Por entre a vida selvagem: professor da UNIFAL-MG compartilha histórias de sua trajetória como fotógrafo de Natureza

Fotografias de cenários naturais, com destaque para a fauna e flora brasileira, e da vida selvagem marcam a trajetória do professor Celso Ferrarezi, do Instituto de Ciências Humanas e Letras da UNIFAL-MG. Para compartilhar um pouco de sua carreira permeada de ricas vivências, o docente e pesquisador na área da Semântica conversou com a equipe da Diretoria de Comunicação Social sobre histórias na atuação como fotógrafo de Natureza, bem como compartilhou experiências e dicas com os amantes de fotografia. A entrevista apresenta alguns dos registros fotográficos do professor. Confira: 
 
– Professor Ferrarezi, quando se iniciou o seu interesse pela fotografia de natureza? 
A fotografia entrou em minha vida como parte da terapia para controlar a depressão. Naquela fase inicial, quando comecei a estudar o tema, me deparei com a obra e a vida de Luiz Cláudio Marigo, um dos maiores fotógrafos de Natureza brasileiros, e me encantei pelo trabalho dele. Como sempre fui apaixonado pela Natureza, desde a infância, e isso foi muito fortalecido nos 25 anos em que morei na Amazônia e em que trabalhei com indígenas, tudo se juntou e acabei decidindo que seria um fotógrafo especializado em cenas naturais e vida selvagem. O que antes era apenas parte do tratamento emocional acabou ganhando proporções que eu não esperava: virou exposições, livro, sites, artigos para revistas especializadas e cooperação com agências e empresas de equipamentos fotográficos. 

– Quais são suas motivações/inspirações para registrar cenas e cenários da natureza brasileira? 
São muitas, na verdade. Além de minha afeição natural pela vida selvagem e pelos cenários naturais, como disse, ainda nutro uma relação religiosa para com a criação divina e, de uns anos para cá, compreendo que a fotografia é uma forma poderosa de mobilização contra a destruição ambiental. Mais recentemente, lendo artigos sobre a influência positiva que a contemplação de fotografias de Natureza pode exercer no tratamento de pessoas com problemas de saúde, fiquei ainda mais apaixonado pelo trabalho. Nessa época, comecei a doar imagens para uma rede de hospitais norte-americana que produzia cartões em que apareciam minhas fotos e mensagens positivas de esperança, isso para distribuir gratuitamente aos doentes. O relato que meu contato lá me fez foi de que as pessoas colecionavam esses cartões e os usavam, nos momentos de dor e tristeza, como um lenitivo para sua condição e que, depois de receber alta, pediam para levar para casa os cartões que tinham ajudado em sua cura. Isso me deixou tremendamente feliz e realizado com o trabalho fotográfico. 

– Considerando a influência positiva da contemplação de fotografias de Natureza, podemos dizer que a fotografia transcende o caráter informativo e de beleza e ganha uma característica também reflexiva e de motivação? 
Hoje, não há mais dúvida disso. Há pesquisas que tratam dessa dimensão da fotografia e mostram que essa arte desperta inúmeras sensações estéticas que nos levam a mudanças de comportamento, de ânimo e até de visão de mundo. Não é raro que pessoas me digam que viram uma fotografia minha e que isso as ajudou em alguma coisa em suas vidas. Há alguns meses, uma professora universitária de São Paulo me disse que tinha colocado uma fotografia minha como papel de parede de seu computador, porque a imagem evocava nela um enorme desejo de viver e de reconstruir sua vida familiar. Para mim, isso foi surpreendente e, ao mesmo tempo, muito gratificante. É essa imagem do nascer do sol com uma árvore em contraluz no primeiro plano.

“Há pesquisas que tratam dessa dimensão da fotografia e mostram que essa arte desperta inúmeras sensações estéticas que nos levam a mudanças de comportamento, de ânimo e até de visão de mundo”, destaca o Prof. Celso Ferrarezi


– As fotografias seriam uma forma de falar, ainda que não em palavras, sobre o mundo e a vida? 
Etimologicamente, “fotografar” é escrever com a luz. Um fotógrafo de Natureza procura histórias no mundo natural e as conta por meio de imagens estáticas. Uma boa fotografia contempla uma história, além de produzir um impacto estético construído semioticamente com luz, sombra, geometria e, eventualmente, cores. No contato com a obra fotográfica, dificilmente as pessoas deixam de traduzir essa história e esse impacto em palavras ou pensamentos. E essa é, também, uma forma de leitura.
 
– Na sua opinião, professor, há similaridades entre o fazer acadêmico e o fazer artístico? 
Creio que sim. Nos dois casos, para se fazer algo bom, é necessária grande dose de estudo, muita paciência, enorme determinação e uma certa dose de obstinação. No Brasil, ainda mais, sem obstinação e uma tremenda carga de ideal, nem se faz ciência nem arte.

– Como professor e pesquisador na área de Semântica, professor, você identifica semelhanças entre os fenômenos expressivos estudados na língua, em sua heterogeneidade, e os observados nos mais diversos ambientes? 
Línguas naturais são sistemas de representação simbólica. As diversas formas de arte não linguísticas também o são. Qualquer arte, linguística ou não, normalmente, traduz a visão de mundo do artista, sua ideologia, seu tratamento dos fatos, seu recorte de mundo, sua imaginação, os temas que o atraem. Enfim, a arte é, também, uma forma de representação simbólica de um pensamento sobre algo. Assim, se pensarmos que, quando estudamos essas representação nas línguas humanas, o fazemos pela Semântica e que, quando estudamos as demais formas simbólicas de representação, o fazemos pela Semiótica, vemos que Semântica e Semiótica são disciplinas “irmãs” porque os sistemas de representação simbólica que os humanos possuem são, também, “irmãos”.
 
– Existe, entre a sua extensa obra, uma fotografia que o impacta mais?
Cada fotografia tem sua história. Para meu primeiro livro, o editor sugeriu que eu escolhesse 100 das minhas preferidas. O livro saiu com 400 imagens… (rsrsrsrsrs). É que cada história dessas tem um significado existencial diferente: dificuldade de conseguir ver animal em seu ambiente selvagem, dificuldade técnica, custos para conseguir a fotografia, resultado final alcançado, tempo que demorei para conseguir a imagem, enfim, um monte de coisas que fazem de cada foto algo especial. E, nem sempre, a fotografia que o fotógrafo mais “ama” é a mais bonita que ele tem. Mas, posso destacar uma que me impacta muito até hoje é minha primeira fotografia publicada em uma revista especializada em fotos. É de um lobo-guará selvagem em seu ambiente de Cerrado. Só consegui essa foto depois de correr atrás dele, pelo meio do mato, de chinelo (eu não estava preparado para fotografar lobos naquele dia…), por quase uma hora. Quando voltei para o carro, andando com capim pela altura da cintura, estava com os pés e as pernas em frangalhos, sangrando, furados e arranhados por espinhos, e só então fui me dando conta de que podia ter sido picado uma uma cobra ou me machucado mais… (rsrsrsrs) mas estava com a fotografia do lobo gravada na memória da câmera (rsrsrsrs). 
 
– Há alguma fotografia que gerou uma maior dificuldade de produção? 
A fotografia tecnicamente mais difícil que eu tenho é de um cupim voador solitário, tirada por volta da meia-noite, em ambiente natural, depois de uma chuva no mato. Parece uma fotografia boba e sem-graça para quem não entende de fotografia, mas a dificuldade de focagem do inseto em voo para conseguir uma foto com iluminação e foco adequados custou quase três horas de tentativas frustradas.
 
– Pode nos falar de alguns locais em que você fotografou? Há algum que o impactou? Por exemplo, pela beleza, cultura local…
O Brasil é extremamente rico em ambientes naturais belíssimos e em culturas regionais riquíssimas. Já tive o privilégio de fotografar na Amazônia, no Pantanal, em diversos parques naturais brasileiros, enfim, do Norte ao Sul do país, em muitos lugares mesmo. Mas, um dos meus lugares preferidos, por incrível que pareça, é aqui “do lado”: o complexo Serra da Canastra/Serra da Babilônia. As belezas daquele lugar são inesgotáveis para um olhar atento.

Um dos lugares preferidos do professor é o complexo Serra da Canastra/Serra da Babilônia. “As belezas daquele lugar são inesgotáveis para um olhar atento”, observa o fotógrafo de Natureza

 
– Quais foram os principais desafios e aprendizados na sua jornada como fotógrafo de natureza? 
Ao contrário do que se pensa, fotografia não é intuição ou “dom” apenas. Há muito o que estudar e muito o que desenvolver. Hoje, os equipamentos digitais possuem uma tecnologia extraordinariamente avançada e é preciso dominar essa tecnologia de forma automática (não dá para ficar pensando que regulagem colocar na máquina enquanto um passarinho raríssimo sai repentinamente voando do meio do mato e some de sua frente). Além disso, há uma Filosofia da Fotografia e uma dimensão estética incrivelmente complexa que precisam ser compreendidas. Depois, há o trabalho de pós-produção que precisa ser igualmente aprendido. Assim, no começo, a gente mais estuda do que se diverte… (rsrsrsrsrs). Depois, vêm os gastos com equipamentos fotográficos, todos importados – e caríssimos – (ainda mais com o dólar nas alturas). Finalmente, no tipo de fotografia que faço, vêm as despesas e a logística com viagens e estadas aos ambientes selvagens. Tudo isso foi complicado de conciliar e organizar. Mas, dez anos depois, estava tudo ajeitado e devidamente encaixado em seu lugar… (rsrsrsrsrs)

– O que aconselhar para quem deseja começar no universo de fotografias da natureza? Como dar o primeiro passo? 
Comece estudando estética em geral e estética da fotografia. Isso ajudará a compreender que as câmeras e as lentes são essenciais, mas não fazem sozinhas boas fotos. Depois, se esbalde de ver fotografias de grandes mestres para escolher um tema de sua preferência e ver se você se identifica com algum padrão estético em especial. Não existe um excelente fotógrafo que fotografe bem tudo o que há para fotografar no mundo – nem o Sebastião Salgado… Quem fotografa vida social, por exemplo, não fotografa onças na meio Amazônia; quem fotografa nu artístico não fotografa a guerra do Afeganistão. Escolhido o tema, adquira um equipamento fotográfico barato e que pode, inclusive, ser usado, (olhe que celular não é equipamento fotográfico… rsrsrsrs), estude bem seu funcionamento, para tirar do equipamento o máximo que ele pode oferecer, e comece suas experiências. Mas, por que adquirir primeiro um equipamento mais barato? Porque você pode descobrir que gosta mais de ver fotografias do que de fotografar. Acontece com muita, mas com muita gente mesmo! Se for esse o caso, você não jogou muito dinheiro fora. Mas, se descobrir que tem paciência e disciplina para ficar horas – ou dias, ou anos… – atrás de construir uma imagem que satisfaça você, aí e só aí você começa a investir de verdade em equipamentos de ponta. Vale lembrar: no Brasil, os equipamentos fotográficos básicos necessários para boas fotos urbanas ou sociais chega ao preço de uma boa motocicleta; para vida selvagem, algo como um excelente automóvel… É muito investimento para desistir depois. E, finalmente, lembre-se de que fotografia não é ilustração digital: quanto mais Photoshop existe em uma fotografia, sinal de que pior é a técnica do fotógrafo; quanto menos Photoshop é necessário em uma fotografia, mais apurada está ficando a técnica do fotógrafo.
 
– Já que você citou o Sebastião Salgado, ele tem uma frase: “Quem não gosta de esperar não pode ser fotógrafo”. Essa frase ilustra virtudes do fotógrafo, como a paciência, perseverança e dedicação? 
Entre os fotógrafos de Natureza, temos uma fala que nos lembra de nossa condição: “Você não manda nada.” É bem assim: você não manda a flor nascer, a chuva cair, o passarinho aparecer, a onça ficar olhando para você esperando você a fotografar. A gente pode ir a um lugar dez vezes e não conseguir ver o bicho que se quer fotografar. Ou ir atrás de uma flor a 3 mil quilômetros de distância e a planta simplesmente não ter florido naquele ano. Então, quem não tem paciência e não sabe lidar com o fracasso momentâneo, não pode fotografar. E quem não tem muita paciência e não sabe lidar com muitos e repetidos fracassos momentâneos (rsrsrsrsrsrs) nem tente ser fotógrafo de Natureza.  Uma fotografia de que me lembro – e que serve de exemplo disso – me custou muito trabalho e tempo. É a de um beija-flor-de-veste-negra que exigiu que eu acordasse às cinco da manhã por cerca de seis meses para conseguir fotografá-lo em uma moita da flores. Ele só aparecia nesse local nesse horário e, depois, sumia o resto do dia. No dia em que consegui a fotografia quase chorei de alegria. Mas, para ver como são as coisas, nenhuma das três fotos que citei até aqui é da coleção que considero como as mais bonitas que já fiz. Ou seja, nem sempre a mais difícil de se fazer ou a de que mais se gosta é a mais bonita.
 
– Você tem um fotógrafo preferido? Caso sim, por quê? 
Tenho profunda admiração e gratidão pelo que Luiz Cláudio Marigo significou em minha vida de fotógrafo iniciante. A forma caridosa como me atendia e respondia às minhas mensagens, as dicas que me passou, a motivação que significou para mim, os debates que tivemos sobre vários aspectos do que era realmente o papel de um fotógrafo de Natureza, tudo isso faz dele uma inspiração primordial para mim. Além disso ele era um conservacionista, um lutador incansável pela preservação dos biomas brasileiros. Nisso, também era um fotógrafo especial. Lembrar que ele morreu precocemente porque negaram atendimento a ele em um hospital do Rio de Janeiro enquanto ele estava tendo uma parada cardíaca é, para mim, algo muito difícil de lidar até hoje.
 
– Por fim, professor, em quais plataformas os leitores podem acompanhar suas produções? 
Hoje, há minha página de apresentação como fotógrafo, em que disponibilizo informações pessoais, alguns artigos sobre fotografia e há o link para meu primeiro livro fotográfico. No Instagram, há uma galeria de imagens que é administrada por minha filha mais nova, em que se fazem postagens periódicas e, finalmente, há uma galeria maior, que é especialmente dedicada à vida selvagem embora tenha algumas fotos de paisagens, que pode ser vista no Flickr