Virologista da UNIFAL-MG analisa o explosivo número de casos de dengue registrados no país e os fatores ambientais que favorecem a reprodução do mosquito vetor

Dados divulgados pelo Ministério da Saúde apontam que o número de casos de dengue no Brasil até o momento cresceu 197,9% em relação ao total de notificações registradas durante todo o ano de 2021. De janeiro até o início de junho, o país contabilizou 1.104.742 casos da doença. Minas Gerais registrou 81.916 casos, conforme último boletim epidemiológico divulgado pela Secretaria de Estado de Saúde. No mesmo boletim, Alfenas aparece com 610 casos, sendo uma das cidades do Sul de Minas com mais notificações. 

O que teria causado esse surto? Por que o número de casos continua em disparada mesmo com as temperaturas mais baixas? O ciclo do vírus causado pelo mosquito Aedes aegypti teria mudado?

Em entrevista, o virologista Luiz Felipe Leomil Coelho, professor e pesquisador do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da UNIFAL-MG, que desde 2009 trabalha com o desenvolvimento de vacinas baseadas em nanotecnologia para doenças emergentes como a dengue, esclarece as principais dúvidas sobre o assunto.

Confira:


A imprensa tem evidenciado dados epidemiológicos alarmantes de casos de dengue no Brasil. A que se deve essa epidemia de dengue que atinge o país?

“É esperado esse comportamento cíclico para o número de casos de dengue no Brasil. Por um outro lado, sabemos também que a pandemia de covid-19 impactou a notificação de casos de outras doenças e a dengue foi uma delas. Isso também pode ter influenciado nesses números”, explica o professor Luiz Felipe Leomil Coelho.

Luiz Felipe Leomil Coelho: A dengue é uma arbovirose, ou seja, é uma doença transmitida aos humanos por meio de um mosquito, nesse caso o Aedes aegypti. A reprodução desse mosquito é favorecida em regiões mais quentes e nos períodos em que há maior quantidade de chuvas. Esses dois fatores ambientais são mais observados nos primeiros meses do ano e favorecem a reprodução do mosquito vetor e consequentemente a possibilidade de disseminação do vírus por esses mosquitos a novos hospedeiros humanos. Historicamente, a quantidade de casos de dengue no Brasil segue um padrão bem definido. Existem anos em que há um aumento explosivo do número de casos, seguido por um intervalo, cerca de quatro a cinco anos, onde se observa um número menor de casos. Assim, é esperado esse comportamento cíclico para o número de casos de dengue no Brasil. Por um outro lado, sabemos também que a pandemia de covid-19 impactou a notificação de casos de outras doenças e a dengue foi uma delas. Isso também pode ter influenciado nesses números.

As notificações de casos não pararam nem com a chegada do frio. Até então, sabia-se que o mosquito Aedes aegypti era mais comum aparecer no verão, quando o clima está quente, úmido e chuvoso. O que pode ter causado essa mudança no comportamento do mosquito?

(Foto: Reprodução/Canva Education)

Luiz Felipe Leomil Coelho: Existem pesquisas que indicam que o mosquito está se adaptando melhor a climas mais amenos e outras condições, como por exemplo, em águas mais poluídas e até esgoto doméstico. Entretanto, é importante salientar que o mosquito se reproduz o ano inteiro e que tem casos notificados em todos os meses do ano. É claro que há maior taxa de reprodução do mosquito quando o clima está mais quente, úmido e chuvoso. Entretanto, temos que lembrar que também há reprodução em temperaturas mais amenas (20 – 25ºC) e que as estações no Brasil não são tão bem definidas. Temos períodos curtos de frio mais intenso seguido de períodos com temperaturas mais elevadas e chuva, o que pode favorecer a eclosão dos ovos existentes no meio ambiente. Aliás é importante ressaltar que os ovos são extremamente resistentes à variações de temperatura e baixa umidade, permitindo que eles fiquem viáveis por longos períodos antes de iniciar a eclosão – induzida pelas chuvas e elevação da temperatura.

Quais são os tipos de vírus da dengue encontrados no Brasil?

Luiz Felipe Leomil Coelho: No Brasil são encontrados todos os quatro tipos de vírus da dengue (Dengue vírus 1, Dengue vírus 2, Dengue vírus 3 e Dengue vírus 4), sendo o Dengue vírus 1 o mais prevalente. Entretanto, segundo os dados do Ministério da Saúde, até o momento, em 2022, foram diagnosticados no Brasil somente o Dengue vírus 1 e Dengue vírus 2.

Como o mosquito Aedes aegypti pode ser identificado e como é o comportamento em relação ao pernilongo, por exemplo?

(Foto: Reprodução/Canva Education)

Luiz Felipe Leomil Coelho: O mosquito é identificado de acordo com suas características morfológicas por profissional qualificado. Entretanto, existem características básicas que facilitam a identificação por qualquer um: ele é menor do que os mosquitos comuns, é preto com listras brancas no tronco, na cabeça e nas pernas. Ao contrário do pernilongo, o Aedes aegypti é um mosquito com hábitos diurnos com pico de atividade durante as primeiras e últimas horas do dia. Além disso é considerado um mosquito peridomiciliar, ou seja, prefere ficar próximo ás áreas externas de nossa residência (varandas, jardins, garagens) do que dentro delas. Entretanto, podem ser achados também no interior das residências.

Como é o ciclo do vírus e quais os principais sintomas?

“Nem todo mosquito está infectado. Para se tornar infectado ele precisa realizar a ingestão de sangue de uma pessoa que está no período virêmico (presença de vírus no sangue). Após a ingestão desse sangue contendo partículas virais, essas ao chegarem no intestino do mosquito conseguem se multiplicar nas células localizadas nesse local”, esclarece o pesquisador.

Luiz Felipe Leomil Coelho: É importante salientar que nem todo mosquito está infectado. Para se tornar infectado ele precisa realizar a ingestão de sangue de uma pessoa que está no período virêmico (presença de vírus no sangue). Após a ingestão desse sangue contendo partículas virais, essas ao chegarem no intestino do mosquito conseguem se multiplicar nas células localizadas nesse local. Após alguns dias, ocorre a disseminação do vírus para outros tecidos do mosquito, inclusive a glândula salivar. É nesse momento que o mosquito consegue transmitir o vírus para outro hospedeiro vertebrado (homem). Portanto, ao se alimentar de um novo indivíduo, ele injeta saliva no momento da alimentação e nessa saliva há a presença do vírus. O homem é infectado, pois o vírus irá encontrar naquele local da pele, células suscetíveis à infecção. Ocorre, portanto, a multiplicação do vírus no local e depois a disseminação do vírus para outros órgãos, como por exemplo baço, fígado e tecidos linfáticos. Neste período, que dura de quatro a sete dias, a pessoa está infectada, mas não transmite a doença se for picada pelo vetor. Passado o período de incubação, o vírus retorna à corrente sanguínea. Neste momento, tem início o período de viremia, que dura cerca de seis dias. É aqui que os principais sintomas se manifestam e é quando um novo mosquito não infectado pode adquirir a infecção e continuar a propagação da doença para outros indivíduos. Vale ressaltar que apenas os mosquitos fêmeas se alimentam de sangue, pois precisam das proteínas presentes em nosso sangue para indução da maturação sexual e deposição de ovos.

(Arte: Reprodução/MD.Saúde)

Ouvimos muito a respeito da possibilidade de ocorrer hemorragia no caso de a dengue ser adquirida pela segunda vez. Em quais condições uma pessoa pode ser acometida pela dengue grave?

“Um dos fatores de risco para desenvolvimento de manifestações mais severas da dengue é ter uma nova infecção com uma espécie de dengue vírus diferente da infecção anterior”, afirma o especialista.

Luiz Felipe Leomil Coelho: Um dos fatores de risco para desenvolvimento de manifestações mais severas da dengue é ter uma nova infecção com uma espécie de dengue vírus diferente da infecção anterior. Esse quadro pode gerar uma infecção viral mais intensa e uma resposta imune não protetora e tendenciosa a induzir quadros inflamatórios mais intensos, que podem levar a hemorragias e um quadro de choque hipovolêmico. As teorias imunológicas que explicam essa possibilidade são denominadas de “Aumento da infecção mediada por Anticorpos e Teoria do pecado original antigênico”. De forma a simplificar o entendimento dessas teorias pela maioria da população, posso dizer o seguinte: na infecção primária por um vírus (exemplo Dengue vírus 1), geramos células imunológicas que são muito boas em combater novas infecções pela mesma espécie de vírus (Dengue vírus 1). Entretanto, se em uma próxima vez, a pessoa for infectada por dengue vírus 2, ao invés de produzir uma nova resposta imune específica para o Dengue vírus 2, o organismo acaba utilizando a resposta que já tem para o Dengue vírus 1. Como são vírus diferentes, acaba por ter uma resposta que não se adequa totalmente a combater o Dengue vírus 2, e sim acaba ajudando-o a se multiplicar no organismo, gerando mais danos teciduais e induzindo uma inflamação sistêmica que pode gerar as manifestações hemorrágicas.

Realmente é necessário um alerta para que quem já tenha adquirido dengue uma vez?

Luiz Felipe Leomil Coelho: O alerta deve sempre existir, pois é um fator de risco. Mas vale ressaltar que não é o único, constituição genética do indivíduo, status nutricional e outras condições de saúde podem influenciar no aparecimento de sintomas mais graves. Existem relatos de dengue hemorrágica em indivíduos infectados pela primeira vez e em indivíduos infectados por mais de uma vez pela mesma espécie de vírus.

Existe vacina para a dengue? Quais são as alternativas vacinais estudadas no Laboratório de Vacinas da UNIFAL-MG e quais os principais avanços já registrados por esses estudos?

Desde 2009, pesquisadores da UNIFAL-MG desenvolvem vacinas baseadas em nanotecnologia para doenças emergentes como a dengue. (Foto: Arquivo/Dicom)

Luiz Felipe Leomil Coelho: Sim. Existe uma vacina aprovada para a dengue, entretanto a mesma é indicada apenas para pessoas que se enquadrem em situações muito definidas. A única vacina contra a dengue disponível no Brasil é a Dengvaxia fabricada pelo laboratório francês Sanofi Pasteur. Essa vacina é vendida apenas em clínicas particulares de imunização. A vacina é indicada para indivíduos de 9 a 45 anos com infecção prévia por dengue, uma vez que ela aumenta o risco de desenvolvimento de infecções mais severas em indivíduos que nunca tiveram dengue. Assim sendo, é preciso ter uma certeza absoluta de que já teve dengue para ser um indivíduo qualificado para essa vacina.

No Laboratório de Vacinas da UNIFAL-MG estamos, desde 2009, desenvolvendo vacinas baseadas em nanotecnologia para doenças emergentes, tais como a dengue. A nossa estratégia vacinal consiste em utilizar nanopartículas biodegradáveis de albumina como veículos carreadores de proteínas microbianas. Os nossos resultados demonstram que até o presente momento essa plataforma é promissora, pois possui grande efeito adjuvante e pode ser aplicada no desenvolvimento de novas formulações vacinais. Atualmente estamos testando essa plataforma para algumas doenças, tais como a zika e infecções causadas por uma bactéria oportunista com ampla capacidade de exibir resistência a vários antimicrobianos (Pseudomonas aeruginosa). Os resultados são animadores e demonstram que estamos no caminho para melhorar e aprimorar essa tecnologia, cujo pedido de patente já foi realizado com auxílio da Agência de Inovação e Empreendedorismo.

Como ainda não existe uma vacina eficaz para todos, quais as ações preventivas individuais e coletivas devem ser tomadas no combate ao mosquito?

Luiz Felipe Leomil Coelho: As ações necessárias são: evitar acúmulo de criadouros do mosquito em nossa casa, usar repelente e avisar as autoridades de saúde publica sobre a presença de criadouros em locais tais como lotes vagos e casas sem moradores.