O campo e suas múltiplas contribuições para a sociedade e a natureza

Estevan Leopoldo de Freitas Coca

Somos uma sociedade majoritariamente urbana. No mundo, 55% das pessoas vivem nas cidades, e a estimativa da ONU (2019) é de que essa porcentagem será de 70% em 2050. Mesmo sendo um país com grandes extensões de terras agricultáveis e florestais, no Brasil, a porcentagem de pessoas vivendo nas cidades é ainda maior, chegando a 84% (IBGE 2010). Esses dados nos levam a diversos questionamentos, dentre os quais: o campo tem perdido importância no mundo atual? Qual tipo de contribuição o campo ainda tem a nos oferecer no século XXI?

Por mais que exista uma tendência de as pessoas se concentrarem cada vez mais nas cidades, as respostas para alguns dos principais dilemas que vivemos passam pelo campo, especialmente pela agricultura familiar que resiste ao avanço predatório da agricultura industrial. Esses dilemas não envolvem apenas as pessoas, mas também a natureza, e podem impactar de modo significante a vida no planeta terra nas próximas décadas, o que faz com que as discussões sobre o campo sejam de grande relevância para a promoção da sustentabilidade e dos Direitos Humanos.

Uma das consequências da Revolução Industrial de meados do século XIX foi o êxodo rural. Isso não ocorreu de modo consentido nem planejado, mas como resultado de um processo de expropriação e debilidade das condições de vida da população do campo (MARX, 2011). Pior ainda, os diversos problemas urbanos ressaltados nos séculos XX e XXI são prova de que as cidades não estavam prontas para tão grande afluxo de pessoas, o que fez com que elas crescessem de modo desordenado. Esse é um dos principais motivos para que alguns dos nossos grandes centros urbanos se caracterizem pela precarização da moradia, do emprego e dos serviços públicos.

A sociedade urbanizada também tem sofrido com a fome estrutural. Em diversas partes do globo tem aumentado o número de famílias que se alimentam mal, não apenas em momentos isolados, mas de modo duradouro (FAO 2021). Apesar de o alimento ser um Direito Humano Universal, cada vez mais pessoas de todos os continentes são afligidas pela construção social da fome.

Ao mesmo tempo em que se deterioram as condições de vida de grande parte dos seres humanos, a natureza também tem sido devastada. A sociedade de consumo e cada vez mais urbanizada tem sido a responsável pelo aumento da emissão de gases de efeito estufa. Isso tem colocado em evidência o aquecimento global e diversos problemas a ele correlatos, como a emergência de imigrantes climáticos, a possível destruição de cidades marítimas e os impactos nas culturas agrícolas.

Nenhuma solução para esses problemas será efetiva se o campo não for levado em consideração. Criar políticas que incentivem as pessoas a permanecer no campo (especialmente os mais jovens) é fundamental para garantir o abastecimento alimentar e, ao mesmo tempo, diminuir a pressão sobre os grandes centros urbanos, ocasionada pelo êxodo rural.

Também é fundamental pensarmos numa agricultura que seja mais sustentável. Isso porque o modelo de agricultura industrial herdado do projeto modernizador da Revolução Verde tem sido um dos principais responsáveis pelo aquecimento global, dentre outros, pelo desmatamento para a criação de áreas de cultivo e pastagem. Isso pode ocorrer, entre outros, pela criação de mercados específicos para os agricultores familiares.

Assim, nesta semana em que se celebra o Dia do Campo, vale destacar que muitas das respostas para problemas estruturais do mundo de hoje passam pelo campo e pelos agricultores de base familiar. O campo é fundamental para que a sociedade sobreviva a alguns dos limites que o projeto de modernização trouxe para a vida das pessoas e da natureza.

Referências

FAO – FOOD AND AGRICULTURE ORGANIZATION OF THE UNITED NATIONS. 2020 – The State of Food Security and Nutrition in the World (SOFI): Transforming food systems for affordable healthy diets. Rome, 2021.

IBGE – INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Censo Demográfico 2010. Rio de Janeiro, 2010.

MARX, K. O Capital. Crítica da Economia Política. Livro I. O processo de produção do capital. São Paulo: Boitempo, 2011.

ONU – ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. ONU prevê que cidades abriguem 70% da população mundial até 2050. 2019. Disponível em: <https://news.un.org/feed/view/pt/story/2019/02/1660701/>. Acesso em: 2 mai. 2022.