Conversa privada do presidente do BTG revela que os bancos privados controlam a política monetária no Brasil

Débora Juliene Pereira Lima
Fernando Batista Pereira

É comum haver reuniões institucionais entre o mercado regulado e não regulado para tratar de questões que ameaçam a estabilidade do sistema financeiro. Esta foi a explicação do Banco Central à repercussão do áudio vazado de uma fala do dono do BTG Pactual, André Esteves, em um evento fechado com clientes do banco.  No entanto, ao que tudo indica, a conversa gravada, que não seguiu protocolos e não foi de amplo conhecimento público, revelou quem são os verdadeiros controladores da política monetária no Brasil: os bancos privados.

O áudio, obtido com exclusividade pelo Brasil 247, revelou que André Esteves foi consultado pelo presidente do Banco Central e pelo presidente da câmara dos deputados, Arthur Lira, sobre questões de política monetária. 

Antes disso, o dono do BTG fez elogios à política de teto de gastos públicos, adotada no início do governo Temer (2016-2018), e à despesa primária do ministro Paulo Guedes (de 18% do PIB), que indicaria, segundo ele, uma “disciplina fiscal”. E acrescentou: “o Brasil tinha se perdido completamente em uma confusão fiscal”, se referindo à política de gastos do governo Dilma (2011-2016).

Além de defender a austeridade da política fiscal, se posicionou favorável à política monetária contracionista e ao aumento da taxa de juros Selic, que seria necessário para “conter os excessos que estão por aí”. Ademais, segundo ele, as eleições serão vencidas pelo projeto que defender o viés ortodoxo da política econômica: “o mercado não opera a eleição, mas opera a condição fiscal”.

Mas, a surpresa estava mais adiante. O banqueiro revelou que Roberto Campos, atual presidente do Banco Central, o consultou sobre os rumos da política monetária e se a taxa de juros Selic já havia atingido o “lower bound” (ou seja, o limite inferior). “Onde você acha que está o “lower bound”, perguntou Roberto Campos ao presidente do BTG. Por fim, “Arthur Lira me ligou (e perguntou): está certo ou está errado?”. 

Ao manifestar seu apoio à autonomia do Banco Central, sancionada pelo Presidente da República na Lei Complementar 179 em fevereiro de 2021[1], revelou ter havido uma consulta aos ministros do STF acerca dessa proposta, que precisava ser aprovada pela suprema corte.

A gravidade dessas declarações revela o poder dos bancos privados em definir os rumos da política monetária no Brasil e representa uma clara situação de captura do regulado pelo regulador. Cabe ao Senado Federal a decisão sobre o procedimento que deve ser tomado: a demissão do presidente do Banco Central do Brasil e de toda a equipe econômica.

[1] O mais curioso é que o projeto de autonomia do Banco Central, concretizado com a Lei 179/2021 (https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/lei-complementar-n-179-de-24-de-fevereiro-de-2021-305277273#:~:text=Define%20os%20objetivos%20do%20Banco%2c31%20de%20dezembro%20de%201964), sempre foi apresentado com um discurso que garantia que suas decisões sempre obedeceriam a critérios exclusivamente técnicos, sem influência das autoridades políticas. Ou seja, a influência do setor privado não constituiu preocupação semelhante.