“Onde existe muita floresta também …..”

Kellen Rocha de Souza

… Existe muita biodiversidade, consciência social e ambiental, preservação ambiental, preocupação intergeracional, menor erosão do solo, regulação do ciclo hidrológico, recursos naturais, plantas medicinais, qualidade de vida, e enfim, dentre muitos outros benefícios que poderiam ser listados, há principalmente vida. No entanto, segundo o ministro do Meio Ambiente brasileiro, Joaquim Leite, durante discurso na COP-26, a Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas, realizada em novembro de 2021 na cidade de Glasgow, na Escócia, “onde existe muita floresta também existe muita pobreza” (CHADE, 2021) e por isso o governo “criou” o Programa Nacional de Pagamentos por Serviços Ambientais Floresta+, anunciado no governo do Temer, mas instituído em julho de 2020.

Assim como ficou evidente pela fala desta e também de outras autoridades brasileiras, a sociedade é induzida a estabelecer uma relação de causalidade entre floresta e pobreza ou ainda que a preservação ambiental representa simplesmente um custo econômico e/ou entrave ao crescimento econômico. Um grande equívoco que só desvia a atenção da necessidade de políticas públicas para melhorar as condições de vida da população brasileira. Dado que os recursos ambientais são finitos, a perda destes, na verdade, pode trazer, além dos impactos na saúde, vários impactos econômicos decorrentes, por exemplo, da diminuição da quantidade de chuvas e consequentemente secas, o que, por sua vez, afetaria fortemente os setores agrícola e de energia.

Onde existe muita floresta também pode, infelizmente, existir pobreza pois esta não está limitada a alguma região, estado ou zona (rural ou urbana) brasileira. Assim, é importante ressaltar que a pobreza no Brasil está nas pequenas, médias e grandes cidades, ou seja, está em todo canto do nosso país, infelizmente. Ademais, não é a floresta que gera a pobreza, mesmo porque se assim o fosse não deveríamos observar o crescimento da pobreza em toda parte do país, tanto em grandes quanto em pequenas cidades. Portanto, onde existe muita floresta não deveria haver pobreza e, em geral, esta não deveria estar em lugar nenhum.

Reformulando a frase do ministro talvez o mais coerente seja dizer que onde há pobreza há falta de empregos, saneamento básico, água potável, moradia, lazer, qualidade de vida, educação, saúde, etc., ou seja, em termos gerais há falta de políticas públicas. E contrariamente ao que afirmou o ministro, onde há pobreza há falta de floresta, visto que a arborização das cidades está, cada vez mais, restrita a bairros habitados pela população de alta renda. Na verdade, imóveis em regiões mais arborizadas são atualmente também os mais procurados e valorizados pela população (YAZBEK, 2016).

Infelizmente, onde existe muita floresta também existe muito sangue derramado de ativistas defensores do que resta de floresta em nosso país, tal como covardemente ocorreu em São Félix do Xingu, no Pará, no início de janeiro deste ano, onde uma família de ambientalistas foi assassinada, segundo a Polícia, por pistoleiros (G1 Pará e TV LIBERAL, 2022). Assim, dada a violência crescente, em regiões florestais infelizmente também há muita insegurança e medo por parte de ativistas e funcionários ambientais, que arriscam suas vidas para proteger terras que deveriam ser respeitadas e preservadas por todos.

Quanto à violência em regiões florestais, segundo dados do relatório da organização não governamental (ONG) Global Witness, o Brasil foi o 4º país no mundo e o 3º na América Latina com o maior número de assassinatos de ativistas ambientais em 2020, com um total de 20 mortos (GLOBAL WITNESS, 2021). Dentre os 10 países com o maior número de assassinatos deste tipo em 2020, 7 estavam na América Latina, e à frente do Brasil estavam: Colômbia (65 assassinatos), México (30) e Filipinas (29).

No total, segundo o relatório supracitado, 227 pessoas foram assassinadas no mundo, em 2020, por defenderem questões ambientais e direitos da terra, e destas 27 eram funcionárias do Estado ou guardas florestais. No Brasil e no Peru quase 70% dos assassinatos ocorreram na região amazônica de cada país. Ademais, mais de um terço das ocorrências no mundo estaria ligado à exploração de recursos, tais como extração de madeira, mineração e expansão do agronegócio, e também a barragens hidrelétricas e outros tipos de obras de infraestrutura. Em termos gerais o setor de extração de madeira foi o que esteve relacionado ao maior número de mortes, com um total de 23 (GLOBAL WITNESS, 2021).

Enfim, onde existe floresta existe esperança de um presente e futuro melhores, o que consequentemente gera benefícios para toda a população, mas também, infelizmente, podem existir os mesmos problemas encontrados no país todo, independente da região, cidade ou zona (urbana ou rural). No entanto, o problema do Brasil e do mundo como um todo não é a floresta, mas sim a falta dela.

 

Referências

CHADE, Jamil. “Onde existe muita floresta existe muita pobreza”, diz Leite na COP26. Porta de Notícias UOL, 10 nov. 2021. Disponível em: <https://noticias.uol.com.br/colunas/jamil-chade/2021/11/10/onde-existe-muita-floresta-existe-muita-pobreza-diz-leite-na-cop26.htm>. Acesso em: 21 jan. 2022.

GLOBAL WITNESS. Last line of defens: the industries causing the climate crisis and attacks against land and environmental defenders. Setembro de 2021. Disponível em: <https://www.globalwitness.org/en/campaigns/environmental-activists/last-line-defence/>. Acesso em: 21 jan. 2022.

G1 PARÁ e TV LIBERAL. Família de ambientalistas é assassinada por pistoleiros na área rural de São Félix do Xingu, no PA. G1 PARÁ e TV LIBERAL, 10 jan. 2022. Disponível em: <https://g1.globo.com/pa/para/noticia/2022/01/10/policia-investiga-assassinato-de-familia-em-sao-felix-do-xingu.ghtml>. Acesso em: 21 jan. 2022.

YAZBEK, Priscila. Quer listar os bairros mais caros de SP? Conte suas árvores. Exame Invest, 12 mar. 2016. Disponível em: <https://exame.com/mercado-imobiliario/quer-conhecer-os-bairros-mais-caros-de-sp-conte-suas-arvores/>. Acesso em: 21 jan. 2022.