Notas breves do cinema brasileiro no dia de sua comemoração, por Ítalo Oscar Riccardi León

Abordar o cinema brasileiro por ocasião da comemoração do seu aniversário, 19 de junho, em função das primeiras imagens cinematográficas do Brasil registradas na Baía de Guanabara, Rio de janeiro, em 1898, atribuídas aos irmãos italianos Paschoal Affonso e Segreto, conforme assinala a Agência Nacional de Cinema (ANCINE), é uma grande honra para quem, além de cinéfilo, acredita que o cinema contribui muito para a formação, lazer, visão de mundo e pensamento crítico do leitor/espectador.

O cinema representa um dos grandes meios da expressão audiovisual contemporânea que se consolidou como uma das manifestações artísticas mais promissoras, determinantes e vigentes no decorrer do século XX, e também no século XXI, ora como forma de diversão, ora como linguagem artística e produção cultural que atrai e continua seduzindo seus seguidores e os espectadores das novas gerações. De todas as transformações sofridas pela arte, a maior, de acordo com Josef (2006), foi o surgimento do cinema; com ele despontou uma nova maneira de representar o mundo que se constituiu em uma linguagem à parte, embora a linguagem cinematográfica se valha de outras e mesmo da língua para comunicar-se.

A história do cinema no Brasil já é centenária, levando em conta os primeiros projetores cinematográficos que chegaram ao país em fins do século XIX e foram trazidos por emigrantes europeus. No começo, pequenos filmes estrangeiros eram exibidos em centros de entretenimento do Rio de Janeiro. No entanto, considera-se que os primeiros filmes gravados no país foram, em sua maioria, documentais, sendo o curta-metragem Os Estranguladores (1908), de Francisco Marzullo e Antônio Leal, a primeira produção independente de ficção brasileira, baseada em um crime cometido na Rua da Carioca, com duração de 40 minutos. Já o primeiro longa-metragem foi O Crime dos Banhados (1914), dirigido por Francisco Santos, filme que toma como referência a crônica policial ao redor de um crime real acontecido em 1912, no interior do Rio Grande do Sul, envolvendo a chacina de toda uma família de um pequeno proprietário rural.

Posteriormente, pode-se dizer que o cinema brasileiro passará por diversas fases de consolidação, conforme o contexto sociocultural da época, tendências, desenvolvimento tecnológico e influências da produção regional, nacional e outras advindas do exterior. Neste olhar, de modo sucinto, devem-se lembrar momentos que
foram marcantes como o surgimento do cinema sonoro na década de 1930, cujo filme nacional pioneiro foi a comédia Acabaram-se os Otários (1929), de Luiz de Barros. Também a Cinédia, primeira produtora criada em 1931, que passou a produzir filmes com características que lembravam as produções hollywoodianas clássicas, ou seja, histórias românticas, musicais, com grandes cenários e estrelas como foi Carmem Miranda. Logo depois, na década de 1940, surge no Rio de Janeiro o chamado gênero “chanchada”, um projeto artístico de comédia e entretenimento da Companhia Cinematográfica Atlântida. A “chanchada”, de trama fácil e forte apelo popular, mesclava música e humor, porém a crítica a considerava ruim, apesar do público gostar. Grandes atores brasileiros fizeram muito sucesso na “chanchada”, como Oscarito, Grande Otelo e Anselmo Duarte.

Mais tarde, surgiu a Companhia Vera Cruz, em 1949, que foi considerada a mais moderna produtora cinematográfica da época, fato que marcou a industrialização cinematográfica brasileira, cujo objetivo foi criar no país uma estrutura semelhante ao cinema produzido em Hollywood. A Vera Cruz chegou a produzir 17 filmes antes de falir em 1954, e teve o mérito de ter conquistado, em 1953, o prêmio de melhor filme de aventura no Festival de Cinema Internacional de Cannes, com o longa-metragem O Cangaceiro, dirigido pelo cineasta Lima Barreto; o filme recebeu também a menção honrosa de melhor trilha sonora a cargo do compositor e maestro brasileiro Gabriel Migliori. Em 2015, O Cangaceiro entrou para a lista dos 100 melhores filmes brasileiros de todos os tempos. Por sua vez, embora mereça um capítulo à parte, há também que se destacar Mazzaropi, considerado um artista múltiplo, que marcou os rumos da cultura brasileira ao projetar nas telas do cinema o homem caipira do interior de São Paulo, mas que poderia representar qualquer canto do país. Usando e abusando de recursos expressivos, de uma forma perspicaz, com elementos da comédia e crítica, trabalhou com a Companhia Vera Cruz como ator e cineasta, mas, depois, fundou a própria empresa Produções Amácio Mazzaropi (PAM Filmes). Ao todo, Mazzaropi produziu 32 filmes ganhando a admiração e popularidade do público espectador.

No final da década de 1950, surge o chamado Cinema Novo que deu a conhecer uma nova leitura da realidade brasileira ao público espectador, principalmente no que se refere ao homem do semi-árido e sua luta pela sobrevivência. Assim, o Cinema Novo, representou um movimento cinematográfico inestimável que expôs nas telas de cinema a inércia das autoridades e do poder em relação à seca que castigava os nordestinos. Filmes como Vidas Secas (1963), de Nelson Pereira dos Santos, e Deus e o Diabo na Terra do Sol (1964), de Glauber Rocha, foram algumas das produções mais importantes da época. Cabe destacar que, neste contexto, se destacou Glauber Rocha, reconhecido como um dos maiores cineastas brasileiros, e quem acunhou o termo “estética da fome” para se referir ao manifesto do Cinema Novo, inspirado nas obras de baixo orçamento das produções neorrealistas italianas e da Nouvelle Vague francesa da época. Na geração cinemanovista, destacaram-se vários filmes e diretores importantes, dentre dos quais, pela sua relevância no cenário nacional, gostaríamos de mencionar alguns: Porto das Caixas (1962) de Paulo Cesar Saraceni; Os Fuzis (1964) de Ruy Guerra; A Falecida (1965) de Leon Hirszman; A Grande Cidade (1966) de Cacá Diegues; Opinião Pública (1967) de Arnaldo Jabor; Macunaíma (1969) de Joaquim Pedro de Andrade e O Dragão da Maldade contra o Santo Guerreiro de Glauber Rocha, escolhido, em 1969, o melhor diretor no Festival de Cannes. Contudo, ainda cabe destacar que, em 1962, o cinema brasileiro recebia a Palma de Ouro pelo filme O Pagador de Promessas de Anselmo Duarte, único filme a conquistar, até o presente momento, a essa máxima premiação do prestigioso Festival de Cannes.

Mais adiante, já no início dos anos 1970, o Cinema Novo começou a perder força para a chamada “Pornochanchada”, outra tendência de produção de filmes que foi inspirada pelas comédias populares italianas dos anos 1960, cujo foco foi a exploração da sexualidade brasileira com mistura de humor e conteúdo erótico; entretanto, com a popularização do mercado pornográfico, a tendência entrou em decadência na década de 1980. Em contrapartida, numa nova fase do cinema brasileiro, em 1969, durante a imposição do regime militar no Brasil, surgiu a Embrafilme (Empresa Brasileira de Filmes), empresa de economia mista, mas controlada pelo Estado, que teve como objetivo financiar produções cinematográficas que se alinhassem às exigências do governo militar e coube-lhe, também, o papel de desempenhar a função de ser uma distribuidora de ações comerciais, assim como da produção e divulgação do cinema brasileiro no exterior. A Embrafilme foi regulamentada pelo Conselho Nacional de Cinema (Concine), órgão gestor do cinema brasileiro criado em 1976 e extinto em 1990. Entre seus maiores sucessos se encontra, curiosamente, o filme Dona Flor e seus dois maridos (1976), de Bruno Barreto, considerado um dos filmes exitosos da história do cinema nacional, que chegou a vender mais de 10 milhões de ingressos. Entretanto, quando começou um processo de esvaziamento econômico e político de âmbito nacional, em 1990, a Embrafilme se viu obrigada a fechar suas atividades, precisamente na época do recém-empossado presidente Fernando Collor de Mello.

Após 1990 e décadas seguintes, o cinema brasileiro amadurece ainda mais e inicia um processo de robustecimento de sua linguagem e produção cinematográfica com um destacado reconhecimento internacional que levou o cinema brasileiro a um patamar de grande esplendor; isto é, num período de apenas quatro anos, o Brasil conquistou três indicações ao Oscar de melhor filme estrangeiro com os seguintes filmes: O Quatrilho (1996) de Fábio Barreto; O que é Isso, Companheiro? (1997) de Bruno Barreto e Central do Brasil (1999) de Walter Salles, que ganhou o Urso de Ouro do Festival de Berlim, em 1998. Também se pode afirmar que, nessa nova fase, houve uma retomada que deu voz a uma nova geração de talentosos cineastas, entre os quais podemos destacar os seguintes expoentes: Tata Amaral (Um Céu de Estrelas, 1996); Beto Brant (Ação entre Amigos, 1998); Andrucha Waddington (Eu Tu Eles, 2000); Fernando Meirelles (Domésticas, 2001) e Laís Bodansky (Bicho de Sete Cabeças, 2001). No entanto, juntamente à menção honrosa desses diretores e filmes, também gostaríamos de incluir nessa nomina: Amarelo Manga (2002) de Cláudio Assis; Lisbela e O Prisioneiro (2003) de Guel Arraes; O Signo do Caos (2005) de Rogério Sganzerla; O Céu de Suely (2006) de Karim Aïnouz; Estômago (2007) de Marcos Jorge; Sonhos Roubados (2009) de Sandra Werneck; Tatuagem (2013) de Hilton Lacerda; A História da Eternidade (2014) de Camilo Cavalcante; Hoje Eu Quero Voltar Sozinho (2014) de Daniel Ribeiro; Nise: O Coração da Loucura (2016) de Roberto Berliner.

Assim como todos os grandes festivais de cinema do mundo, o Festival de Cinema de Gramado, localizado na Serra Gaúcha-RS, se transformou no maior Festival de Cinema do Brasil e da América Latina, conferindo, ao mesmo tempo, à cidade de Gramado, um dos destinos turísticos mais procurados de Brasil, sob notoriedade e cobertura midiática. Deste modo, as ruas de Gramado, anualmente, se tornam palco de encontros emocionantes: artistas, diretores, entidades cinematográficas brasileiras e estrangeiras se reúnem com glamour e qualidade de seus filmes. A disputa pelo kikito, prêmio na forma de uma estatueta ou figura risonha, uma espécie de “deus do bom-humor”, com 33 centímetros de altura, são laureados os vencedores, e assim como o Oscar, anima debates, gera polêmica e transforma a criação cinematográfica em uma celebração da sétima arte por cineastas, estudiosos de cinema, imprensa e público em geral. Ao longo de sua história, o Festival acompanhou todas as fases do cinema nacional, tornando-se pioneiro e referência na realização de eventos do gênero em território nacional. Desde a primeira edição com a consagração de Toda Nudez será Castigada (1973) de Arnaldo Jabor, muitos kikitos foram distribuídos entre os profissionais do cinema que venceram o evento em diferentes categorias. Além de celebrar a produção brasileira e gaúcha, o evento ainda inclui em sua programação uma mostra competitiva de filmes ibero-americanos desde 1992. Já os troféus Oscarito, Eduardo Abelin, Kikito de Cristal e Ciudad de Gramado homenageiam atores, cineastas e personalidades em filmes.

E para finalizar, no dia da comemoração do cinema brasileiro, não há como relacionar ou fazer uma listagem especial de uma série de produções cinematográficas (das inúmeras que existem) que marcaram a história recente da cinematografia brasileira dos últimos 40 anos, além dos filmes mencionados anteriormente. Entre estes filmes podemos citar:


– Eles Não Usam Black-tie (1982) de Leon Hirszman
– A Hora da Estrela (1985) de Suzana Amaral
– O Beijo da Mulher Aranha (1985) de Hector Babenco
– Lavoura Arcaica (2001) de Luiz Fernando Carvalho
– Cidade de Deus (2002) de Fernando Meirelles e Kátia Lund
– O Homem que Copiava (2003) de Jorge Furtado
– Carandiru (2003) de Heitor Babenco
– Ano em que Meus Pais Saíram de Férias (2006) de Cao Hamburger
– Tropa de Elite (2007) de José Padilha
– Tropa de Elite 2 – Agora o Inimigo é Outro (2010) de José Padilha
– O Palhaço (2011) de Selton Mello
– Que Horas Ela Volta (2015) de Anna Muylaert
– O Lobo Atrás da Porta (2015) de Fernando Coimbra
– Aquarius (2016) de Kleber Mendonça Filho
– Bingo (2017) de Daniel Rezende
– A Vida Invisível (2019) de Karim Aïnouz
– Deslembro (2019) de Flávia Castro
– Bacurau (2019) de Kleber Mendonça Filho