No Dia Mundial do Rim, nefrologista e professor da Faculdade de Medicina da UNIFAL-MG esclarece dúvidas sobre doenças renais

O Dia Mundial do Rim, celebrado anualmente na segunda quinta-feira de março e organizado pela International Society of Nephrology (ISN), sob coordenação, no Brasil, pela Sociedade Brasileira de Nefrologia (SBN), busca promover educação sobre a doença renal em todos os setores de saúde. A doença, que pode ser controlada mediante diagnóstico precoce, afeta uma em cada 10 pessoas no mundo, de acordo com a SBN.

A fim de elucidar o assunto, o nefrologista e professor Robson Eugênio da Silva, da Faculdade de Medicina da UNIFAL-MG, explica em entrevista o que é a doença renal crônica e como é feito o diagnóstico desta, bem como menciona medidas de prevenção e recomendações. Na oportunidade, o docente fala sobre outros problemas renais. Confira: 

– O que você destacaria, como nefrologista, para conscientizar a população no Dia Mundial do Rim?

Diante de tantas doenças em que a população está exposta, o pilar para o acompanhamento, tratamento e diagnóstico precoce está na educação em saúde. A população bem informada fica mais atenta a mudanças em seu corpo e acaba buscando aconselhamento médico precocemente, evitando desfechos ruins, como a perda da função renal. Portanto, saber que a doença renal vem aumentando e que existe uma relação íntima com outras patologias crônicas comuns é de suma importância para conscientização da população.

“No Brasil, a prevalência de pacientes mantidos em programa crônico de diálise mais que dobrou nos últimos oito anos”, destaca o especialista.

– Quais são os principais problemas renais observados no Brasil? Como tratá-los?

A doença renal crônica constitui hoje um importante problema médico e de saúde pública. No Brasil, a prevalência de pacientes mantidos em programa crônico de diálise mais que dobrou nos últimos oito anos. Como as duas principais causas de insuficiência renal crônica são a hipertensão arterial e o diabetes mellitus, são os médicos clínicos gerais que trabalham na área de atenção básica à saúde que cuidam destes pacientes. Assim, a capacitação, a conscientização e a vigilância do médico de cuidados primários à saúde são essenciais para o diagnóstico e encaminhamento precoce ao nefrologista e à instituição de diretrizes apropriadas, para retardar a progressão da DRC, prevenir suas complicações, modificar comorbidades presentes e garantir preparo adequado a uma terapia de substituição renal.

– No caso dos cálculos renais (conhecidos popularmente como “pedra nos rins”), quais são os sintomas típicos observados já no início da doença?

No começo, a presença de “pedras nos rins” pode passar despercebida, já que, quando as pedras são pequenas, pode não ocorrer dor ou nenhum outro sintoma característico da nefrolitíase. Contudo, é possível haver alguns sintomas leves que podem sugerir a presença de pedras nos rins, que são:

  • Dor leve na região lombar: algumas pessoas podem se queixar de uma dor leve na região lombar, ou seja, na parte inferior e lateral das costas. Essa dor pode ser confundida facilmente com dores musculares, já que são de leve intensidade e podem passar espontaneamente.
  • Sangramento na urina: também entre os primeiros sintomas de pedras nos rins destaca-se a presença de um leve sangramento na urina, autolimitado, que pode inclusive passar despercebido.

À medida que as pedras formadas crescem e passam pelo trato urinário, elas começam a causar uma dor mais intensa. As pedras saem de uma estrutura chamada pelve renal e vão para o ureter, que é o canal que liga o rim a bexiga. Neste percurso, corre-se o risco de impactação dos cálculos, o que causa muita dor.

– É possível prevenir os cálculos renais? Se sim, quais são as recomendações?

Sim, é possível. Medidas preventivas primárias, se bem desenvolvidas e implementadas entre a população, podem limitar o impacto negativo substancial da nefrolitíase no sistema de saúde e nos indivíduos.

As principais recomendações preventivas são: aumentar a ingestão de água, principal medida preventiva; diminuir o consumo de carne total e proteína animal (o consumo de carne bovina apresenta um risco ligeiramente maior para o desenvolvimento de cálculos de oxalato de cálcio); diminuir ingestão de sal (o aumento de sódio na dieta confere uma maior excreção de cálcio na urina); seguir uma dieta equilibrada, que contém um grande número de frutas, vegetais e produtos lácteos e baixo teor de gordura saturada.

Uma pergunta comum no consultório é se é necessária a restrição total do cálcio (encontrado em leites e derivados), e a resposta é NÃO. O tipo de cálculo mais comum é o de Oxalato de cálcio, e os estudos mostram que o alto teor de cálcio na dieta evitou a absorção de oxalato, formando um complexo de oxalato de cálcio no intestino, reduzindo, assim, a excreção urinária de oxalato, sem interferir negativamente na doença.

– O que é a doença renal crônica (DRC)? Há formas de prevenção? Quais são os principais sintomas para realizar o diagnóstico? Em caso positivo, de que modo se realiza o tratamento?

A progressão lenta da doença renal crônica permite que o organismo se adapte à diminuição da função renal.

A doença renal crônica consiste em lesão renal e perda progressiva e irreversível da função dos rins (glomerular, tubular e endócrina). Em sua fase mais avançada (chamada de fase terminal de insuficiência renal crônica-IRC), os rins não conseguem mais manter a normalidade do meio interno do paciente.

A progressão lenta da doença permite que o organismo se adapte à diminuição da função renal. Por isso, muitas vezes, a doença não manifesta sintomas até que haja um comprometimento grave dos rins, com perda de até 90% de sua função. Nesses casos, os sinais são: aumento do volume e alteração na cor da urina e fadiga; dificuldade de concentração; diminuição do apetite; sangue e espuma na urina; incômodo ao urinar; inchaço nos olhos, tornozelos e pés; dor lombar; anemia; fraqueza; enjoos e vômitos; e alteração na pressão arterial.

Diagnóstico: a disfunção renal pode ser identificada por meio de dois exames: um de análise da urina e outro de sangue. O primeiro identifica a presença de uma proteína (albumina) na urina; o segundo verifica a presença de outra, a creatinina.

Prevenção: O primeiro passo é prevenir o desenvolvimento da hipertensão arterial e controlar a diabetes, doenças que mais levam à insuficiência renal. Para isso devemos: conhecer o histórico de doenças da família; controlar os níveis de pressão; realizar avaliação médica anual, principalmente após os quarenta anos; seguir uma dieta equilibrada, com baixa ingestão de sal e de açúcar; controlar o peso; praticar exercícios físicos regularmente; não fumar; moderar o consumo de bebidas alcoólicas, se o fizer; monitorar seus níveis de colesterol; evitar o uso de medicamentos sem orientação médica.

Tratamento: Não existe cura para a doença renal crônica, embora o tratamento possa retardar ou interromper a progressão da doença e impedir o desenvolvimento de outras condições graves. A insuficiência renal pode ser tratada com medicamentos e controle da dieta. Nos casos mais extremos, pode ser necessária a realização de diálise ou transplante renal, como terapêutica definitiva de substituição da função renal.

“Como a doença renal crônica é silenciosa, muitas vezes os pacientes só descobrem a doença em fases avançadas”, explica o Prof. Robson Eugênio. (Foto: Reprodução/Canva Pro)

– Quem pode se submeter ao procedimento de transplante renal? Há contraindicações em relação a essa cirurgia?

O transplante renal está indicado para pacientes que apresentam doença renal crônica avançada. A indicação do transplante de rim é feita após o médico nefrologista avaliar o paciente e considerar exames de sangue, de urina e de imagem. Como a doença renal crônica é silenciosa, muitas vezes os pacientes só descobrem a doença em fases avançadas. A maioria das pessoas começa primeiro por hemodiálise ou diálise peritoneal e, depois, se inscreve na lista de transplante de rim ou recebe um rim de um doador vivo.

– Quem pode ser doador de rim?

Existem dois tipos de doadores: os doadores vivos (parentes ou não) e os doadores falecidos.

No caso de doadores falecidos, os rins são retirados após se estabelecer o diagnóstico de morte encefálica e após a permissão dos familiares. O diagnóstico de morte encefálica segue padrões rigorosos definidos pelo Conselho Federal de Medicina. Vários exames são realizados para se certificar que o doador apresenta rins com bom funcionamento e que não possui nenhuma doença que possa ser transmitida ao receptor. O sangue do doador será cruzado com o dos receptores, e receberá o rim aquele paciente que for mais compatível (menor risco de rejeição) com o órgão que está disponível. Para receber um rim de doador falecido é necessário estar inscrito na lista única de receptores de rim, da Central de Transplantes do estado onde será feito o transplante.

No caso de rim de doador vivo, tanto os parentes quanto os não parentes podem ser doadores, sendo necessária uma autorização judicial. São feitos vários exames do doador para se certificar que apresenta rins com bom funcionamento, não possui nenhuma doença que possa ser transmitida ao receptor e que o seu risco de realizar a cirurgia para retirar e doar o rim seja reduzido.

Então as condições necessárias para ser um doador vivo é manifestar desejo espontâneo e voluntário de ser doador (a comercialização de órgão é proibida). Há a necessidade de ter compatibilidade sanguínea ABO com o receptor. São realizados testes para comprovar outras compatibilidades.

De acordo com o Prof. Robson Eugênio da Silva, a universidade tem um papel fundamental na educação em saúde. (Foto: Arquivo Pessoal)

– Em caso de doação em vida, o doador consegue viver, normalmente, com um rim, ou é necessária uma série de cuidados e mudanças de hábitos?

Toda pessoa que se submete a uma cirurgia e anestesia geral corre riscos que podem, no entanto, ser minimizados com os exames pré-operatórios e os avanços nas técnicas anestésicas e cirúrgicas. Por outro lado, as funções renais podem ser realizadas de forma normal por um único rim (como se observa em pessoas que já nascem com um rim único, ou em vítimas de acidentes ou enfermidades com perda de um dos rins). Os cuidados são os mesmos para se ter uma vida saudável e evitar qualquer forma de agressão renal que possa prejudicar este rim futuramente.

– A campanha do Dia Mundial do Rim busca promover a educação sobre a doença renal. De que forma, no papel de universidade pública, podemos contribuir para a disseminação de conhecimentos sobre a temática?

A universidade tem um papel fundamental na educação em saúde. Trata-se de uma ferramenta de promoção da saúde pautada na transmissão e reprodução de conhecimentos para a população e contribui de forma significativa no processo de aprendizagem. No entanto, a intervenção em saúde traz consigo desafios. Os indivíduos precisam ser incentivados a participar do processo de educação, que deve ser prático, dinâmico e com mecanismos de orientação e didática atrativos, podendo, desta forma, com o autoconhecimento, mudar o rumo dos desfechos da doença renal.

Para mais informações, ouça o podcast “Doença renal crônica”, com o Prof. Robson Eugênio da Silva. 

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