No Dia da Universidade, filósofo da UNIFAL-MG elenca, em entrevista, fatores que fazem das instituições de ensino superior as principais responsáveis pelo desenvolvimento intelectual e autônomo dos indivíduos

Para celebrar o Dia da Universidade, comemorado nesta terça-feira (18/01), o filósofo e professor Paulo Denisar Vasconcelos Fraga, do Instituto de Ciências Humanas e Letras da UNIFAL-MG, concedeu entrevista ao Jornal UNIFAL-MG, com o intuito de comentar tópicos a respeito do surgimento das instituições de ensino superior e do papel que estas exercem no desenvolvimento intelectual e autônomo dos indivíduos. Na entrevista, o professor aborda o tripé Ensino, Pesquisa e Extensão, bem como menciona o impacto da produção acadêmica e científica nas comunidades em que as instituições estão inseridas. O filósofo também contextualiza as oportunidades e a importância das políticas de ingresso. Confira: 

– Professor Paulo Denisar, você poderia nos falar um pouco sobre o surgimento das universidades? Como isso aconteceu no mundo? No caso do Brasil, qual é a universidade mais antiga do país?

A Universidade de Bologna figura entre as primeiras universidades do Ocidente. (Foto: Reprodução/QS Top Universities)

As universidades surgem na Europa Ocidental durante a Baixa Idade Média, auge do feudalismo, mais propriamente nos séculos XI e XII, primeiro em Bologna, depois em Oxford, Salamanca e Paris. Contudo, há a curiosidade de que no Oriente a Universidade de Al-Azhar, no Cairo, iniciou suas atividades no século X, porém foi reconhecida como universidade apenas no século XX. Suas fundações conhecem antecedentes históricos longínquos, em experiências iniciais que germinaram em cidades como Atenas, na famosa Academia de Platão, e em outras, como Alexandria e Roma, ainda na Antiguidade.

A gênese da Universidade Federal do Rio de Janeiro remonta à união da Escola de Engenharia, da Faculdade de Medicina e da Faculdade de Direito, em 1920. (Foto: Reprodução/Conexão UFRJ)

No Brasil, a universidade é um advento muito tardio. Vários autores consideram, como primeira universidade que abrigou diversos cursos e vingou como tal, a Universidade do Rio de Janeiro, que data de 1920, hoje UFRJ. Contudo, o tema é controverso. A UFPR ostenta ser a primeira universidade, fundada em 1912 como Universidade do Paraná, o que figura inclusive no Guinness Book de 1995. Por sua vez, a UFAM reivindica a sua maior antiguidade pela criação da Escola Universitária Livre de Manaós em 1908, denominada Universidade de Manaus em 1913. Em 1927 foi criada a Universidade de Minas Gerais, depois federalizada e mais tarde denominada UFMG. Em 1934 o governo do estado de São Paulo criou a USP.

– Como funcionam as universidades e o que produzem? 

“Os jovens que ingressam na universidade têm um mundo fascinante de novos conhecimentos à sua frente. Não apenas pelo que eles podem aprender ou descobrir, mas também pelo que, com o tempo, eles mesmos podem criar e desenvolver.”

As universidades podem ser de razão pública ou privada. Em geral isso significa que as primeiras são gratuitas, mantidas pelo Estado e administradas por suas próprias comunidades acadêmicas, enquanto as segundas são pagas por seus usuários e administradas por fundações e grupos privados. Porém, entre as públicas existem não apenas universidades federais e estaduais, mas também universidades municipais. Entre as privadas existem as de modelo mais empresarial, com fins lucrativos, e as sem fins lucrativos, como as confessionais, que possuem um perfil mais cultural ou humanista, e as comunitárias ou públicas não estatais, que possuem um enraizamento mais social e horizontal com suas comunidades regionais.

– Qual a importância da universidade para a formação intelectual e pessoal do ser humano? 

No todo de sua expressão, a instituição universidade é a maior realização sintética (uni–) do espírito culto da humanidade, o lugar cujo fim por excelência é produzir, socializar e refletir sobre as mais variadas áreas e temas (–versidade) do conhecimento humano. O seu valor para a formação intelectual dos indivíduos, bem como para a afirmação do desenvolvimento autônomo e livre de uma sociedade complexa são, por isso, imensos, de proporções na verdade inestimáveis. Os jovens que ingressam na universidade têm um mundo fascinante de novos conhecimentos à sua frente. Não apenas pelo que eles podem aprender ou descobrir, mas também pelo que, com o tempo, eles mesmos podem criar e desenvolver.

– Quais são as características de uma universidade pública? 

Fotografia da Escola de Farmácia e Odontologia de Alfenas (Efoa) no ano de 1949. (Foto: Arquivo/Dicom)

A característica formal mais aparente de uma universidade pública é a gratuidade do seu ensino. Contudo, a sua característica mais substancial como instituição pública está em sua finalidade social, democrática e impessoal ou coletiva. Por isso as universidades públicas possuem uma lógica de estrutura e funcionalidade internas baseada numa relação tridimensional entre Ensino, Pesquisa e Extensão. Isso não é exclusivo das universidades públicas, mas é predominante nelas. Tanto que não apenas na prática social da Extensão, mas os maiores índices da produção de pesquisa científica no país provêm das universidades públicas. A sua existência com condições de sustentar a melhor qualidade acadêmica, com liberdade de pensamento e autonomia de gestão, é um direito inalienável da sociedade, um fator chave para afirmar o desenvolvimento social do país com autonomia científica e tecnológica e, também, um diferencial democrático muito importante para o acesso das classes sociais menos favorecidas ao Ensino Superior.

– Fale um pouco sobre o tripé Ensino, Pesquisa e Extensão, professor? 

Quanto à produção da universidade, é convencional falar-se da interrelação entre o Ensino como socialização dos conhecimentos acumulados, a Pesquisa como investigação científica para novas descobertas e a Extensão como interação entre o fazer universitário e a vida social da comunidade externa. Mas isso tem uma história.

“[…] as universidades públicas possuem uma lógica de estrutura e funcionalidade internas baseada numa relação tridimensional entre Ensino, Pesquisa e Extensão”, explica o professor.

Na universidade medieval, o controle religioso das atividades universitárias era absoluto. A experimentação da pesquisa era vista com grave desconfiança e a universidade se resumia ao ensino escolástico. A interação entre pesquisa e ensino tem sua gênese no projeto de criação da Universidade de Berlim, proposto por Wilhelm von Humboldt no início do século XIX. Ele não apenas priorizou e acolheu a ciência na universidade, associando a pesquisa ao ensino, como preconizou a cooperação reflexiva entre o universo das ciências naturais e o das ciências humanas. Não por acaso seu projeto ficou conhecido como modelo da universidade moderna. Ele também preconizava o princípio da autonomia universitária frente à religião e ao Estado.

Já a extensão surgiu bem depois, na segunda parte do século XIX, estimando-se a Universidade de Cambridge como pioneira em sustentar um projeto de extensão, que consistia em levar seus cursos a vários seguimentos externos da sociedade inglesa. Na América Latina, a extensão sofreu um forte influxo da reforma universitária de Córdoba, na Argentina, resultante das contundentes pautas sociais da grande rebelião estudantil de 1918. Esta é, aliás, uma das maiores e mais perenes contribuições do Movimento Estudantil para a história e a própria natureza tridimensional da universidade.

– Atualmente, quais são as políticas de ingresso às universidades? 

Em 29 de julho de 2005, a Efoa/Ceufe foi transformada em Universidade Federal de Alfenas, a UNIFAL-MG. (Foto: Arquivo/Dicom)

A principal política pública de ampliação e democratização do acesso ao Ensino Superior no Brasil recente foi o projeto Reuni, que, junto a outros programas menores, como a chamada Expansão I, criou uma série de novas universidades federais e expandiu muitas já existentes. Além disso, outros programas reorganizaram e criaram centenas de novas unidades na Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica, em que estão, por exemplo, os Institutos Federais (IFs).

Compete ainda destacar políticas de ações afirmativas como a reestruturação do programa de financiamento estudantil (Fies) e a criação do Programa Universidade para Todos (ProUni), voltados para as universidades privadas. Nas universidades públicas, o principal meio de ingresso de novos estudantes é o Sistema de Seleção Unificada (SiSU). Um destaque nobre do ponto de vista da democratização e da justiça social é a Lei n. 12.711/2012, que instituiu a política de cotas para negros, indígenas, pessoas de baixa renda e egressos de escolas públicas, para fins de acesso em todas as IFES (Instituições Federais de Ensino Superior). Além disso, há Universidade Aberta do Brasil (UAB), que amplia o acesso via o ensino a distância. Em escala menor, as universidades também oferecem ingressos via vagas remanescentes, cujos editais na UNIFAL-MG são divulgados na página da DIPS (Diretoria de Processos Seletivos). Por fim, a efetividade das políticas de acesso depende, também, de sua constante manutenção pelo apoio financeiro e pedagógico à permanência pelas políticas de assistência estudantil, o que na UNIFAL-MG os estudantes podem acompanhar pela Prace (Pró-Reitoria de Assuntos Comunitários e Estudantis).