“Não espero que 2023 seja um ano maravilhoso, mas acredito que possa ser o ano da virada”, afirma professor de Economia da Universidade em entrevista sobre as perspectivas econômicas para os próximos meses

Para avaliar as perspectivas econômicas para 2023, a equipe do Jornal UNIFAL-MG conversou com o economista Fernando Batista Pereira, professor e pesquisador do Instituto de Ciências Sociais Aplicadas (ICSA), da UNIFAL-MG Varginha.

Na entrevista, o docente abordou aspectos positivos e negativos da atual conjuntura, os quais impactam diretamente o cenário econômico brasileiro. Dentre os fatores, o economista listou questões internacionais, como a pandemia da covid-19 e o conflito entre Rússia e Ucrânia, cujos efeitos podem ser sentidos, respectivamente, na produção e na geração de emprego e renda, e nos preços das commodities.

Em relação às questões nacionais, o pesquisador falou sobre “otimismo moderado” ao considerar a possibilidade de o novo governo federal retomar políticas de geração de emprego e renda da população e, consequentemente, a trajetória de crescimento. No entanto, ponderou se o novo governo terá capacidade política e orçamentária para retomar os investimentos públicos diante de tantos desafios. Na visão do professor Fernando Pereira, na conjuntura de crise, a boa cooperação internacional pode minorar os problemas.

Confira a análise na íntegra a seguir: 


Quais são as principais perspectivas para o cenário econômico em 2023?

Prof. Fernando Batista Pereira: Temos que pensar em duas esferas: uma esfera internacional e uma nacional. Em ambas, podemos elencar elementos mais otimistas e outros mais pessimistas ou que trazem uma nuvem de incerteza futura, a qual é sempre prejudicial para a retomada econômica. No cenário internacional, temos pelo menos três fatores: dois de ordem – digamos – mais conjuntural e um de ordem estrutural.

“A possibilidade de haver novas variantes – as atenções estão voltadas para a China, mas isso também pode acontecer em outros países – traz um receio de uma nova onda pandêmica. Isso é muito prejudicial para a sociedade e para a economia, como um todo, de todos os países”, avalia o professor Fernando Pereira.

O primeiro, basicamente, é uma questão da pandemia da covid-19. Ela vai ser superada ou não? Esperava-se (ou ainda se espera) que em 2023 finalmente o mundo consiga superar o problema da atual pandemia. Por outro lado, a possibilidade de haver novas variantes – as atenções estão voltadas para a China, mas isso também pode acontecer em outros países – traz um receio de uma nova onda pandêmica. Isso é muito prejudicial para a sociedade e para a economia, como um todo, de todos os países. Prejudica o comércio, a produção – e, portanto, a geração de emprego e renda -, como nós sabemos muito bem. O segundo fator importante é o conflito entre a Rússia e a Ucrânia, que já ocorre há 10 meses e ainda não temos ideia de até quando esse conflito vai finalmente durar. Isso tem impactos negativos que direta ou indiretamente afetam a economia brasileira. Diretamente por conta dos efeitos provocados nos preços de, pelo menos, duas commodities importantes: petróleo e fertilizantes. O petróleo naturalmente é um elemento-chave na economia, pois embora o Brasil seja um grande produtor de petróleo e aproximadamente 90% do nosso consumo de combustíveis seja produzido internamente, o preço internacional do barril interfere na fixação do preço dos combustíveis nacionais. Isso é uma prática da Petrobras, desde o governo Temer, que estabelece que os preços dos combustíveis estão atrelados ao preço internacional. Então, a não ser que o novo governo consiga modificar esse modelo de fixação de preços, o que pode acontecer é que, quando encerrar no final de fevereiro o pacote de desoneração fiscal para os combustíveis, os preços da gasolina e do diesel podem subir novamente e atingirem patamares elevados alcançados em 2021 e 2022, gerando efeitos naturalmente muito perversos sobre a inflação doméstica. Outro elemento importante são os fertilizantes. O Brasil é um grande consumidor de fertilizantes, por conta do setor nacional de agronegócios, então seu encarecimento (ou restrição de oferta) é prejudicial para a produção agropecuária, que também provoca impactos de alta da inflação nacional (e internacional) dos alimentos. 

Indiretamente, esse conflito é prejudicial também porque ele afeta diretamente um grande mercado que é a União Europeia – só lembrar que a Alemanha está sofrendo um impacto muito negativo em decorrência dessa guerra, sofreu uma recessão da ordem de 5% em 2022 -, que é um grande destino das exportações brasileiras. Em resumo, a própria recuperação da economia internacional depende da União Europeia. 

Agora um terceiro fator, que não pode ser desconsiderado, aí já é um elemento que eu chamei de ordem estrutural e não conjuntural, é a própria crise econômica capitalista que  vivemos, vamos dizer, desde 2019 ou, na verdade, desde 2008, com a crise norte-americana, que ainda não foi superada. Ela foi minorada por ações governamentais, incentivos, gastos públicos fiscais, desonerações fiscais e políticas monetárias que zeraram a taxa de juros por muito tempo em diversas economias, só que a crise ainda não foi superada. E aí, vale lembrar, que na virada de 2019 para 2020, antes de pensarmos em pandemia da covid-19, as expectativas já eram que uma grande crise econômica internacional viria de vez, já a partir de 2020. Por conta da pandemia, a crise tomou outras proporções, digamos, ainda mais graves, mas as motivações da crise econômica original ainda não foram superadas. Alguns analistas falam que a própria economia chinesa – o “motor” da economia global das últimas décadas – já chegou ao seu teto de crescimento, então não vai mais conseguir manter nos próximos anos uma taxa de crescimento de dois dígitos. Isso é muito prejudicial para a economia mundial, mas também para a economia brasileira, exportadora de commodities para aquele país.

“Internamente, o país também tem fatores positivos e negativos. Pelo lado otimista, sem dúvida, agora são as expectativas que o novo governo federal retome políticas de geração de emprego e renda da população – e não esteja focado simplesmente em alguns setores, como o agronegócio, alvo do governo anterior. Portanto, há uma expectativa que a economia retome a trajetória de crescimento”, pontua.

Internamente, o país também tem fatores positivos e negativos. Pelo lado otimista, sem dúvida, agora são as expectativas que o novo governo federal retome políticas de geração de emprego e renda da população – e não esteja focado simplesmente em alguns setores, como o agronegócio, alvo do governo anterior. Portanto, há uma expectativa que a economia retome a trajetória de crescimento.

O aspecto negativo – além do cenário internacional já exposto -, que não pode ser desconsiderado, é em que medida que o governo vai ter força para fazer isso. Agora que o novo governo vai saber e vai ter dimensão da força e da capacidade política e orçamentária que vai ter para retomar os investimentos públicos, as políticas públicas (desde saúde, educação, assistência social até o desenvolvimento industrial e tecnológico), que foram muito prejudicadas desde 2015, principalmente desde 2019. Então esse é o elemento de dúvida que se tem enquanto o que será esse ano de 2023.

Conforme sua análise, podemos inferir que a possibilidade de surgimento de novas variantes de covid-19 e dos conflitos na Ucrânia no contexto internacional, são variáveis que influenciam na tomada de decisão dos investidores e isso impacta diretamente o mercado nacional. Você pode explicar um pouco mais essa questão?

Prof. Fernando Batista Pereira: Tanto esse elemento da covid-19 quanto o conflito da Rússia e Ucrânia, naturalmente, colocam uma pulga por trás dos investimentos do setor privado, particularmente porque o investimento privado somente é realizado se houver expectativas positivas de geração de lucros e crescimento do mercado, de uma forma geral. Se houver incerteza, o empresário não realiza investimento, posterga para não perder dinheiro. A atual conjuntura internacional, muito turbulenta, desestimula investimentos privados. Então se pensarmos que, no mundo, diversos investidores estão deixando de fazer esse investimento (um exemplo recente é a demissão em massa provocada pelas grandes empresas globais de alta tecnologia), isso significa que a economia não vai crescer. Resultado: isso gera um efeito em cadeia sobre os demais investidores, que vão deixar de investir porque a economia não está crescendo, não está gerando tanto emprego – e, portanto, mercado consumidor. Em um quadro como esse, a economia passa a depender totalmente do investimento público, que obedece a uma lógica distinta da tomada pelo setor privado.

Qual deve ser o cenário de inflação em 2023 e de que forma isso refletirá na economia deste ano?

Prof. Fernando Batista Pereira: Vamos pensar primeiro que tanto o preço dos fertilizantes como o preço dos combustíveis nacionais são elementos básicos de uma cadeia produtiva, principalmente os combustíveis. Toda atividade econômica usa combustíveis derivados de petróleo como insumos, então você encarece tanto a produção quanto a distribuição de tudo. Não é só simplesmente o aumento do preço da gasolina para o consumidor final. Então isso tem um efeito direto sobre toda cadeia, encarecendo custos de produção e distribuição. O fertilizante tem o mesmo impacto em toda cadeia alimentar, não só na produção agrícola, mas também pecuária, afinal, as criações dependem dos insumos da alimentação, encarecidos pelo preço dos fertilizantes.

Um terceiro elemento que eu cito, que também alimenta um quadro de incerteza, é exatamente o dólar. Porque o dólar também vai ser um elemento central, inclusive para minorar ou para encarecer ainda mais o preço desses dois elementos (fertilizantes e combustíveis), mas de outros também. Todos os produtos, sejam os elementos importados pelo país ou sejam os itens produzidos nacionalmente, mas cujos preços são fixados no mercado internacional, como é o caso de quase todas as commodities, têm seus preços impactados pelo dólar (quanto maior o dólar, maior seu preço em moeda nacional). Então o dólar é um elemento-chave e vai ser decisivo para ditar como vai ser essa inflação.

“A inflação que vem nos afetando nos últimos anos é uma inflação de custo. Os custos do sistema de produção foram encarecidos por conta dessa combinação da pandemia covid com a guerra Ucrânia-Rússia. A expectativa é que a inflação nacional (e também internacional) continue ocorrendo em patamar relativamente alto, cuja magnitude vai depender das três variáveis citadas anteriomente: petróleo, fertilizante e dólar.”

A inflação que vem nos afetando nos últimos anos é uma inflação de custo. Os custos do sistema de produção foram encarecidos por conta dessa combinação da pandemia covid-19 com a guerra Ucrânia-Rússia. A expectativa é que a inflação nacional (e também internacional) continue ocorrendo em patamar relativamente alto, cuja magnitude vai depender das três variáveis citadas anteriomente: petróleo, fertilizante e dólar.

O mercado tem reagido agora de uma forma mais moderada em relação ao novo governo Lula, então diminuiu muito o movimento de especulação de mercado sobre o preço do dólar. Claro, não dá para prever exatamente quanto vai ficar. Hoje, por enquanto está nessa variação entre R$ 5,00 e R$ 5,50, mas assumindo que esse valor não vai ter grandes modificações, há expectativas de que a inflação nesse ano seja próxima da meta, um pouco acima do teto, como foi em 2022.

Fale um pouco da sua previsão para o PIB brasileiro em 2023.

Prof. Fernando Batista Pereira: Desde o semestre passado, as expectativas de diversos atores do mercado ou do próprio Banco Central eram de que a taxa em 2023 seria definitivamente inferior à de 2022. Isso se dá como algo natural. Os governos, quase todos eles, em ano eleitoral, tendem a promover políticas econômicas que estimulem o crescimento do emprego e renda, então não têm tanto uma preocupação de austeridade fiscal, gasta-se mais. Em particular, o último governo foi uma tragédia em termos orçamentários, em parte por conta da crise da pandemia, mas em parte também pelas ações de natureza populista, principalmente em 2022, que foram totalmente despreparadas, comprometendo o orçamento do atual período. Portanto, a expectativa é que 2023, vamos crescer abaixo de 2022. De 2022, estima-se que o crescimento foi aproximadamente de 3%, agora em 2023 há um conjunto de expectativas que vão desde 0,5%, 0,7% até 1%. No último boletim Focus, do Banco Central, a expectativa é de que o país vai crescer em torno de 0,79% em 2023. As expectativas apontam um crescimento baixo, o que, diante das circunstâncias internacionais tão desfavoráveis, não é o pior dos mundos. 

O que o novo governo pode trazer para a economia brasileira?

“A expectativa é que esse novo governo possa promover políticas econômicas de recuperação desse mercado nacional, da geração de emprego com maior estabilidade e qualidade, especialmente o assalariado com carteira de trabalho. Lembrando que nos últimos governos, o foco era o trabalho por conta própria ou atividades autônomas, que são muito mais instáveis e precárias para a maior parcela da população.

Prof. Fernando Batista Pereira: Sem dúvida, estou um pouco mais otimista, um otimismo com o pé no chão, um otimismo moderado em relação ao novo governo, principalmente em comparação com os governos anteriores. Desde o segundo governo Dilma, nós estávamos vivendo uma política de austeridade fiscal – apostando em um setor ou outro da economia, principalmente as commodities do setor de mineração e/ou dos agronegócios -, e o acúmulo disso ao longo dos anos prejudicou muito, não só os fatores da geração de emprego, mas também da geração de renda. Vamos pensar, por exemplo, que as pesquisas recentes apontam que o valor da cesta básica corresponde a 60% do salário-mínimo. Esse montante era de cerca de 40% há quatro anos. Ou seja, o trabalhador não consegue mais, com um salário-mínimo, manter um domicílio. Assim, apesar de a nossa taxa de desemprego estar relativamente mais baixa em comparação aos últimos anos do auge da pandemia, a renda média do trabalhador perdeu muito poder de compra, em decorrência da inflação, não só dos alimentos, mas também dos fatores relacionados à moradia, vestuário, saúde, educação e transporte. Resultado: a economia brasileira vem se tornando um mercado consumidor fraco, um mercado que não atrai investimento, seja brasileiro, seja estrangeiro. Não por acaso, diversas empresas multinacionais foram saindo do país nesses últimos anos. Quando isso vai perdurando ao longo do tempo, cada vez menos o país consegue atrair novos investimentos e se torna um mercado de menor relevo na esfera internacional. Então, a expectativa, sim, é que esse novo governo possa promover políticas econômicas de recuperação desse mercado nacional, da geração de emprego com maior estabilidade e qualidade, especialmente o assalariado com carteira de trabalho. Lembrando que nos últimos governos, o foco era o trabalho por conta própria ou atividades autônomas, que são muito mais instáveis e precárias para a maior parcela da população. Espera-se que o governo consiga retomar ações políticas para reverter esse quadro. Agora, a dúvida é se vai ter capacidade e condições orçamentárias e políticas de execução desse projeto – lembrando que é um governo de coalizão, que depende de boas relações com um Legislativo bem conservador. Lembrando também que as deficiências de saúde, educação e políticas sociais, ambientais, ciência e tecnologia, vão requerer uma atenção considerável.

Em resumo, eu não espero que 2023 seja um ano “maravilhoso”, mas acredito que possa ser o ano da virada, de remontagem do planejamento do país. A ideia é que isso é um processo demorado e difícil, podendo gerar bons resultados nos próximos anos (não ainda em 2023), mas essa virada de chave, sem dúvida, já representa um elemento positivo.

Em resumo, eu não espero que 2023 seja um ano “maravilhoso”, mas acredito que possa ser o ano da virada, de remontagem do planejamento do país. A ideia é que isso é um processo demorado e difícil, podendo gerar bons resultados nos próximos anos (não ainda em 2023), mas essa virada de chave, sem dúvida, já representa um elemento positivo. Ressalto que o governo que terminou agora era muito focado no setor de commodities do chamado agribusiness, que gera relativamente pouco emprego de qualidade no país. Gera renda e também um saldo exportador, mas com baixa capacidade de dinamizar a economia como um todo. Não que esse setor não seja importante, mas ele não pode ser tratado como o “motor central” da economia brasileira.

Por fim, chamo a atenção de que o atual governo tem relações diplomáticas muito mais abertas com a comunidade internacional, o que tende a ser mais favorável para a economia do que o governo anterior. É só ver o respeito internacional que esse novo governo tem em relação ao anterior. Então isso pode gerar resultados econômicos mais benéficos para o país. É claro, vale lembrar mais uma vez, que o mundo está na beira de uma crise econômica grave, mas a boa cooperação internacional pode minorar os problemas nessa conjuntura de crise.