalmente diferente da forma exibida para o SARS-CoV-2. Enquanto a infecção pelo SARS-CoV-2 é transmitida por aerossóis através de pessoas sintomáticas e assintomáticas, a infecção pelo monkeypox é transmitida principalmente pelo contato próximo com o paciente sintomático (aquele que possui lesões), por gotículas respiratórias (na fase inicial da doença) e em parte por superfícies contaminadas (roupa de cama e utensílios pessoais do paciente). Uma vez identificado o paciente positivo para monkeypox, ele deve ficar isolado por quatro semanas (aproximadamente) ou até a completa cicatrização das lesões. Além disso, já existem vacinas antivirais com atividade comprovada para essa doença que podem ser utilizadas para diminuir a taxa de transmissão dessa infecção entre os contactantes do paciente infectado.

O virologista Luiz Felipe Leomil Coelho é professor e pesquisador do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da UNIFAL-MG, e responsável pelo Laboratório de Vacinas da Universidade. (Foto: Arquivo/Dicom)

Quais são os tipos ou cepas do novo vírus da varíola já encontrados no mundo e no Brasil?

Luiz Felipe Leomil Coelho:
 Em relação ao monkeypox, o que temos é a circulação de duas variantes genéticas. A primeira é a que está causando o atual surto e é denominada de Variante do Oeste da África. Ela possui uma taxa de mortalidade de aproximadamente 1 a 3% enquanto a outra denominada de Variante da África Central possui uma taxa de mortalidade maior (10 a 30% dependendo do estudo realizado).

No final da década de 1980, a Organização Mundial de Saúde (OMS) decretou a erradicação da varíola em escala global. Como você vê o fim da vacinação e o atual surto de varíola dos macacos?

Luiz Felipe Leomil Coelho:
  A vacinação para varíola humana foi realizada até 1978 e em 1980 a OMS decretou o fim da doença no globo. O vírus que foi utilizado na vacinação para a varíola humana é denominado de Vaccinia virus e é muito semelhante ao vírus monkeypox e, por isso, pode induzir uma resposta imune que terá uma taxa de proteção cruzada. Existe estudo que mostra que a vacina para a varíola humana induz uma proteção de 85% contra a infecção pelo monkeypox. Como a vacinação se encerrou em 1978/1980 e, por isso, temos a cada ano um decréscimo do percentual de pessoas vacinadas. No início dos anos 80 tínhamos uma grande parte população mundial vacinada (mais de 80%). Agora, em 2022, temos cerca de 30%. Portanto, temos uma grande quantidade de pessoas (cerca de 70%) sem nenhuma imunidade prévia contra o monkeypox. Esse fato, faz com que a maioria das pessoas abaixo de 44 anos seja uma população considerada suscetível e que pode contribuir para o aumento do número de casos.

“A primeira ação [para proteção] está relacionada à identificação dos casos positivos e o isolamento desses casos. A transmissão é por contato íntimo com o paciente infectado e sintomático. Dessa forma, o indivíduo deve ficar isolado das outras pessoas, inclusive daquelas que habitam no mesmo domicílio.”

Há diferenças entre a ação do vírus no organismo de diferentes faixas etárias, como crianças e idosos? Se sim, quais?

Luiz Felipe Leomil Coelho:
Geralmente, a varíola dos macacos é uma doença de evolução benigna, ou seja, o indivíduo vai ser infectado, vai apresentar os sintomas clássicos e inespecíficos da doença (febre, cansaço, dor de cabeça, inchaço dos linfonodos). Isso tudo logo nos primeiros 5 a 21 dias pós-infecção. Logo após essa fase, se inicia a fase de sintomas clássicos que vão ser caracterizadas pelo aparecimento das lesões cutâneas. Essas aparecem de forma preferencial na face e membros (no surto atual nas genitais e anus) e irão passar pelas fases características (máculas, pápulas, vesículas, pústulas e crostas). Quando as lesões somem, o paciente está curado e não transmite mais o vírus. Como o número de casos relatados na literatura é baixo, existem alguns relatos que a doença pode ser mais grave em crianças e em adultos ou idosos que apresentam algum tipo de imunossupressão ou imunodeficiência. Entretanto, é importante salientar que mais dados são necessários para fazer com certeza essa associação.

Como se proteger da varíola dos macacos?

Luiz Felipe Leomil Coelho: A primeira ação está relacionada à identificação dos casos positivos e o isolamento desses casos. A transmissão é por contato íntimo com o paciente infectado e sintomático. Dessa forma, o indivíduo deve ficar isolado das outras pessoas, inclusive daquelas que habitam no mesmo domicílio. Esse isolamento pode ser feito em casa ou no hospital (o médico deverá avaliar a necessidade). Deve-se evitar contato próximo com pessoas que possuem sintomatologia parecida com monkeypox até que seja feito diagnóstico diferencial para outras doenças com sintomatologia parecida (ex: sarampo, varicela, sífilis). Toda roupa de cama, roupas pessoais e utensílios domésticos que são utilizados pelo paciente devem ser descontaminados e isso pode ser feito por processos de lavagem com detergente e desinfetantes. Quem irá entrar em contato com o paciente deve usar luvas descartáveis e máscaras N95 ou similares. Além disso, as pessoas que apresentarem algum tipo de lesão na pele, característica de monkeypox, devem procurar o serviço de saúde para realização do diagnóstico.

Quais são as formas de tratamento e as medidas de prevenção?

Luiz Felipe Leomil Coelho:
Até o momento, o tratamento se baseia no isolamento do paciente e tratamento dos sintomas clássicos, tais como dor, febre e desconforto com medicamentos para esse fim. Apesar de existirem vacinas e antivirais com ação para prevenir e tratar, respectivamente, a infecção pelo monkeypox, essas ainda não estão disponíveis.