Estudo investiga acesso de estudantes à UNIFAL-MG pela Lei de Cotas e apresenta um panorama de como se deu a integração social entre acadêmicos da área de Ciências Exatas

Discutir como a Lei de Cotas tem influenciado o acesso de estudantes aos cursos da UNIFAL-MG e de que forma ocorre a integração social e acadêmica de acadêmicos da área de Ciências Exatas  foi um dos objetivos do estudo desenvolvido pelo matemático Ronaldo André Lopes, sob orientação do professor Guilherme Henrique Gomes da Silva, no âmbito do Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGE). Aproveitando a semana em que a legislação completa 10 anos, vale conhecer o trabalho que aponta um panorama sobre a Lei de Cotas na Universidade, no período entre 2014 e 2019, com indicativos sobre a permanência dos beneficiários de ações afirmativas.  

De acordo com o estudo, a Lei de Cotas influenciou positivamente a diversidade racial na UNIFAL-MG, uma vez que houve percentual de estudantes cotistas autodeclarados negros, superior ao de autodeclarados brancos em todas as áreas do conhecimento. Os resultados do artigo “Alcance na Admissão de Estudantes pela Lei de Cotas: O Caso da Universidade Federal de Alfenas” integram a pesquisa de dissertação de mestrado desenvolvida pelo pesquisador e concluída em março de 2022.

Metodologia

Para compreender o alcance da Lei de Cotas no ingresso de estudantes entre os anos de 2014 e 2019 e o modo como ocorre a integração social e acadêmica dos acadêmicos, público-alvo da Lei de Cotas da área de Ciências Exatas, o pesquisador dividiu o estudo em duas etapas. Na primeira, analisou a taxa de ocupação das vagas em todos os cursos da UNIFAL-MG, com base em dados públicos dos ingressantes de 2014 a 2019.

Pesquisador Ronaldo André Lopes e o professor que orientou o estudo, Guilherme Henrique Gomes da Silva. (Fotos: Arquivo Pessoal)

“Conseguimos observar a ocupação das vagas com base na Lei de Cotas, além do perfil racial dos ingressantes, e simular o percentual de estudantes que não ingressaria na Universidade sem a Lei de Cotas”, detalha, argumentando que foi utilizada como nota de corte a nota mínima da ampla concorrência para traçar o cenário sem a ação afirmativa.

Na segunda etapa, Ronaldo Lopes e o professor Guilherme Silva aplicaram a Escala de Experiências Acadêmicas, Sociais e de Sobrevivência em cursos de Exatas (EASS-Exatas) nas respostas obtidas em 17 cursos da área na UNIFAL-MG. “Este instrumento possui 75 questões objetivas e foi aplicado on-line, com 534 estudantes, sendo 390 respondentes validados”, diz o pesquidador. Conforme ele, o questionário é composto por seis blocos principais que abordam questões relacionadas à integração social e acadêmica dos estudantes, à sobrevivência acadêmica, às microagressões raciais e à preparação dos estudantes em relação à Matemática e ao senso de pertencimento à Universidade.

“Para análise dos dados coletados nesta etapa, utilizamos estatísticas descritivas, testes de significância de correlações, qui-quadrado e de correspondências, realizados no software estatístico “R”. Posteriormente, também utilizamos a análise de componentes principais”, descreve a metodologia utilizada na análise dos dados coletados.  

Principais resultados

Além de identificar que a legislação impactou positivamente para ampliar a diversidade de raças na Instituição, a pesquisa também possibilitou simular cenários para compreender como seria o acesso sem as vagas reservadas. “Em um cenário sem a Lei de Cotas, as simulações realizadas mostraram que estudantes cotistas autodeclarados pretos e pardos, nas mesmas condições socioeconômicas de estudantes cotistas brancos, teriam ingressado em menor número, mesmo quando realizamos agrupamentos nos dados considerando diferentes áreas de conhecimento”, ressalta Ronaldo Lopes.

Nas categorias de cotas destinadas a egressos da rede pública de ensino, autodeclarados pretos e pardos, o estudo apontou uma subocupação das vagas. “Por outro lado, as categorias que não exigem autodeclaração racial apresentaram taxas de ocupação mais elevadas, tanto nas categorias de cotas quanto na categoria de ampla concorrência”, indica.

A subocupação também foi registrada nas vagas das categorias destinadas a estudantes com deficiência. Embora em números relativos estes estudantes estejam ocupando poucas vagas, os resultados mostram uma tendência de aumento na ocupação das vagas nesta categoria.

Em relação aos dados coletados e analisados na segunda etapa da pesquisa, o pesquisador esclarece que foram agrupados em quatro blocos temáticos: preparação, integração social, integração acadêmica e microagressões raciais. “Os resultados indicam que estudantes mais velhos se sentem menos preparados em relação à Matemática do que seus pares; ainda, estudantes cotistas e não cotistas apresentam resultados similares em relação à sua preparação para cursar as disciplinas de Matemática”, revela.

No que diz respeito à integração social, os estudantes mais velhos e do sexo masculino apresentaram pontuação do cálculo estatístico mais elevada de integração social, enquanto os estudantes autodeclarados brancos se mostraram mais integrados socialmente do que os autodeclarados pretos e pardos.

Os resultados sobre integração acadêmica mostraram que a participação em atividades extensionistas afeta positivamente a integração social dos estudantes, e os dados relacionados à microagressões raciais evidenciam maior vivência entre os estudantes autodeclarados pretos e pardos no âmbito universitário. “Estes estudantes, inclusive, estiveram mais engajados em atividades extraclasse, algo que a literatura aponta como importante para contrapor o racismo que vivenciam na Universidade”, aponta Ronaldo Lopes.

Impactos

Segundo o autor do estudo, a pesquisa favoreceu a compreensão sobre o perfil dos estudantes e sobre o modo como tem ocorrido a ocupação das vagas nos cursos da Universidade. “Ainda que não ocupem todas as vagas a eles destinadas, os estudantes autodeclarados pretos e pardos têm ocupado um número significativo de vagas após a adoção da Lei de Cotas pela UNIFAL-MG. Além disso, observa-se um número crescente de estudantes com deficiência matriculados em vagas reservadas, principalmente após a implementação da Lei 13409/2016”, destaca.

Para Ronaldo Lopes, sem a Lei de Cotas, haveria um corte significativo no número de estudantes egressos de escolas públicas na UNIFAL-MG, principalmente em cursos mais concorridos, como Medicina, Odontologia e Ciência da Computação.

“Em relação à análise do questionário, consideramos que os resultados podem contribuir para o desenvolvimento de práticas e políticas públicas que possam favorecer o ingresso e a permanência de estudantes cotistas em cursos da área de Ciências Exatas, principalmente aqueles autodeclarados pretos e pardos”, avalia o pesquisador.

Os dados ganharam visibilidade em maio de 2022 quando um artigo sobre o estudo foi publicado pelo periódico Education Policy Analysis Archives (EPAA – em inglês) ou Arquivos de Análise de Políticas Educacionais (AAPE) da Universidade Estadual do Arizona. “A publicação neste periódico favorece a divulgação e socialização dos resultados com um maior número de pesquisadores, haja vista o reconhecimento e alcance da EPAA em diversos países”, conta o autor.

Como a Lei de Cotas está completando 10 anos, Ronaldo Lopes acredita que possa ser revisada e alterada. “Isso evidencia a importância de publicações sobre a relevância e alcance da Lei de Cotas no ensino superior, reforçando a necessidade de que a lei continue em vigência e promova o acesso de um maior contingente de estudantes egressos de escolas públicas, estudantes autodeclarados pretos e pardos, e pessoas com deficiência”, conclui.

Acesse aqui o artigo na íntegra. 

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