Estudo aponta queda na cobertura vacinal em crianças menores de cinco anos em Minas; segundo pesquisa da área de Enfermagem a situação se agravou na pandemia com as notícias falsas sobre imunização

O medo de se contaminar ao procurar o serviço de saúde durante a pandemia e a disseminação das notícias falsas sobre imunização são fatores que podem justificar a queda na cobertura vacinal em crianças de até cinco anos em Minas Gerais. Essa é uma das constatações de um estudo desenvolvido no Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da UNIFAL-MG. Na pesquisa, a autora Grazieli Miranda Siqueira Dande analisou as coberturas vacinais pré-Sars-Cov-2, os indicadores de morbimortalidade e de vacinação referentes à covid-19 em Minas Gerais.

“Vivemos em busca de ações para aumentar a cobertura, busca ativa de faltosos, ações extramuro de vacinação e, mesmo assim, com baixa adesão da população”, conta Grazieli Miranda Siqueira Dande, pesquisadora do estudo. (Foto: Arquivo Pessoal)

Sob a orientação da professora Maria Regina Martinez (Escola de Enfermagem), o estudo foi realizado tendo como base, dados sobre a cobertura vacinal até cinco anos entre os anos de 2015 e 2021, e a imunização contra covid-19, ocorrida entre janeiro de 2021 e fevereiro de 2022. As informações foram extraídas de documentos oficiais divulgados pela Secretaria Estadual de Saúde de Minas Gerais e pelo Datasus.

Conforme relata Grazieli Dande, a cobertura vacinal tem sofrido queda nos últimos cinco anos, o que vem preocupando os profissionais que atuam na saúde pública. “Vivemos em busca de ações para aumentar a cobertura, busca ativa de faltosos, ações extramuro de vacinação e, mesmo assim, com baixa adesão da população”, narra a acadêmica e enfermeira que trabalha há 12 anos no Sistema Único de Saúde (SUS).

Esse cenário e o fato de conviver com as frequentes notícias da volta de doenças já erradicadas foram fatores decisivos para a pesquisa. “Com a pandemia da covid-19, a cobertura diminuiu ainda mais e isto foi me causando mais inquietação. Por trabalhar na área, gostar muito de vacinação e por saber todo o risco a que estamos expostos frente a esta baixa cobertura vacinal foi que cheguei à proposta de pesquisa”, conta.

Fatores que impactaram a situação da queda vacinal

Os resultados do estudo mostram, por exemplo, que, entre 2015 e 2021, a cobertura vacinal não alcançou a meta preconizada no estado de Minas, para Hepatite B e Febre Amarela em recém-nascidos com até 30 dias. Entre os anos de 2016 e 2017, houve inclusive um aumento de vacinas que não atingiram a cobertura vacinal entre crianças de um e três anos. 

“Antes da pandemia, a queda da cobertura vacinal em Minas Gerais já era notável e, com a pandemia, essa situação se agravou mais ainda. Tal fato pode ser justificado pelo medo da população em procurar o serviço de saúde com medo de se contaminar, como também pelas inúmeras falsas notícias que circulam a respeito da imunização”, observa a autora do estudo.

Série histórica da cobertura vacinal das vacinas recomendadas para crianças menores de 5 anos, Minas Gerais, 2015 a 2021. (Gráfico: Reprodução/Dissertação Grazieli Dande)

Segundo ela, Minas não atingiu nenhuma meta de cobertura vacinal em 2020, o que se agravou ainda mais em 2021. Isso trouxe à tona o medo da volta da paralisia infantil, por exemplo, doença gravíssima, prevenida por imunização. “O fato de as gerações atuais não terem convivido com essas doenças já erradicadas e/ou eliminadas traz a falsa sensação de que a doença não existe mais, o que é uma grande mentira, que pode voltar com tudo, caso não façamos nada rapidamente para aumentar as coberturas vacinais”, alerta.

Na pesquisa, a acadêmica analisa fatores que possam ter influenciado a queda vacinal. Um deles está relacionado a inadequações estruturais, como o desabastecimento de vacinas envolvendo perdas relacionadas ao vencimento do prazo de validade, quebra de frascos, manuseio inadequado ou falta de energia elétrica, interrompendo o processo de refrigeração..  

A autora também sugere a possibilidade de a queda vacinal ter sido intensificada a partir da pandemia da covid-19, em 2020, em função de a população estar amedrontada pelo risco de contrair a doença nas unidades de saúde. A circulação de notícias falsas acerca da vacinação também teria influenciado na baixa vacinal. 

Vacinação contra a covid-19 mostrou a importância dos imunizantes

Em relação aos dados sobre a vacinação contra a covid-19 no estado, coletados até julho de 2022, a pesquisa mostra que a taxa de mortalidade está intimamente ligada à cobertura vacinal, uma vez que com o aumento das doses de vacinas aplicadas, percebeu-se uma redução da taxa de incidência e de mortalidade no estado. “Isto ressalta a importância da vacinação de toda a população, principalmente para se evitar o desenvolvimento de novas variantes, as quais poderão ser resistentes às atuais vacinas”, comenta.

Relação entre vacinação e taxa de mortalidade por covid-19 em Minas Gerais. (Gráfico: Reprodução/Dissertação Grazieli Dande)

Ao falar da importância dos resultados, a pesquisadora afirma que os dados tornam evidente a necessidade de rever o processo de vacinação do estado de Minas Gerais, de forma a favorecer o alcance das metas propostas, principalmente no cenário de pandemia.

Os resultados da campanha de vacinação contra covid-19, segundo a autora, também poderiam ter sido ainda melhores se tivessem sido dadas mais atenção às evidências científicas e combatido com veracidade as diversas fakes news que surgiram. “Conhecer e compreender os desafios do processo de vacinação é fundamental para a criação de ações que venha a superá-los”, reforça.

Grazieli Dande analisa ainda, os desafios enfrentados pela enfermagem na condução da campanha contra covid-19. “O pior dos desafios foi ter que conduzir uma campanha, com escassez de vacinas, com grande quantidade de pessoas querendo se vacinar e tendo que manter o distanciamento social, visto o contexto da pandemia”, conta.

Além disso, a pesquisadora lista outros fatores desafiadores como falta de profissionais treinados, informações desencontradas em relação à condução da campanha por parte dos gestores políticos e a escassez de recursos humanos no apoio. “Às vezes de manhã tínhamos uma informação para passar à população e à tarde já era outra; isto causava um desconforto muito grande entre população e profissionais”, relembra. “A população, receosa com medo da covid-19, querendo se vacinar rapidamente, chegava a desacreditar nos profissionais de saúde quanto à técnica correta de administração, imuno correto, privilégios políticos, entre outras”, compartilha.

Intitulada “Cobertura vacinal pré-Sars-Cov2 em crianças menores de cinco anos e morbimortalidade/vacinação geral referentes à covid-19 em Minas Gerais: perspectivas e desafios”, a pesquisa é fruto da dissertação de Grazieli Dande, que defendeu o trabalho no final de 2022, obtendo o título de mestra em Enfermagem, na linha “Gestão em Serviços de Saúde e Educação”.

Grazieli Dande é enfermeira graduada pela UNIFAL-MG e atua como coordenadora de Vigilância em Saúde no município de Borda da Mata, área responsável pelos setores de Imunização, Epidemiologia, Sanitária e Ambiental.  

Quem tiver interesse em saber mais detalhes sobre a pesquisa, acesse a dissertação disponível no acervo de Teses e Dissertações da Biblioteca da UNIFAL-MG.