Memória e esquecimento: relatos de produção artística do artista e professor Ronaldo Auad

Desenho, pintura, objeto e vídeo são tipos de produções artísticas, inseridas no campo das artes visuais, que norteiam as criações do professor Ronaldo Auad, do Instituto de Ciências Humanas e Letras da UNIFAL-MG. O docente é graduado em Artes Plásticas pela FATEA, Lorena-SP, mestre em Ciência da Arte pela Universidade Federal Fluminense (UFF) e realiza pesquisa de doutorado no Programa de Pós-Graduação em Artes da Escola de Belas Artes da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Em uma conversa com a equipe da Diretoria de Comunicação Social da UNIFAL-MG, o artista e pesquisador em Semiótica Peirceana partilhou um pouco de suas produções visuais, motivações artísticas, bem como sua história com as artes visuais. Confira abaixo a entrevista completa:

– Professor Auad, quando você começou a se aproximar das artes visuais? Você se lembra do primeiro contato?

Imagem do quadro de Terezinha Auad. (Foto: Arquivo Pessoal)

Foi durante a minha infância. Na casa dos meus avós maternos, eu observava os meus tios realizando desenhos e pinturas. Eles me presenteavam com cadernos de desenho e lápis de cor. Quando completei um ano de idade, ganhei um quadro a óleo de Terezinha Auad, minha tia. Este quadro encontra-se comigo, na parede da sala da minha casa. 

– Você teve algum tipo de inspiração/motivação para iniciar o contato com a arte?

Fui motivado pelo próprio ambiente da casa dos meus pais, dos meus avós maternos e dos meus tios maternos e paternos. Além da presença das artes visuais e da literatura, havia a presença da música. Observava por horas as capas dos discos.

– Com qual tipo de produção artística, das inseridas no campo das artes visuais, você tem mais contato?

O desenho é uma linguagem que sempre me atraiu. Volto sempre a Amilcar de Castro, Mira Schendel e Richard Serra.

– Suas produções visuais/sensoriais seguem algum tema específico?

Reprodução fotográfica Jesse Chiesse
Cruzes, 2000
Ronaldo Auad
Pó de carvão sobre 81 partes de tecido de algodão embebidas em emulsão de cola. (Foto: Reprodução/Site Enciclopédia – Itaú Cultural)

Reflexões sobre memória e esquecimento norteiam a minha produção, que compreende diversas linguagens: desenho, pintura, objeto e vídeo.

– Qual obra de sua autoria é considerada, por você, como a mais expressiva?

Cruzes pode ser uma delas, junto aos vídeos da obra MinasLíbano

Sobre os vídeos:

Trata-se de uma produção (iniciada em 2009) impulsionada pela coexistência e hibridização das culturas mineira e árabe, por reflexões sobre memória e esquecimento. Os signos advindos dessas ações (desenhos, pinturas, superfícies, objetos e vídeos) apresentam-se como metonímias dos imaginários dessas duas culturas. No tocante aos vídeos, as principais fontes utilizadas são fotografias de álbuns pertencentes aos meus avós maternos e paternos.

Nesses vídeos, fragmentos sonoros advindos de peças do repertório musical das igrejas cristãs orientais, do Barroco, do Modernismo e do Contemporâneo pontuam fluxos silenciosos de imagens, bem como repetições (como em Jamel) que parecem enunciar estados de angústia, de urgência, de alarme.

Veja, abaixo, um dos vídeos da produção. Para uma melhor apreensão dos vídeos, sugere-se, em função dos vários níveis sonoros, a utilização de fone de ouvido.

DAS JANELAS, um vídeo de Ronaldo Auad from Ronaldo Auad on Vimeo.

– Como você acha que o seu fazer artístico é considerado aos olhos de outras pessoas?

No início, havia um certo repúdio ao que eu apresentava. Até hoje, a minha produção é determinada por conteúdos que podem ser perturbadores. As reações são sempre múltiplas. Crianças que visitaram a exposição MinasLíbano, ocorrida na UNIFAL-MG, em 2019, perceberam, principalmente nos vídeos, signos da morte, da impermanência. Uma delas me perguntou: “aquele menino ali é morrido?”.

– Vimos que sua pesquisa de doutorado faz parte da linha “Arte e Experiências Interartes na Educação”. Como você acredita que as artes visuais podem contribuir no processo educacional dos indivíduos?

O artista em momento de criação produzindo uma pintura (Foto: Anaïs Auad)

É indispensável a presença da arte no processo educacional dos indivíduos. Na UNIFAL-MG, a amiga e colega Luisa Dias Brito, coordenadora do Curso de Ciências Biológicas, sempre teve isso muito claro. Ela me pediu para criar uma disciplina denominada Imagens do Corpo e da Natureza, que já está em sua segunda edição. O efeito causado por essa disciplina tem sido surpreendente. O objetivo geral da disciplina é compreender imagens da natureza e de corpos humanos postas no cotidiano em circulação, bem como os impactos significativos dessas imagens nas subjetividades de crianças e adolescentes. 

– Na sua opinião, qual a relevância da arte na vida das pessoas?

A relevância reside no fato de que a arte amplia a percepção da realidade, do que lhe é explícito e implícito. A arte tem a capacidade de transformar as pessoas. Não se trata de algo domesticável, categorizável. A arte sempre escapa dos nichos, das circunscrições. Ela é também premonitória.

– Em que momento você se sentiu mais desafiado com o fazer artístico?

Quando da produção dos desenhos para a minha primeira exposição individual, ocorrida em outubro de 1979, em Barra Mansa-RJ. Eu tinha 20 anos. Três desses desenhos foram selecionados pelo júri do II Salão Nacional de Artes Plásticas, ocorrido no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, entre novembro de 1979 e janeiro de 1980.

– Quais foram os principais aprendizados que você adquiriu com a arte?

“Se você pensa em arte todos os dias, você está no caminho. Evite deslumbramentos, ou seja, não deixe que a vaidade se sobreponha ao trabalho, ao processo de criação”, aconselha o Prof. Ronaldo Auad


A arte, antes; o artista, depois. Não construir uma persona, um tipo. Essa construção é perigosa. Ela se sobrepõe à arte, logo, reduz a essência do fazer artístico. O meu desejo sempre é de não estar presente nas aberturas das minhas exposições. O que importa é o trabalho exposto, os efeitos que ele irá causar em seus intérpretes.

– Qual a relevância de integrar como verbete a Enciclopédia do Itaú Cultural? Ser reconhecido por essa importante instituição cultural brasileira é importante para sua carreira como artista? 

É extremamente importante integrar essa enciclopédia, por essa ser a mais completa e atualizada sobre arte brasileira. Ser um verbete desta enciclopédia legitima a importância do meu trabalho.

– Por ser docente e pesquisador, como você consegue relacionar o fazer artístico com outros âmbitos de sua vida?

Procuro não separar essas instâncias, mesmo por que as ações que lhes são inerentes são fomentadas pela arte. Nesse sentido, o docente, o pesquisador e o artista estão sempre misturados.

O artista e professor Ronaldo Auad (Foto: Anaïs Auad)

– Qual conselho você daria para alguém que esteja iniciando no mundo das artes visuais?

Se você pensa em arte todos os dias, você está no caminho. Evite deslumbramentos, ou seja, não deixe que a vaidade se sobreponha ao trabalho, ao processo de criação. Arte é problema, não terapia. Como resolver uma pintura, uma gravura? É sempre um processo de busca, norteado pela incerteza. Uma beleza reside nisso.

– Por fim, os interessados no tema podem acompanhar suas produções por alguma plataforma? Se sim, qual(is)?

Tenho uma página no facebook. Nela, estão fotos de trabalhos recentes e do início da minha carreira, bem como convites de exposições individuais e coletivas, textos críticos.

 

*Jaíne Reis Martins é estagiária da Diretoria de Comunicação Social da UNIFAL-MG