Efeito Peltzman e a pandemia: como as Ciências Econômicas podem explicar o aumento de casos de Covid-19

Kellen Rocha de Souza

Conforme anunciado pelo grupo de pesquisa liderado pelo professor Sinézio Inácio da Silva Júnior, da Faculdade de Ciências Farmacêuticas (FCF) da UNIFAL-MG, em Boletim Epidemiológico sobre a situação epidêmica de Covid-19, “o Brasil vive a maior escalada de casos de Covid-19 de toda a pandemia”, o que pode ser observado pela Figura 1.

Figura 1 – Novos casos de Covid-19 registrados por dia no Brasil, de março de 2020 a janeiro de 2022

Fonte: Portal de notícias G1 (2022).
Obs.: Na linha vermelha tem-se a média móvel de casos, ou seja, a média de casos dos últimos 7 dias.

De acordo com especialistas da área das Ciências Biológicas, uma das responsáveis pelo aumento dos casos de Covid-19 é a nova variante da doença, denominada ômicron, que é mais transmissível e também mais resistente às vacinas (e por isso é tão importante a dose de reforço) e às pessoas que já se infectaram (SERRANO, 2022). Segundo relatório epidemiológico da Organização Mundial da Saúde (OMS), divulgado em janeiro deste ano, a variante ômicron esteve presente em quase 72% dos casos mundiais testados nos últimos 30 dias (UOL, 2022).

Ademais, as festas de final de ano e o relaxamento de medidas de proteção, como o uso de máscaras, a higienização das mãos com álcool em gel e também a promoção de aglomerações sociais contribuíram para o aumento dos casos de Covid-19 no Brasil e no mundo. Além disso, justamente pelas pessoas se exporem mais aos riscos ao se aglomerarem durante as festas de final de ano e nas férias, elas também procuram mais os laboratórios, o que aumenta o número de testes realizados (pressupondo que não há falta de testes) e consequentemente aumenta o número de casos notificados.  Tal comportamento, por sua vez, pode ser explicado pelas Ciências Econômicas, especificamente no que ficou conhecido como Efeito Peltzman.

Segundo Mankiw (2019), após a publicação, em 1965, do livro Unsafe at any speed (Inseguro em qualquer velocidade), de Ralph Nader, e sua repercussão na sociedade, o congresso dos EUA consequentemente aprovou leis que obrigavam a instalação de cintos de segurança em todos os carros novos. Com isso o efeito esperado era aumentar a probabilidade de uma pessoa sobreviver, caso estivesse usando o cinto de segurança e se envolvesse num acidente grave, ou seja, o objetivo era aumentar sua segurança. Esta história, no entanto, tem uma outra face, pois o resultado de tais leis pode, em contrapartida ao desejado, aumentar o número de acidentes.

Observando evidências da época, o economista Sam Peltzman constatou, em seu estudo de 1975, que leis de segurança no trânsito, como a da instalação de cintos de segurança, têm como efeito menos mortes por acidente e também um maior número de acidentes. Como resulto líquido, por sua vez, se observa uma pequena variação do número de mortes dos motoristas e demais ocupantes, caso tenham, e um aumento do número de mortes das pessoas sem nenhuma proteção de segurança, tais como os pedestres (MANKIW, 2019).

Por que isto ocorre? Porque ao se sentirem mais seguras em seus veículos as pessoas podem ser incentivadas a correr mais e dirigir com menos cuidado nas estradas, o que também pode ocorrer quando há, por exemplo, uma melhora nas condições das estradas (duplicação e/ou nova pavimentação). Este comportamento, em contrapartida, pode aumentar o número de acidentes, apesar das leis de segurança no trânsito e acessórios de proteção conseguirem reduzir o número de mortes por acidente.

Situação semelhante também se observa atualmente na situação epidêmica de Covid-19 no Brasil e no mundo. Isto porque com a crescente vacinação contra a Covid-19, e a maioria da população já tendo completado o esquema vacinal (ou seja, tomado as duas doses ou a dose única da vacina da Janssen), as pessoas podem passar a se sentirem mais seguras, mudam sua percepção do risco e da realidade que vivemos e com isso relaxam mais as medidas de proteção e se expõem mais ao risco. Além disso, quanto mais pessoas nas ruas, se aglomerando e não usando máscaras, bem como quanto menores os números de casos e mortes por Covid-19, maior também é a sensação de que a pandemia não oferece mais tanto risco. Como consequência tais pessoas se infectam mais, o que explicaria o aumento do número de casos de Covid-19, sendo que o número de mortes não tem crescido na mesma proporção porque, conforme dito, a maior parte da população está vacinada.

Referente ao agravamento dos casos de Covid-19 e a relação com os não vacinados ou os não completamente imunizados, segundo Resende e Alpaca (2022), em pelo menos quatro capitais brasileiras, a saber, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Manaus e Distrito Federal, mais de 80% das pessoas internadas com Covid-19 não tinham completado o esquema vacinal. A quantidade de mortes por Covid-19 também tem sido, em sua grande maioria, de pessoas não vacinadas ou com ciclo vacinal incompleto (GAZEL, 2022 e G1 RR, 2022).

Portanto, lembre-se sempre que apesar do uso do cinto de segurança e outros acessórios hoje presentes nos carros, caminhões e ônibus (assim como as vacinas) te proteger, ainda assim podem ocorrer acidentes, que consequentemente podem ferir ou matar não somente os ocupantes do veículo (mais protegidos devido ao acessórios de segurança ou no caso da Covid-19, os vacinados), mas também os motociclistas e pedestres (menos protegidos ou totalmente desprotegidos, ou no caso da Covid-19 as pessoas não vacinadas, ou com esquema vacinal incompleto ou vacinadas, mas que possuem comorbidades). Ou seja, o risco, tanto ao dirigir um veículo quanto de não se vacinar, é coletivo e não individual, como infelizmente algumas pessoas são levadas a pensar.

Referências

 GAZEL, Ayrton Senna. 57% das mortes por Covid no AM, em 30 dias, foram de não vacinados ou com ciclo vacinal incompleto. Portal de notícias G1 AM, 20 jan. 2022. Disponível em: <https://g1.globo.com/am/amazonas/noticia/2022/01/20/57percent-das-mortes-por-covid-no-am-em-30-dias-foram-de-nao-vacinados-ou-com-ciclo-vacinal-incompleto.ghtml>. Acesso em: 22 jan. 2022.

G1. Mortes e casos conhecidos de coronavírus nos estados. Portal de notícias G1. Disponível em: <https://especiais.g1.globo.com/bemestar/coronavirus/estados-brasil-mortes-casos-media-movel/>. Acesso em: 22 jan. 2022.  

G1 RR. Oito das 10 mortes por Covid em Boa Vista, em 2022, foram de não vacinados ou com ciclo vacinal incompleto. Portal de notícias G1 RR, 21 jan. 2022. Disponível em: <https://g1.globo.com/rr/roraima/noticia/2022/01/21/oito-das-10-mortes-por-covid-em-boa-vista-em-2022-foram-de-nao-vacinados-ou-com-ciclo-vacinal-incompleto.ghtml>. Acesso em: 22 jan. 2022.

MANKIW, N. Gregory. Introdução à Economia (4ª ed.). São Paulo: Cengage Learning, 2019.

SERRANO, Carlos. Covid-19: por que a ômicron é tão contagiosa e outras 6 perguntas sobre a variante. Portal de notícias BBC News/Brasil, 14 jan. 2022. Disponível em: <https://www.bbc.com/portuguese/geral-59984017>. Acesso em: 24 jan. 2022.

 SILVA JÚNIOR, Sinézio Inácio da. (Coord.) Boletim Epidemiológico N° 56 – 10/1/2022 – Situação epidêmica de covid-19 em Minas Gerais e no sul de Minas. Disponível em: <https://www.unifal-mg.edu.br/portal/wp-content/uploads/sites/52/2022/01/BOLETIM-INDCOVID-no56.pdf >.  Acesso em: 22 jan. 2022.

RESENDE, Isabelle; ALPACA, Nathalie Hanna. Mais de 80% dos internados não completaram o esquema vacinal contra a Covid-19. Portal de notícias CNN Brasil, 20 jan. 2022. Disponível em: <https://www.cnnbrasil.com.br/saude/mais-de-80-dos-internados-nao-completaram-o-esquema-vacinal-contra-a-covid-19/>. Acesso em: 22 jan. 2022.

UOL. Variante ômicron ganha terreno e já concentra 72% dos casos globais. Portal de notícias Portal de notícias UOL, 19 jan. 2022. Disponível em: <https://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/efe/2022/01/19/variante-omicron-ganha-terreno-e-ja-concentra-72-dos-casos-globais.htm>. Acesso em: 22 jan. 2022.